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ARTIGOS ORIGINAIS

Risco cardiovascular: abordagem dentro da empresa

Cardiovascular risk: an approach from an enterprise perspective

Rodolfo dc Souza Rocha1; Ricardo Augusto Slaibi Conti2

RESUMO

É essencial a redução global do risco cardiovascular por meio do controle dos seus vários fatores para obter-se a diminuição da morbimortalidade das doenças das artérias coronárias e cérebro-vasculares. Existem várias propostas de abordagem dos fatores de risco cardiovascular, assim como tabelas de escores, mas são poucos os dados nacionais, principalmente os obtidos no ambiente ocupacional. Apresentamos a experiência do serviço médico de uma emissora de TV na identificação e acompanhamento, durante quatro anos, desses indicadores entre os seus trabalhadores. Aplicou-se instrumento em que se incluíram pontos de acordo com a presença desses marcadores. Foram classificados como de risco cardiovascular elevado 106 trabalhadores (7,83% do total), dos quais 84 foram regularmente acompanhados. Avaliaram-se variáveis como sexo, faixa etária, tempo na empresa, função, turno de trabalho e a freqüência dos diversos fatores de risco, sendo iniciado, quando indicado, tratamento farmacológico e não farmacológico. Identificou-se grande predomínio de homens entre os trabalhadores com risco cardiovascular elevado e a existência cada vez mais freqüente de alto risco mesmo em jovens. Motoristas e trabalhadores do turno noturno mostraram mais prevalência de risco cardiovascular elevado. Hipertensão e sedentarismo foram os fatores mais freqüentes. Excelentes resultados foram obtidos para o controle da hipertensão arterial sistêmica, das dislipidemias e do diabetes. Menos expressivos, mas ainda assim importantes, foram os resultados do acompanhamento dos fatores cujo controle baseia-se principalmente em mudanças de hábitos e de estilos de vida, como o tabagismo, a obesidade e o sedentarismo. Demonstrou-se que muito se pode fazer pela saúde dos trabalhadores adaptando-se, aos exames ocupacionais de rotina, mecanismos de identificação e controle dos fatores de risco para a saúde.

Palavras-chave: Risco cardiovascular; Fatores de Risco; Tabelas de Escores; Trabalho.

ABSTRACT

The global reduetion of cardiovascular risk by risk factors control is essential to decrease the high levei of morbidity and mortality due to coronary and cerebral artery disease. There are many possible approaches for the cardiovascular risk factors as well as some risks scores, but there are few Brazilian data, mostly obtained in the work environment. Here we present a television station medicai Service experience in the identification and treatment of these cardiovascular risk factors in the employees, during four years. 106 employees (7,83%) were classified concerning their high cardiovascular risk scores, among which 84 had regular medicai follow-up. The variables such as gender, age group, number of years in the corn-pany, function, work shift and the varied risk factors frequency were analyzed. Treatments with or without medications were started as indicated. Higher cardiovascular risk was found more frequently among males and even among young workers. Drivers and nightshift employees presented a large prevalence of risk factors. Hypertension and sedentariness were the most frequent risk factors in this population. Hyperten-sion, Dislipidemy and Diabetes control had very good results. Less expressive but still important results followed risk factors control treatments based mainly on healthier habits and lifestyle changes, such as quitting smoking, obesity and sedentariness. It demonstrates that a lot can be done for the worker's health through risk factors identifying and control mechanisms adaptation to the routine occupational exams.

Keywords: cardiovascular risk; risk factors; scores table; work

INTRODUÇÃO

A prevalência das doenças cardiovasculares (DCV) e sua importância como causa de mortalidade e morbidade nos países ocidentais desenvolvidos, e também nos países emergentes1, desafia o desenvolvimento de estratégias para a sua prevenção.

As DCVs representadas principalmente pela doença das artérias coronárias e cerebrovasculares ocorrem por fatores diversos, que vão desde a constituição genética dos indivíduos, seus hábitos, idade até à não detecção e controle precoce dos fatores de risco relacionados aos fenômenos da aterosclerose.

