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ARTIGOS ORIGINAIS

Assédio moral no trabalho: repercussões sobre a saúde do trabalhador1

Mobbing: repercussions on worker’s health

Osvaldo da Silva Peixoto2; Ivonete Vieira Pereira3

RESUMO

OBJETIVO: estabelecer os danos à saúde do trabalhador causados pelo assédio moral nas relações de trabalho.
MÉTODO: realização de revisão da literatura utilizando os trabalhos recentes sobre o tema.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: o assédio moral nas relações de trabalho é um fenômeno invisível, porém de conseqüências concretas à vida sociofamiliar e econômica do trabalhador vitimizado. O trabalhador assediado, em função da insatisfação laboral e baixa da auto-estima, torna-se fragilizado e fortemente susceptível aos agravos da sua saúde física e mental, gerando quadros preponderantemente de transtornos psicossomáticos. O psicoterrorismo laboral é algo prevenível ou neutralizável, dependendo, entre outros fatores, de mudanças comportamentais de liderança e humanização da organização do trabalho.

Palavras-chave: Assédio moral; Saúde do trabalhador; Transtornos psicossomáticos.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To define the disorders in worker’s health caused by mobbing at workplace.
METHOD: bibliography review according to recent research on mobbing.
CONCLUSION: mobbing at workplace is an invisible phenomenon with real bad consequences on the victim’s social, familiar and economical life. The mobbed worker, due to his work dissatisfaction and low self-esteem, becomes weak and very susceptible to physical and mental injuries that mostly lead to psychosomatic disorders. Psycho terrorism at workplace can be prevented or neutralized depending on factors such as leadership behavior changes and work organization humanization.

Keywords: Worker’s health; Psychosomatic disorders.

INTRODUÇÃO

O assédio moral nas relações do trabalho não é um fenômeno recente, é tão antigo quanto o próprio trabalho. Uma pesquisa pioneira realizada pelo médico sueco Peter-Paul Heinemann na década de 60 no ambiente escolar já demonstrava hostilidade entre as crianças frente à outra que adentrasse o seu espaço.1

Na década de 80, 20 anos mais tarde, o psicólogo alemão Heinz Leymann observou comportamento semelhante no ambiente de trabalho, onde já existia certo nível de violência nas relações de trabalho. Notou ainda que raramente a violência física era usada.2

A partir desses estudos no ramo da Psicologia, o assédio moral no trabalho (AMT) começou a chamar a atenção dos estudiosos de outros ramos da Ciência, entre eles, a Medicina e o Direito. Percebeu-se, então, que o tema tinha enfoque multidisciplinar, não se esgotando por apenas uma área do conhecimento humano.2

No final da década de 90, a psicanalista francesa Marie-France Hirigoyen escreveu um livro sobre AMT, relatando casos reais, em que descreve características do assediador e do trabalhador vitimizado. Também enfatiza os danos socioeconômicos e à saúde do trabalhador.1

A partir dessa obra, a discussão sobre o tema AMT ganhou proporções internacionais, inclusive com repercussão muito importante na esfera jurídica, principalmente na França, Suécia, Noruega, Austrália e Itália, que passaram a produzir leis para coibir a prática do constrangimento moral no ambiente de trabalho.1

No Brasil, a discussão sobre o AMT ainda é discreta e incipiente, muito embora já exista desde a época da colonização, tendo a escravidão como um exemplo fortemente marcante.

Somente a partir de 2000, com a publicação da dissertação de mestrado da Dra. Margarida Barreto, médica do trabalho, pelo departamento de Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), denominada “Uma Jornada de Humilhações”, foi que a importância sobre o tema começou a despertar estudiosos e pesquisadores no Brasil.2

 

CONCEITO

Por assédio em um local de trabalho entende-se toda e qualquer conduta abusiva, manifestando-se, sobretudo, por comportamentos, palavras, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho. Caracteriza-se pela intencionalidade e repetitividade de longa duração.3,4

Segundo Ferreira (2004), o AMT foi inicialmente utilizado num sentido mais estreito, caracterizando apenas a humilhação do trabalhador. Atualmente, assume novas características além do constrangimento no labor, tais como: supervisão excessiva, críticas cegas, empobrecimento de tarefas, sonegação de informações, repetidas perseguições e ostracismo na atividade laboral.

