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REVISOES DE LITERATURA

Saúde bucal e sua influência na qualidade de vida do trabalhador: uma revisão de artigos publicados a partir do ano de 1990

Oral health and its influence on the quality of life of workers: a review of articles published from 1990

Isabela de Avelar Brandão Macedo1; Sueli de Souza Costa2

RESUMO

CONTEXTO: As condições de saúde bucal de trabalhadores e suas implicações na qualidade de vida, com ênfase em dados epidemiológicos no planejamento de programas de saúde bucal do trabalhador, é o enfoque da análise quantitativa de artigos publicados a partir do ano de 1990, foco deste trabalho.
OBJETIVOS: Trata-se de revisão de literatura abordando a saúde bucal e sua influência na qualidade de vida dos trabalhadores. É baseado em evidências observadas na literatura, considerando as dificuldades em encontrar-se artigos relacionados ao assunto.
MÉTODOS: Foram consultadas as base de dados BBO, BIREME, MEDLINE, LILACS, COCHRANE, para publicações no período de 1990 a 2012.
RESULTADOS: Foram encontradas apenas 31 produções científicas com o enfoque citado.
CONCLUSÕES: Há pouco espaço disponível em periódicos para a publicação de pesquisas relacionadas à saúde bucal do trabalhador, o que indica a necessidade de uma reflexão sobre a produção científica, por ser esta capaz de propiciar uma formação profissional comprometida com a qualidade de vida e a saúde da coletividade.

Palavras-chave: saúde bucal; qualidade de vida; saúde do trabalhador.

ABSTRACT

CONTEXT: The oral health status of workers and their implications for quality of life, with emphasis on epidemiological data for planning health programs of the worker, is the focus of the quantitative analysis of articles published from the year 1990, the focus of this work.
OBJECTIVES: This is a review of literature addressing oral health and its influence on quality of life of workers. It is based on evidence found in literature, considering the difficulties in finding articles related to the subject.
METHODS: Were consulted the databases of BBO, indexed, MEDLINE, LILACS, COCHRANE, for publications in the period 1990-2012.
RESULTS: Only 31 scientific works have been found with the referred approach.
CONCLUSIONS: There is little space available in journals for publishing research related to oral health worker, which indicates the need for reflection on the scientific production, as this is able to provide professional training committed to quality of life and health of the community.

Keywords: oral health; quality of life; occupational health.

INTRODUÇÃO

A Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) é preocupação constante de pesquisadores, sempre voltada para facilitar ou trazer satisfação e bem-estar ao trabalhador1. Afinal, não se pode falar em qualidade de produtos e serviços se aqueles que vão produzi-los não têm qualidade de vida no trabalho2. A noção de Qualidade de Vida (QV) é eminentemente humana, e abrange muitos significados que refletem conhecimentos, experiências e valores de indivíduos e coletividades3. A progressiva conscientização de que somos responsáveis pela QV e promoção da nossa saúde tem movido as pessoas na busca da melhoria de seu estilo de vida e da mudança de hábitos4. A busca por qualidade de vida insere-se no contexto da Responsabilidade Social, prática que deve ser incorporada tanto pelas empresas quanto pelos próprios profissionais5. Para que os programas de qualidade de vida gerem benefícios efetivos, consequentemente se propagando para toda a sociedade, o comprometimento deve ser completo: a empresa desenvolve políticas, ações e programas de estímulo a uma vida saudável, e o funcionário, por sua vez, percebe que seu papel é fundamental para que os objetivos sejam alcançados por ambas as partes5.

A Organização Mundial da Saúde (OMS)6 definiu a QV como a percepção do indivíduo, de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações, de forma a superar a multidimensionalidade entre os indivíduos6. Já a QVT é o conjunto das ações de uma empresa visando a implantação de melhorias e inovações gerenciais, tecnológicas e estruturais no ambiente de trabalho, sendo que envolve as seguintes áreas de conhecimento científico: saúde, ecologia, ergonomia, psicologia, sociologia, economia, administração e engenharia7. Há dois movimentos principais na gestão da QVT7: um individual, referindo-se ao aprofundamento da compreensão a respeito do estresse e das doenças associadas às condições do ambiente de trabalho; e o outro, organizacional, destacando a expansão do conceito de qualidade total, que não se restringe apenas a processos e a produtos, mas abrange aspectos comportamentais e satisfação de expectativas individuais, objetivando a concretização dos resultados da empresa.