Pesquisadores e instituições2, 3 têm cada vez mais valorizado a associação de fatores de risco e a necessidade de eliminá-los ou controlá-los. As diretrizes de abordagem vêm se concentrando no impacto do conjunto e menos em um item isolado, pois os fatores de risco tendem a se agrupar e o agravo à saúde é mais que aditivo. Sem prejuízo da importância individual dos fatores de risco, foco tradicional, a tendência é valorizar-se sua presença simultaneamente ao tratamento do risco cardiovascular global4.

Baseados principalmente nos estudos epidemiológicos de longo prazo realizados pelo estudo de Framingham, várias propostas surgiram para a pontuação do risco de ocorrência de doenças cardiovasculares.

Foram criadas tabelas de pontuação, como a de Framingham5, de Sheffield6, as diretrizes das Joint British Societes7-8, o projeto Score - criado em conjunto por várias sociedades médicas da Europa9 - e outras (PROCAM, New Zealand).

A Aterosclerose

O desenvolvimento da aterosclerose resulta de uma complexa interação entre elementos figurados do sangue, distúrbios de fluxo e anormalidades da parede do vaso, envolvendo vários processos patogênicos.

A placa aterosclerótica é composta de uma capa fibrosa e um núcleo, ao qual se aplica o termo aterose, sendo constituído de lípides extracelulares (especialmente o colesterol) e células (musculares lisas e macrófagos principalmente). A capa fibrosa (esclerótica) delimita esse núcleo e corresponde à maior parte do volume da placa. Quando ocorre a ruptura dessa capa, é liberado o conteúdo do núcleo, altamente trombogênico, que, exposto aos componentes da corrente sangüínea, conduz à trombose, que é a principal responsável pela instalação das manifestações clínicas agudas10.

Os Fatores de Risco

A hipertensão arterial sistêmica (H AS) é um dos mais importantes fatores de risco de DCV, isolado ou associado a outros indicadores. Foi demonstrado que o risco cardiovascular (RCV> é dobrado a cada incremento de 20mmHg na pressão arterial sistólica (PAS) e 1OmmHg na pressão arterial diastólica (PAD)11

O Joint National Committee 7 Report (JNC7)'-trouxe polêmica com a sua classificação para a HAS, em que passou a considerar níveis de pressão arterial normal somente os abaixo ds 120 e 80mmHg para a PAS e PAD, respectivamente. Entretanto, os valores de corte para HAS permaneceram 140 e 90mniHg. ou acima, assim sendo considerado também pelas IV Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial13. Os valores intermediários, segundo o JNC7, colocam os seus portadores como pré-hipertensos, quando as intervenções não íarmacológicas têm papel ainda mais importante.

O diabetes melito (DM) também é condição mórbida associada a diversas complicações orgânicas, notadamente a DCV, a qual é a principal responsável pela redução da sobrevida de pacientes diabéticos e a causa mais freqüente de mortalidade.

O diabetes é uma síndrome de etiologia múltipla decorrente da falta de insulina e/ou da incapacidade desta de exercer adequadamente os seus efeitos. Caracteriza-se por hiperglicemia crônica com distúrbio principalmente do metabolismo de carboidratos, mas também de lipídios e proteínas. As conseqüências do DM em longo prazo incluem danos, disfunções e falência de vários órgãos, especialmente rins, olhos, nervos, coração e vasos sangüíneos. Freqüentemente, os sintomas clássicos e>tão ausentes, porém a hiperglicemia pode causar alterações funcionais ou patogênicas por um longo período antes que o diagnóstico seja estabelecido.

Os diabéticos possuem risco de infarto do miocárdio equivalente ao dos indivíduos que apresentam doença arterial coronariana estabelecida5.0 diagnóstico é feito pela medida da glicose no soro ou plasma após jejum de oito a 12 horas ou pelo teste padronizado de tolerância à glicose por via oral, com medidas de glicose no soro ou plasma nos tempos zero e 120 minutos após a ingestão.

O diabetes melito confirma-se com valores de glicemia plasmática acima de I25mg/dl ou teste de sobrecarga com valores acima de 200mg/dl14. É recomendável uma segunda dosagem da glicemia para firmar-se o diagnóstico.