O AMT é uma deterioração do meio ambiente de trabalho com diminuição de produtividade e incremento de acidentes, além dos danos profundos à saúde física e psicossocial do trabalhador assediado.3,5

 

REPERCUSSÕES SOBRE A SAÚDE DO TRABALHADOR

A organização do trabalho rígida, principalmente sobre pressão sistemática, é causa da fragilização somática, na medida em que ela pode bloquear os esforços dos trabalhadores para adequar o modo operatório às necessidades de sua estrutura mental. Exerce sobre o homem uma ação específica, cujo impacto é sobre o aparelho psíquico.6

O assédio moral nas relações de trabalho perpassa a organização do trabalho e é caracterizado pela degradação crônica e deliberada das condições de trabalho, normalmente provocado por condutas e atitudes tiranas repetitivas dos chefes em relação aos seus subordinados. É um risco psico-organizacional, portanto, um fenômeno invisível, mas com efeitos nocivos concretos que vão desde a insônia até mesmo ao suicídio.5

O AMT é uma experiência subjetiva que acarreta danos à saúde do trabalhador, principalmente à sua saúde mental, onde predominarão depressões, angústias e outros danos psíquicos.2

Segundo Hirigoyen (2002), em sua pesquisa na França, 69% dos assediados apresentavam estados depressivos graves.

Ao trabalhador vítima de psicoterrorismo no trabalho, sobram a depressão, a angústia e outros males psíquicos, causando sérios danos à sua qualidade de vida. Psiquismo é ingrediente da natureza humana, independente do sexo. A exteriorização de sentimentos em condição humilhante ou de constrangimento varia. As trabalhadoras respondem com choro, tristeza, ressentimento e mágoa, rejeitando o ambiente de trabalho que antes era seu. Já os homens manifestam indignação e raiva, o desejo de vingança é forte. A agressão psíquica no ambiente laboral, continuada e duradoura, leva o trabalhador de ambos os sexos à baixa da auto-estima, preponderando estados depressivos e podendo surgir conseqüências somáticas da patogenia psíquica, sendo mais comuns a úlcera péptica, o infarto do miocárdio, a impotência sexual e o acidente vascular cerebral. Os acidentes de trabalho tornam-se amiúde e culminam com o agravamento da questão social. 7,8,9,10

A pesquisa realizada no Brasil pela Dra. Margarida Barreto (2000) durante a elaboração de sua dissertação de Mestrado em Psicologia Social observou repercussões do AMT sobre a saúde de 870 homens e mulheres vítimas de opressão no ambiente profissional, nas quais aponta reações clínicas que vão desde crises de choro até a tentativa de suicídio. O estudo ainda revela que as mulheres e os homens eram acometidos de estado depressivo em 60% e 70%, respectivamente. Outro resultado interessante é que 100% dos homens tinham idéia de suicídio, já as mulheres, somente 16,2% apresentavam esse distúrbio psíquico.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O psicoterrorismo na ambiência laboral é um fenômeno profissional marcado pela desumanização das relações laborais cuja subjetividade não lhe tira os aspectos objetivos. O constrangimento moral de forma repetitiva e sistematizada gera vários conflitos à vida socioeconômica e familiar dos trabalhadores assediados, os tornam mais fragilizados e suscetíveis a adoecimentos, podendo levá-los desde a incapacidade permanente até a morte. Em função da insatisfação laboral e baixa da auto-estima causadas pela humilhação de longa duração na jornada de trabalho, a saúde dos trabalhadores é afetada negativamente, propiciando o surgimento de transtornos psicossomáticos. Contudo, esse fenômeno danoso à saúde física e mental dos trabalhadores pode ser prevenido ou até eliminado a partir de mudanças comportamentais de estilos de liderança e humanização nas relações de trabalho.

 

REFERÊNCIAS

1. He Mobbing Encyclopaedia. Disponível em: <http://www.leymann.se/Englishframe.html>. Acesso em: 18 set. 2006.

2. Ferreira HDB. Assédio moral nas relações de trabalho. Campinas: Russell; 2004.

3. Pereira JRA. Assédio moral: dando a volta por cima. 2 ed. Iracemápolis, SP: Editora do Autor; 2004.

4. Hirigoyen MF. Assédio moral: a violência perversa do cotidiano. 4 ed. Rio de Janeiro:2002. Original: Le harcèlement moral. Tradução de Maria Helena Küher.

5. Barreto M. Uma jornada de humilhações. Disponível em: <http://www.assediomoral.org>. Acesso em: 26 set. 2006.

6. Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. Tradução de Ana Isabel Paraguay e Lúcia Leal Ferreira. 2 ed. São Paulo: Cortez/Oboré; 1987.

7. Assédio moral. Disponível em: <www.defesadotrabalhador.com.br>. Acesso em: 17 set. 2006.

8. Salvador L. Assédio moral: doença profissional que pode levar a incapacidade e até a morte; direito e justiça. Curitiba: O Estado do Paraná; 2002.

9. Silva R. O empreendedor e o assédio moral no trabalho. Revista Urutágua; revista acadêmica multidisciplinar (CESIN-MT/DCS) 2004; 6. Disponível em: <http://www.urutagua163.uem.br/006/06rasilva.htm>.

10. Sinotti AA. Aassédio moral; doença profissional. Revista CIPA 2005; 304; 62-3.

1. Trabalho realizado no Centro Universitário do Estado do Pará-CESUPA


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