O uso de indicadores subjetivos, para identificar o impacto de saúde bucal na qualidade de vida, vem sendo utilizado mais nas pesquisas, em virtude dos indicadores clínicos mensurarem somente as sequelas biológicas dos agravos e eventos em saúde, sem expressar o sofrimento e as limitações vivenciadas pelos indivíduos frente a uma patologia8. A ênfase somente nos indicadores clínicos superdimensiona a visão normativa do processo saúde-doença, mascarando as dimensões sociais da saúde bucal9. O Quadro 1 fornece dados sobre os principais índices utilizando-se estudo do impacto social das doenças bucais.

 

 

A utilização destes indicadores em planejamentos de serviços de saúde é importante, mas muitas vezes a diversidade de informações, a falta de uniformidade e a clareza na aplicação das diferentes medidas podem dificultar seu emprego de forma mais ampliada. No entanto, tem se percebido uma tendência de compactação de alguns indicadores10 .

A avaliação da saúde bucal sob a ótica da qualidade de vida foi inicialmente mencionada por Locker11 com base na Classificação Internacional de Danos, Limitações e Incapacidade da OMS. Os agravos e eventos bucais causam prejuízos que podem levar diretamente a incapacidades ou se expressar sintomas através da dor, desconforto, limitação funcional e insatisfação com aparência. Estes sintomas podem acarretar limitações físicas, sociais e/ou psicológicas e consequentemente a incapacidade.

A QV está fortemente influenciada pelas condições de saúde, inclusive a saúde bucal12. Restrições físicas e psicológicas podem influenciar aspectos relativos a alimentação, locomoção, fala, convívio social e auto-estima.

O trabalho é fator fundamental de integração social, muito relevante na vida das pessoas. Dependendo do trabalho, assim como das condições em que é realizado, este pode ser considerado como fator de prazer ou de realização pessoal, mas também pode se constituir como fonte de adoecimento13.

As condições de trabalho interferem na qualidade de saúde bucal dos trabalhadores, podendo desencadear alterações na mucosa bucal, traumas e outros agravos. Araújo e Gonini Júnior14 alertaram sobre a importância de conhecer os problemas bucais que possam afetar os trabalhadores, analisando a sua epidemiologia, patologia e etiologia, além de compreender o impacto que possam ocasionar na sua qualidade de vida.

A fim de assegurar a saúde geral do trabalhador, e consequentemente melhor qualidade de vida, a segurança no trabalho tem sido motivo de negociações entre sindicatos e empresários, frente à conscientização das classes trabalhadoras da necessidade de tornar obrigatória a assistência à saúde do trabalhador para prevenir as doenças ocupacionais, incluindo as que afetam a área odontológica15. Silva et al.16, em artigo tratando da importância da inserção do cirurgião-dentista nas políticas públicas de saúde do trabalhador, salientam que esse processo é histórico e provém de lutas constantes da população que necessita dos serviços e dos profissionais que os oferecem.

Carvalho17 informa que os problemas bucais constituem uma incapacidade da atividade produtiva, com efeitos sobre a capacidade de trabalho e a qualidade de vida, além do prejuízo para o empresário14,17.

Se as condições bucais se vinculam às condições gerais de saúde, e são consideradas quando se discutem as incapacidades que atingem os trabalhadores, a promoção da saúde torna-se um meio potencial de combate ao desconforto, dor e sofrimento associado às doenças bucais, tornando-se estratégia importante na redução do impacto destas doenças na vida do trabalhador17. Pesquisa realizada por Wagner et al.18 sobre saúde mental e qualidade de vida de policiais, aponta para a necessidade de se pensar com seriedade sobre as políticas públicas envolvendo a saúde do trabalhador, pois, no caso do policial, afeta também, em última instância, a sociedade geral.

O panorama da saúde bucal tem evoluído nos últimos anos, quando se trata de QVT. A Odontologia do Trabalho, regulamentada pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO) em 2001, aborda de forma objetiva a epidemiologia e patologia desses problemas, estuda os impactos que possam vir a causar à qualidade de vida dos trabalhadores, trazendo à tona novos elementos na análise conhecimento sobre riscos ocupacionais, da causalidade das doenças e dos motivos de sua maior incidência e manutenção19.