O tabagismo é um hábito da cultura ocidental adquirido dos índios americanos e que se expandiu intensamente no início do século XX. É o principal fator causai e evitável envolvido com o aparecimento de diversas doenças, sendo considerado importante risco para a saúde pública. Sua principal substância é a nicotina, droga com alto potencial para produzir dependência. O tabagismo é indutor de diversas doenças no homem, tem papel fundamental no desenvolvimento de alterações da parede vascular e de distúrbios hematológicos, entre eles policitemia secundária e ativação plaquetária, além de ocasionar mudanças hemodinâmicas como vasoconstrição periférica, taquicardia, elevação da pressão arterial, do débito cardíaco e do consumo de oxigênio pelo miocárdio15.

As dislipidemias, notadamente o aumento do colesterol, são reconhecidas como fator altamente relevante na ocorrência das doenças cardiovascu-lares há mais de duas décadas. Está comprovada a relação entre a diminuição dos níveis do colesterol e a concomitante diminuição das DCVs. Esses achados levaram à proposta da utilização dos fármacos na prevenção primária e secundária das doenças isquêmicas do coração.

Sabe-se que a placa aterosclerótica compõe-se, cm grande parte, de low density lipoprotein (LDL) colesterol, cujo aumento sérico é amplamente reconhecido como expressivo risco para essa condição. Os baixos níveis do high densitity lipoprotein (HDl) colesterol também têm sido considerados importantes16, principalmente nas mulheres. Os níveis considerados normais da colesterolemia têm sofrido variações ao longo do tempo, sempre para baixo. Atualmente, na presença de vários riscos associados ou em pacientes já com doença cardiovascular instalada, os níveis mais seguros são abaixo de 170mg% para o colesterol total, abaixo de 70mg% para o LDL colesterol e acima de 60 mg% para o HDL colesterol17.

O sedentarismo acarreta diversas conseqüências para a saúde. Facilita a instalação de doenças como diabetes, obesidade, hipercolesterolemia, hipertensão arterial, entre outras, para a saúde física, mas repercute até mesmo em aspectos como auto-estima e prejuízos cognitivos. Os confortos trazidos pelo desenvolvimento tecnológico para o dia-a-dia das pessoas têm contribuído para um comportamento cada vez mais sedentário, fazendo com que essa condição seja mais um desafio para os profissionais de saúde. Recomenda-se que toda pessoa adulta realize pelo menos 30 minutos de atividade física diária em pelo menos cinco dias da semana, de intensidade moderada, forma contínua ou acumulada18.

Entre todos os fatores de risco, que não são objetos de controvérsias entre os profissionais de saúde, apenas dois, diabetes e dislipidemia, necessitam de exames complementares para confirmação. Outros fatores como a HAS, obesidade, tabagismo, sedentarismo, histórico familiar, idade e sexo são de fácil identificação e devem ser aplicados nos exames médicos ocupacionais.

Apenas três fatores de risco (genético, sexo e idade) não são passíveis de intervenções em que se possa controlar ou eliminar.

Mais recentemente, desenvolveu-se o conceito de síndrome metabólica, que envolve alguns fatores de risco descritos e apresenta expressão própria e marcante como fator de risco de DCV19,20. Seu desenvolvimento está fortemente relacionado com a resistência à insulina. Os critérios para o diagnóstico da síndrome metabólica obedecem às recomendações de algumas importantes organizações, como a National Cliolesterol Education Programs Adull Treatment Panei III (NCEP/ATP III), da World Health Organization (WHO) e American Association of Clinical Endocrinologists (AACE)21. Baseiam-se principalmente em HAS, níveis glicêmicos anormais, hipertrigliceridemia, HDL baixo e obesidade abdominal. A síndrome metabólica está freqüentemente associada a outras alterações clínicas, como a esteatose hepática, litíase biliar, asma brônquica, ovários policísticos c carcinomatose.

Outros fatores têm sido estudados e propostos para inclusão nos riscos coronarianos como: lipoproteína A, proteína C reativa, homocisteína e microalbuminúria, que poderão contribuir para maior acurácia na predição de eventos cardiovasculares22.