 

MÉTODOS

As informações para a elaboração deste estudo foram recuperadas nas bases de dados Bibliografia Brasileira de Odontologia (BBO), Bireme, Medline, Lilacs, Cochrane, de artigos publicados no período de 1989 a 2009. Neste estudo, foram empregados etapas e descritores em categorias para a seleção dos artigos, conforme apontado a seguir.

1. Análise em banco de dados da BBO com três categorias de descritores:

• Descritores – "saúde bucal" e "qualidade de vida";

• Descritores – "saúde bucal" e "qualidade de vida do trabalhador";

• Descritores – "saúde bucal" e "qualidade de vida de trabalhadores".

2. Análise em banco de dados da Lilacs com duas categorias de descritores:

• Descritores – "saúde bucal" e "qualidade de vida do trabalhador";

• Descritores – "saúde bucal" e "qualidade de vida de trabalhadores".

3. Análise em banco de dados da Medline com duas categorias de descritores:

• Descritores – "saúde bucal" e "qualidade de vida do trabalhador";

• Descritores – "saúde bucal" e "qualidade de vida de trabalhadores".

4. Análise em banco de dados da Cochrane:

• Descritores – "saúde bucal" e "qualidade de vida do trabalhador";

• Descritores – "saúde bucal" e "qualidade de vida de trabalhadores".

Os critérios adotados para a inclusão dos artigos neste estudo foram: tema adequado ao proposto neste trabalho; ideias claras, objetivas e condizentes ao título do trabalho; faixa etária abaixo dos 60 anos, mas com idade compatível de estar no mercado de trabalho.

 

RESULTADOS

Resultados quantitativos preliminares:

• Etapa 1a – 86 resumos pela primeira seleção dos descritores, mas somente 31 corresponderam aos critérios de inclusão na pesquisa.

• Etapa 1b – 6 resumos.

• Etapa 1c – 7 resumos, sendo coincidentes quatro resumos com a Etapa 1b.

• Etapa 2bc – 7 resumos sem diferença para as 2 categorias de descritores;

• Etapa 3b – 12 resumos e, com devido refinamento, 7 resumos válidos pela metodologia deste estudo.

• Etapa 3c – 1 resumo e coincidente com resumo encontrado com descritor anterior.

• Etapa 4bc – não apresentou resumo com estes descritores.

Dos 86 resumos encontrado em banco de dados da BBO (Gráfico 1) com os descritores de "qualidade de vida" e "saúde bucal", somente 31 resumos corresponderam aos critérios desta metanálise: 1 estudo transversal qualiquantitativo analítico; 1 ensaio clínico randomizado; 1 estudo de avaliação, 1 pesquisa do tipo quanti-qualitativa; 1 pesquisa qualitativa, por meio de entrevistas abertas, semi-estruturadas; 10 teses e 19 artigos. O ano de maior número de estudos publicados sobre este tema foi 2005 (Quadro 2).

 


Gráfico 1. Primeira etapa de pesquisa – Resumos da BBO com descritores "Saúde Bucal e Qualidade de Vida"

 

 

 

Os artigos encontrados estão listados nos Quadros 3 a 7.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Os principais artigos dizem respeito à QV e a odontologia como instrumento social de transformação.

Através de análise cronológicas dos resumos selecionados, pode se verificar a evolução dos estudos em relação ao valor da Odontologia como instrumento de melhoria de qualidade de vida, transformação social. Além disto, é clara a preocupação ao buscar desenvolver uma metodologia de ensino, que enseje uma atitude crítica em relação à Odontologia, levando graduandos a uma prática profissional comprometida com a transfomação social20.

Mediante um indicador sociodental, desenvolvido por Adulyanon e Sheiham21, capaz de registrar não só o desempenho de saúde bucal de cada indivíduo mas também prover dados para avaliar os serviços de saúde bucal, foram medidos os resultados das condições orais dos comerciários da cidade de Bragança Paulista. No registro do cadastro de Associados dos Comerciários do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), encontram-se 507 estabelecimentos, tendo sido escolhidos aleatoriamente 12,5% destes estabelecimentos22. Em cada estabelecimento visitado foi aplicado o teste em dois funcionários, questionando o comprometimento na qualidade de vida pelas condições das prótese dentárias na cavidade oral de acordo com faixa etária, e a satisfação com a boca e os dentes em relação a vida social e vida pessoal.

Frente o desenvolvimento de indicadores subjetivos de saúde bucal que permitem capturar percepções e sentimentos dos indivíduos sobre sua própria saúde bucal e suas expectativas em relação a tratamento e serviços odontológicos e buscando maior conhecimento sobre o indicador subjetivo de saúde bucal relacionado com a qualidade de vida, Miotto e Barcellos23 realizaram busca eletrônica e classificaram os artigos relevantes de acordo com as variáveis independentes selecionadas. O Oral Health Impact Profile (OHIP) se apresentou como instrumento sensível para capturar mudanças no impacto das condições bucais, porém sua utilização deve ser complementar aos indicadores objetivos tradicionalmente utilizados. A diferença entre os gêneros só foi significante quando associada à condição dentária e as visitas de rotina ao dentista reduziram o impacto.

Tavares et al.24 enfatizaram o importante papel do cirurgião-dentista como participante ativo na questão de QV, através de uma revisão da literatura sobre a relação a conscientizar a classe odontológica e ao processo saúde/doença frente a condições socioeconômicas e culturais, permeando-se os verdadeiros conceitos sobre prevenção, promoção e educação de saúde24.

As práticas do Programa Saúde da Família também foram destacadas no comprometimento com a solução dos problemas de saúde, prevenção de doenças e promoção da QV da população16,25.

Também foram propostos programas educativos e preventivos aos pacientes oncológicos, seguindo a tendência de busca de QV, analisando criticamente a situação atual e propondo atitudes simples e de baixo custo26-28. O câncer e as terapias usadas em sua remissão tem efeitos colaterais no paciente, como a mucosite, hipossalivação, perda do paladar, perda de apetite, doença periodontal, cárie rampante e osteorradionecrose causados pela quimio e radioterapia, sequelas que podem ser evitados pelo cirurgião-dentista.

Em outra revisão de literatura, o objetivo foi de trazer mais conhecimento ao cirurgião-dentista sobre a diabetes, por se tratar de uma doença multissistêmica, com consequências que podem piorar a QV do doente, e até levá-lo à morte29.

Para lembrar a importância da atenção à saúde bucal de portadores do HIV e a possibilidade de ações transformadoras a partir do planejamento de programas que considerem o contexto biopsicossocial dos pacientes, há outro estudo30 através de uma abordagem teóricometodológica qualitativa, trazendo análise do material do diário de campo, dados das condições de sáude bucal (CPO-d, ceo-d, Biofilme visível, saúde periodontal IPC) e de indicadores sociais (renda, escolaridade, idade) de 155 pacientes e entrevistas com quatro participantes, no Hospital Universitário de Fortaleza (CE). Os principais resultados mostraram que 72% tem escolaridade equivalente ao ensino fundamental; 87% renda até 2 salários mínimos; CPO-d médio de 23 a 60% com higiene precária, valorizam a escuta e acolhida do profissional. Conclui-se que o perfil da biopsicossocial destes pacientes é marcado por indicadores sociais e de saúde bucal desfavoráveis. Os pacientes reconhecem a importância para a saúde geral, para as relações sociais e para a QV, valorizando a qualidade do serviço prestado naquele local e o diferencial da abordagem integral ao paciente30.

As doenças renais são responsáveis por grande número de óbitos em todo o mundo e os portadores de insuficiência renal crônica submetidos ou não a sessões de hemodiálise apresentam elevado número de alterações na cavidade bucal, justificativas utilizadas para enfatizar a necessidade de manutenção da saúde bucal nestes pacientes, através de protocolo de atendimento preventivo e eficaz, visando bem estar e melhora na QV destes pacientes31.

Em estudo com avaliação da relação entre homens e mulheres sobre o impacto da saúde bucal na QV, em uma amostra de 298 questionários válidos, Roteiro de Seleção de Participantes e o Oral Health Impact Profile – short form (OHIP-14), com entrevistas padronizadas, foram utilizadas, permitindo a obtenção de informações sobre usuários do serviço público odontológico da Beneficência da Prefeitura de Belo Horizonte (MG) (BEPREM)32. Ao aplicar-se o teste t de Student observou-se que não existe diferença estatisticamente significativa entre homens e mulheres32, nas dimenções e no escore total do OHIP-14.