Os médicos do trabalho, não obstante não negligenciarem o foco da sua atuação nas relações entre trabalho e doença, têm possibilidade de estimular a prevenção e a promoção da saúde dos trabalhadores e, eventualmente, encontrar, na presença de fatores de risco, relações cm que as condições de trabalho propiciam ou agravam tais situações. Essa atuação de interesse social agrega valor ao trabalho do médico nas empresas, ampliando suas competências e responsabilidades, assim como a sua visão de possíveis interfaces com o aparecimento dos fatores de risco e a atuação profissional.

Propõe-se que o trabalhador deva ter saúde geral c riscos a cia relativos avaliados e devidamente orientados. No exame admissional, passando pelos exames periódicos, e mesmo no exame demissional, carece o trabalhador de receber as devidas orientações que os profissionais de saúde têm a oportunidade de transmitir.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Foi aplicada tabela de pontuação para detecção de risco cardiovascular (RCV) aos funcionários da TV Globo de São Paulo, desenvolvida pelo seu serviço médico, seguindo modelo proposto pelo Framingham Study5, porém valorizando fatores de risco como obesidade, sedentarismo e antecedente pessoal de infarto do miocárdio. Este trabalho foi iniciado em 2001, embora já se fizesse acompanhamento médico mais freqüente dos trabalhadores que haviam desenvolvido doença coronária ou que tivessem múltiplos fatores de risco evidentes.

A população correspondia a 1.353 trabalhadores entre pessoal técnico, administrativo e contatos comerciais, divididos em cinco categorias sindicais (radialistas, jornalistas, motoristas, músicos e publicitários).

A tabela (FIG.l) foi adaptada para uma planilha eletrônica e a população geral de trabalhadores foi estratificada em quatro níveis de risco de DCV: baixo (até quatro pontos), médio (cinco a sete pontos), alto (oito a 10 pontos) e muito alto (acima de 10 pontos ou, independente da pontuação, qualquer paciente portador de angina, infarto agudo do miocárdio - IAM - prévio ou de síndrome metabólica). Os trabalhadores classificados como de alto risco e muito alto foram considerados como de risco cardiovascular elevado (RCVE) e passaram a ter avaliação médica na empresa no mínimo a cada seis meses, sem prejuízo do acompanhamento com seus médicos-assistentes externos.

 

 

As doenças cujas identificações dependiam de exames laboratoriais (diabetes e dislipidemia) foram detectadas em resultados de campanhas internas de saúde ou por solicitações individuais, o que é prática comum na rotina dos nossos exames ocupacionais. Exames de repetição sempre foram realizados para confirmação diagnostica.

Diferentemente de outros modelos, não se utilizaram valores de medidas eventuais de pressão arterial ou resultados laboratoriais. O critério de inclusão foi o estabelecimento de um diagnóstico para os casos de hipertensão arterial, diabetes ou dislipidemia.

Para a obesidade, utilizou-se a fórmula do cálculo do índice de massa corpórea (IMC), obtido tomando-se o peso em quilogramas e dividindo-o pela altura em metros ao quadrado. Foram consider ados obesos os que atingiram índice de 30Kg/m2 ou mais.

Foram tidos como sedentários os indivíduos sem prática de atividade física com freqüência de no mínimo três vezes na semana e duração de 30 minutos por dia.

Quanto ao histórico familiar, considerou-se pontuação para os indivíduos com familiares de primeiro grau (pais e irmãos) com histórico de doença arterial coronária, para homens com menos de 55 anos e mulheres com menos de 65 anos.

Para o diagnóstico da síndrome metabólica utilizaram-se os critérios da Organização Mundial de Saúde20, que se apresenta como instrumento clínico prático (Quadro 1).

 

 

Indicadores de Acompanhamento

Na evolução das reavaliações, empregaram-se indicadores para o acompanhamento de cada fator de risco passível de modificação, classificando-os em controle total (T), controle parcial (P) ou situação inalterada (I). Os critérios estão apresentados no Quadro 2.

 

 

As principais tarefas do acompanhamento dos funcionários com risco cardiovascular elevado (RCVE) foram estimular a necessidade de mudanças de hábitos e estilos de vida, acompanhar a adesão aos tratamentos e os seus resultados e fazer orientações gerais para os fatores de risco.