Em outro estudo-piloto para investigar o perfil de higiene bucal dos professores de escola pública municipal em Aracaju (SE), onde seria desenvolvido posteriormente um programa educativo-preventivo, avaliou-se a placa bacteriana de nove docentes. Os resultados foram submetidos ao teste estatístico de Student, com grau de liberdade e limite de confiabilidade de 95% (IC95%), demonstrando que 55,55% dos professores possuíam índice regular de placas visíveis33. Estes resultados indicaram a necessidade de realização de programa de promoção de saúde bucal com ênfase na educação e saúde para os professores, elementos fundamentais para multiplicar e difundir o conhecimento, contribuindo para a melhoria da QV da comunidade escolar33.

Em avaliação do impacto das condições bucais no desempenho diário em uma amostra representativa de 276 funcionários públicos com idades entre 35 e 44 anos do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) da Prefeitura de Porto Alegre (RS), colheram-se informações sobre os impactos odontológicos (pelo índice Oral Impact on Daily Performances – OIDP) e características socioeconômicas34. O índice Número de Dentes Cariados, Perdidos e Obturados (CPOD) também foi utilizado para avaliar as condições de saúde bucal. Do total da amostra, 73,6% tiveram pelo menos um desempenho diário afetado por problemas odontológicos nos últimos seis meses. O desempenho diário mais afetado foi comer e apreciar a comida (48,6%). A falta de dentes (21,7%) e a dor de dente (20,7%) foram as principais causas percebidas de impacto no desempenho diário. As chances de apresentar impacto odontológico alto no desempenho diário foram encontradas em pessoas com CPOD Alto (5,8 vezes; IC95% 2,1–16,1) mais; sujeitos com cáries de coroa (4,3 vezes; IC95% 1,9–9,8); pessoas com oito ou mais dentes faltantes (2,4 vezes; IC95% 1,1–5,3)34.

Em revisão de literatura sobre o tratamento odontológico de portadores de HIV/Aids, enfocando as fases da doença, exames laboratoriais, principais manifestações bucais causadas pela infecção, medicações utilizadas, risco ocupacional e condutas frente a acidentes, houve a conclusão de que nos pacientes em que a infecção pelo HIV já foi diagnosticada, o cirurgião-dentista exerce um papel igualmente importante, que é o de manutenção da saúde bucal, contribuindo para a melhoria da sua QV35.

A associação entre algumas características sociodemográficas, como idade, gênero, condição econômica, nível de escolaridade e estilo de vida em relação aos impactos dos problemas de saúde bucal foi avaliada em populações adulta e idosa36. A amostra consta de 997 respondentes, cadastrados no Programa de Saúde da Família, dos gêneros masculino e feminino e de duas classes de idade, adultos até 49 anos e adultos e idosos acima de 50 anos de idade. Os resultados permitiram concluir que a condição econômica e o nível de escolaridade apresentaram relação com a escolha de estilo de vida, sendo que indivíduos em classificações econômicas mais favorecidas e maior nível de escolaridade apresentavam um estilo de vida mais saudável.

Os tópicos de maior pertinência para a implantação de programas de atenção odontológica voltados aos trabalhadores, foram analisados, destacando-se que o primeiro princípio a ser observado é que o programa de saúde bucal deve visar a melhora das condições de saúde do trabalhador, pautado em princípios éticos e humanísticos, respeitando sua condição de ser humano19. Além disto, deve ter como objetivo principal a promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde bucal deste trabalhador, contribuindo para sua melhor QV19.

As condições de saúde bucal de trabalhadores de uma agroindústria do sul do Brasil foram verificadas através de levantamento epidemiológico, destacando a indispensável contribuição do Cirurgião Dentista (CD) especialista em Odontologia do Trabalho ao estar inserido no programa de saúde ocupacional de uma empresa37. O CD pode realizar exames odontológicos específicos no intuito de levantar dados que sinalizem atuação mais efetiva da empresa na busca da saúde bucal e geral, resultando em melhoria em QV dos trabalhadores e consequentemente em desenvolvimento produtivo mais eficiente, minimizando os riscos de complicações e acidentes de trabalho37.