 

RESULTADOS

Nos últimos quatro anos foram identificados 106 funcionários que se enquadravam nos critérios para caracterização de RCVE, correspondendo a 7,8% do total da empresa. Conseguiu-se fazer acompanhamento regular de 84 funcionários. Entre os demais, estão os que se desligaram da empresa, outros que tiveram dificuldades para o acompanhamento com retorno irregular e os que não se interessaram em fazê-lo.

Distribuição Por Sexo

Entre os 106 funcionários classificados cm RCVE, os homens foram 97, representando 10,01% da população masculina da empresa (961), e as mulheres foram nove, representando 2,3% do total de mulheres, que eram 392 (Tabela 1).

 

 

Distribuição Por Faixa Etária

NO momento de inclusão ao grupo, oito funcionários (7,5%) encontravam-se na faixa de até 35 anos, 30 (28,3%) entre 36 e 45 anos, 44 (41,5%) de 46 a 55 anos e 24 (22,7%) acima de 55 anos (Tabela 2)

 

 

Funcionários com RCVE e tempo de trabalho na empresa

A Tabela 3 mostra a quantidade de funcionários com RCVE, em que se verifica mais freqüência de funcionários do grupo nas faixas de mais tempo na empresa, coincidindo naturalmente com as faixas de idade mais elevada.

 

 

Ocorrência de RCVE e as Funções

No Quadro 3 encontram-se as funções nas quais foram detectados funcionários com RCVE. Procurou-se ressaltar as funções que apresentaram número mais alto de funcionários para que se obtivesse melhor significação estatística. A função "motorista" apresentou-se com elevado percentual (54,5%), seguida por gerente (14,9%), editor de video tape - VT (12,5%), supervisor (11,6%), operador de sistemas de TV (10,2%), editor (texto), repórter cinematográfico (9,8%) e operador de VT (9,1%). Outras funções tiveram menos de 7% dos funcionários classificados no RCVE.

 

 

Freqüência dos Fatores de Risco

O sedentarismo (88,7%), a hipertensão arterial sistêmica - HAS (85,8%), a obesidade (69,8%) e a dislipidemia (68,9%) foram os fatores de risco com mais prevalência, seguidos por idade (64,1%), tabagismo (52,8%), diabetes (27,4%), histórico familiar (26,4%) e antecedente anterior de angina ou infarto do miocárdio (15,1%), conforme mostra a Tabela 4.

 

 

Risco Cardiovascular Elevado e Trabalho Noturno

As informações obtidas das diversas áreas mostravam que a empresa possuía 84 funcionários cujo horário de trabalho estava entre 00.00 e 5.00 horas, integralmente ou não. Eram 45 funcionários do Jornalismo, 26 da Engenharia c 13 da Programação.

Deste total identificado como trabalhadores do horário noturno, 12 (14,3%) encontravam-se no grupo de RCVE.

A Tabela 5 mostra a ocorrência de RCVE na população geral de trabalhadores na empresa, comparando com a ocorrência do RCVE entre os do horário noturno.

 

 

O quadro seguinte (Tabela 6) mostra a distribuição dos fatores de risco na população geral com RCVE e entre os funcionários que trabalham no horário noturno:

 

 

Hipertensão Arterial Sistêmica

Durante o acompanhamento dos funcionários em que a HAS estava presente (74 casos), verificou-se que 57 (77,0%) apresentavam controle total (ver Critérios para o Acompanhamento dos Fatores de Risco - Quadro 2); 15 (20,3%) controle parcial; e apenas dois (2,7%) mantiveram-se com valores da pressão arterial sem melhora (Figura 2).

 

 

Diabetes

Dos 20 diabéticos do grupo acompanhado regularmente, sete (35%) obtiveram controle total dos seus níveis glicêmicos, nove (45%) obtiveram melhora e quatro (20%) não melhoraram (Figura 3).

 

 

Dislipidemia

Em 62 casos de dislipidemia verificados no grupo, 18 (29,0%) obtiveram controle total, 30 (48,4%) controle parcial e 14 (25,6%) sem melhora nos níveis da lipemia (Figura 4).

 

 

Tabagismo

No grupo de funcionários acompanhados, havia 43 fumantes. Durante o acompanhamento, verificou-se que 14 (32,6%) cessaram o tabagismo, 13 (30,2%) diminuíram a média de consumo diário de cigarros e 16 (37,2%) não modificaram o hábito, mantendo seu padrão de consumo (Figura 5).

 

 

Obesidade

No controle da obesidade, 13 (26,0%) funcionários haviam conseguido reduzir seu peso inicial em pelo menos 10%, 16 (32,0%) conseguiram reduzir menos de 10% e 31 (62,0%) não obtiveram redução do peso corporal durante o acompanhamento (Figura 6).

 

 

Sedentarismo

Dos 74 sedentários, 25 (33,8%; passaram a fazer atividade física regular, 14 (18,9%; aumentaram sua atividade física e 35 (47,3%) mantiveram-se sedentários (Figura 7).

 

 

COMENTÁRIOS

Nas emoresas, como em qualquer outro local de trabalho, existe expressiva quantidade de trabalhadores que necessitam de atenção integral à saúde, que pode ser atendida por intermédio de levantamentos e valorização do passivo de fatores de risco.Tais ações incluem-se em políticas de prevenção e promoção da saúde, que são cada vez mais exigidas como rotina das equipes de saúde.

Embora qualquer tabela de pontuação para avaliar riscos de eventos cardiovasculares seja passível de críticas, a proposta e adoção de várias delas por instituições de referência internacionais mostram a importância das suas aplicações como métodos de rastreamento.

Na nossa tabela procurou-se incluir fatores de risco não contemplados cm outras, como a obesidade, o sedentarisrro e a síndrome metabólica. Incluíram-se pacientes somente com diagnósticos confirmados de HAS, dislipidemia e diabetes. Evitou-se considerar eventuais alterações detectadas em níveis da pressão arterial ou cio colesterol e da glicemia. Houve a preocupação de incluir critérios de acompanhamento para cada fator de risco, de forma que se pudesse fazer o controle da evolução desses indicadores.

Considerável quantidade de funcionários necessitavam de acompanhamento. Da população geral de trabalhadores, 106 <7,8%) foram classificados em situação de risco cardiovascular preocupante, com possibilidade de elevada morbimortalidade na evolução se não houvesse controle adequado dos seus fatores de risco.

Há grande predominância do sexo masculino na empresa, o que se repetiu no grupo classificado como RCVE, mas, percentualmente, a ocorrência de RCVE também foi maior nos homens do que nas mulheres (10% e 2,3%). Sabe-se que o risco de eventos cardiovasculares é maior entre os homens, sendo que a partir da menopausa o risco feminino tende a se igualar ao masculino, principalmente pela perda do efeito protetor cardiovascular exercido pelo estrogênio. Os pacientes com faixas menores, com 45 anos ou menos, corresponderam a mais de um terço (35,8%) do número de pacientes classificados como de RCVE. Classicamente, 8% dos acometidos por infarto agudo do miocárdio são jovens (com até 45 anos), mas tem-se verificado freqüência cada vez maior de doença coronária nessa faixa etária, assim como a doença coronária tem-se manifestado cada vez mais precocemente23. Desta maneira, deve-se estar alerta para a sua detecção entre indivíduos jovens e ser rigoroso no controle dos fatores de risco também nessa população.

Os funcionários com mais de 10 anos de trabalho na empresa corresponderam a dois terços do grupo com risco cardiovascular elevado, o que era previsto por causa do aumento da incidência dos fatores de risco com o aumento da idade.

No levantamento das funções, destacou-se a grande ocorrência de RCVE entre motoristas, chegando a mais da metade desses profissionais. A atividade sedentária, o estresse e o estado de constante alerta a que esses funcionários são submetidos no trânsito complicado da cidade de São Paulo provavelmente colaboraram para essa maior incidência dos fatores de risco. Em níveis bem menores, mas ainda em destaque, têm-se os níveis de gerência e supervisão e cargos técnicos como editores e operadores de VT, de operadores de sistemas de TV e editores (jornalistas).

Hipertensão arterial e sedentarismo foram os fatores de risco mais freqüentes, encontrados em mais de 85% dos trabalhadores com risco cardiovascular elevado, daí a importância da avaliação médica regular mesmo em assintomáticos e a necessidade de enfatizarem-se os benefícios da atividade física.