Uma avaliação do impacto causado na QV pela perda de dentes no desempenho de atividades diárias mostrou que 76% dos entrevistados relataram que o ato de mastigar e saborear os alimentos foi a atividade diária que sofreu maior impacto, seguida por 46% que apontaram a atividade falar e pronunciar palavras claramente e sem dificuldade38. E conclui que o índice dos impactos odontológicos mostrou tendência a uma relação significativa com renda e com o número de dentes.

O impacto na QV em pacientes câncer de cabeça e pescoço em relação a suas condições de saúde bucal, também foi avaliado antes e após tratamento da terapia oncológica39. Os resultados mostraram uma maior prevalência do câncer de cabeça e pescoço em homens, de baixo nível educacional e sócio-econômico, com pobre condição oral e média de idade de 54,2 anos. Apesar das características basais serem desfavoráveis, o grupo intervenção apresentou melhora na avaliação geral de QV e manutenção da específica após o tratamento oncológico, enquanto que o grupo controle mostrou piora em ambos; porém, não houve diferença significativa entre os grupos. O protocolo de cuidados odontológicos desenvolvido foi capaz de reduzir danos decorrentes da terapia oncológica, além de poder contribuir para melhoria da QV ao longo do tempo39.

Em estudo voltado para a odontologia do trabalho, visando identificar o percentual de faltas ao trabalho por causas odontológicas, em coleta de dados de empresa agropecuária de Minas Gerais, ressaltou-se necessidade de adoção de meios preventivos nas empresas para evitar o absenteísmo, que causa significativo impacto negativo na produtividade40. A Odontologia do trabalho tem como objetivo a manutenção e preservação da saúde geral do trabalhador e consequentemente também sua QV. O absenteísmo é um fator capaz de determinar diminuição do fluxo produtivo de uma empresa, acarretando custos para o empregador, para o Estado e para a sociedade e, portanto, altamente indesejável40.

 

CONCLUSÃO

É notória a evolução da Odontologia frente à busca de qualidade de vida dos indivíduos; entretanto, ainda, é insuficiente como política de saúde bucal do trabalhador. A quantidade de artigos encontrados em periódicos, através da busca em bases de dados, não garante material informativo e de pesquisa suficientes em QV do trabalhador.

Há comprometimento da QV dos trabalhadores em relação á saúde bucal, conforme relatado nos artigos encontrados. As condições de trabalho interferem na qualidade de saúde bucal dos trabalhadores, que poderia desencadear alterações na mucosa bucal, que muitas vezes permite diagnóstico precoce de envolvimento sistêmico. A Odontologia do Trabalho, regulamentada em 2001 pelo Conselho Federal de Odontologia, é o ramo que se preocupa com tais problemas. É importante não só levantar os problemas bucais que podem afetar diretamente os trabalhadores como também analisar concretamente a epidemiologia e patologia desses problemas, estudar o impacto que podem ocasionar em sua QV, e propor soluções. Mas, para isto, é necessário constante aprimoramento dos trabalhadores quanto a qualidade de vida; dos profissionais de odontologia, quanto à saúde do trabalhador, e das empresas, que devem cumprir o seu papel social, propiciando melhor QV aos seus funcionários.

É necessário debater a mudança na formação profissional em saúde, pois o pouco espaço disponível em periódicos para a publicação de pesquisas relacionadas à saúde bucal do trabalhador indica a necessidade de uma reflexão sobre a produção científica, por ser esta capaz de propiciar uma formação profissional comprometida. Além disto, cabe incentivar as universidades a assumirem o papel ético e social que possuem, pois deveriam estar incentivando, conduzindo, pesquisando e ensinando os valores necessários para a integralização da qualidade de vida em sociedade, incluindo a saúde bucal e sua relação com a saúde do trabalhador.

 

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Recebido em 18 de Setembro de 2014.
Aceito em 2 de Junho de 2014.

Trabalho realizado no Instituto de Tecnologia e Pesquisa de Sergipe (ITPS) – Aracaju (SE), Brasil.

Fonte de financiamento: nenhuma


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