A ocorrência de RCVE em funcionários do horário noturno mostrou valor percentual muito elevado (14,3%) cm relação ao ocorrido no grupo total da empresa (7,8%). Esse valor próximo do dobro é bastante significativo, demonstrando aumento do risco cardiovascular global nesse grupo. C) trabalho em horário noturno está implicado com o aumento de diversos distúrbios e disfunções fisiológicas24. Entre os fatores de risco, a hipertensão arterial, obesidade e tabagismo tiveram ocorrência percentualmente maior entre os funcionários do período noturno, sugerindo que a pressão arterial, o metabolismo energético e mesmo hábitos de vida são condições sensíveis às alterações do ritmo cronobiológico.

O acompanhamento do grupo geral trouxe benefício (controle total ou parcial) a 97,6% dos funcionários incluídos no programa, com melhora de pelo menos um fator de risco. No acompanhamento de cada fator, o melhor resultado foi da HAS, com 97% dos funcionários obtendo controle total ou parcial. Seguiram-se o diabetes (79%) e as dislipidemias (74%), também com expressiva resposta. Esse resultado mostra mais sucesso no controle de condições cm que há uma opção mais ampla de tratamento medicamentoso, sendo o controle mais difícil quando para o tratamento fazem-se necessárias mudanças de hábitos e de estilo de vida. Assim, verificaram-se resultados menos expressivos, mas ainda importantes, no controle de obesidade, sedentarismo e tabagismo.

Essa constatação sugeriu a necessidade de uma política que estimulasse práticas saudáveis no estilo de vida dos funcionários. Mais recentemente, ofereceu-se, então, tratamento complementar, com programa de reeducação alimentar com nutricionista na empresa para atendimentos individuais e proporcionaram-se opções de atividade física em academias conveniadas. Espera-se obter ao longo do acompanhamento resultados ainda mais expressivos nos fatores de risco que exigem mudanças no estilo de vida.

Não era objetivo deste trabalho a exclusão do acompanhamento no grupo daqueles que obtinham excelentes resultados nos controles, com correspondente diminuição no escore de risco. Muitos dos fatores tendem a ser permanentes (ex. diabetes, hipertensão) ou de controle eventual (ex. peso corporal, sedentarismo) e necessitam de seguimento. A tabela de escore é utilizada para inclusão, não servindo para a exclusão, que deve ocorrer apenas excepcionalmente.

Também os acompanhamentos de longo prazo e observações criteriosas de dinâmicas de trabalho poderão mostrar influência de condições laborais na ocorrência de DCVs, cuja possibilidade está contemplada na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho do Ministério da Saúde (Portaria No. 1339 de 18/11/1999).

A atenção dada ao grupo de RCVE não excluiu os cuidados que a empresa e a equipe de saúde devem dispensar aos demais funcionários. Manter os exames médicos periódicos atualizados e incorporar a avaliação dos fatores de risco e estilo de vida é de grande importância em uma época em que as modificações dos processos produtivos e administrativos envolvem impactos na saúde, que historicamente não eram valorizados. Aconselhamentos para hábitos saudáveis e acompanhamento médico dos funcionários que apresentam qualquer dos fatores de risco administráveis são essenciais para a manutenção da saúde e para evitar que os trabalhadores migrem para o grupo RCVE.

 

CONCLUSÕES

Pode-se incorporar à metodologia de trabalho nas empresas instrumentos simples, como uma tabela de pontuação dos fatores de risco cardiovascular, para detecção de doenças de ocorrência freqüente e com forte impacto na saúde e qualidade de vida dos trabalhadores.

Identificou-se no ambiente de trabalho alta prevalência dos fatores de risco cardiovascular em homens, cujas faixas etárias mais jovens já se fazem presentes de maneira significativa nos grupos de risco cardiovascular e cujas determinadas populações, como motoristas c trabalhadores em horários noturnos, requerem atenção especial por serem grupos associados a mais alto risco.

Houve controle total ou parcial dos fatores de risco em quase a totalidade do grupo identificado como de elevado risco cardiovascular, mas foram necessárias ações complementares para auxílio aos funcionários cujo controle exige mudanças de hábitos. Em especial os sedentários, obesos e fumantes necessitaram do envolvimento do trabalho de profissionais de diversas áreas, como nutrição e educação física.

 

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