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Tendo o Dr. Álvaro me solicitado uma opinião sobre este artigo, pensamos, em conjunto, em etabelecer esta estrutura deapresentação com o artigo original acrescido de comentários de outro profissional de forma a tornar o trabalho mais diversificado e, espera-se, mais atraente para o leitor, embora sem o cunho acadêmico usual dos artigos científicos. Assim sendo, após a leitura do artigo em questão, queria chamar a atenção para os seguintes tópicos:

1. O Dr.Álvaro foi muito feliz ao idealizar o diálogo entre o trabalhador, neste caso o atleta Serginho, e o profissional médico, porque conseguiu retratar o clima que comumente se estabelece entre o médico do trabalho e um trabalhador, isto é, um grande distanciamento. Na realidade, quando um enfermo dialoga com seu médico, ele está muito fragilizado, não só pela sua doença, mas, e principalmente, pela insegurança e ansiedade decorrentes elas dúvidas quanto ao diagnóstico e prognóstico. Há nesse diálogo uma grande desproporção emocional entre o trabalhador/paciente - o que necessita e busca algo - e o médico - aquele que tem condições de proporcionar o que o paciente procura. Tal situação ocorre em qualquer ato médico, conferindo ao profissional uma enorme ascendência sobre aquele que necessita de amparo. Essa situação pode levar o médico a incorporar atitudes de uma certa arrogância imperial, onde ele sabe tudo e o paciente nada sabe e nem deve saber. O "saber operário” é completamente descartado. O Dr. Álvaro conseguiu inserir este clima no diálogo estabelecido entre o jogador e seu médico, o que transparece claramente através dos seguintes aspectos:

• o médico não cumprimenta o trabalhador/paciente;

• usa termos que ele não vai entender como hipertrofia do músculo cardíaco;

• dá a notícia friamente, sem nenhuma palavra de conforto e esperança;

• não discute com o paciente as chances e possibilidades de tratamento. A decisão já está tomada unilateralmente pelo médico "Você está inapto e será afastado para a 'caixa'";

• termina a consulta (sem se despedir) meio como Pilatos: "Eu expliquei tudo e você conhece o risco que corre, mas, se, mesmo assim, quiser continuar... vou falar com a diretoria...". Será que o jogador entendeu mesmo? Cabe envolver a diretoria no assunto sem discutir isto com o interessado?

Levantei apenas alguns aspectos que revelam aquilo que foi levantado: o grande distanciamento que pode acontecer entre o médico e seu paciente.

2. Qual a conduta para ética do médico diante de problemas de saúde por condições inadequadas de trabalho sem serem solucionados mesmo após "n" cobranças, verbais e por escrito? Fiz esta pergunta a um advogado do Sindicato de Trabalhadores e ao CRM tendo obtido as seguintes respostas:

• Sindicato: o médico é um empregado da empresa e, portanto, está vinculado a ela pelo seu contrato de trabalho. Isto implica certos compromissos da relação empresa/empregado. Na situação proposta, o médico deveria comunicar, por escrito, o problema a seu superior. Reiterar, se necessário, mas sua atuação terminaria neste ponto, porque uma outra ação como uma denúncia à fiscalização ou à vigilância sanitária configuraria na quebra de contrato.

• CRM: quando um médico assume o tratamento de um paciente, assume também o dever de procurar o melhor método disponível. Isto vale para um paciente ou um grupo de pacientes, que poderia ser de trabalhadores em condições de trabalho inadequadas. Nesta situação, o médico deveria comunicar o problema formalmente a quem de direito, mas, caso não fosse solucionado, sua obrigação ética seria a de procurar outras soluções, inclusive acionando órgãos governamentais. Certamente seria uma decisão muito difícil para o profissional, mas foi esta a orientação transmitida pelo CRM.

Voltando ao atleta Serginho, penso que ele poderia entender melhor seu problema (e talvez até aceitasse uma proposta negociada e decidida em conjunto com seu médico) se houvesse um diálogo franco e amistoso, onde a relação médico-paciente fosse como ensinava nosso velho Ramazzini:

...não delibere de pé sobre o que convém ou não fazer, como se não jogasse com a vida humana ... sente-se, mesmo num banco, examine o paciente com fisionomia alegre e observe detidamente o que ele necessita dos seus conselhos médicos e dos seus cuidados piedosos...

Caso Serginho, apesar de toda a argumentação, não aceitasse seu afastamento definitivo, concordo com o Dr. Álvaro: a decisão do jogador deveria ser respeitada sem outros intervenientes como a direção do clube etc. Talvez, até, para resguardar o médico, coubesse uma comunicação ao CRM.

3. Também tenho a curiosidade de saber se os clubes de futebol cujos jogadores - que, como assinalou o Dr. Álvaro, são trabalhadores e, portanto, regidos pelos dispositivos legais dos trabalhadores em termos de segurança e saúde no trabalho - dispõem de SESMT cumprindo suas obrigações legais estabelecidas nas Normas Regulamentadoras. Seria bem interessante, por exemplo, ver PCMSO, PPRA, PPP, emissão de CAT etc. do Santos, time de coração do Dr. Álvaro, ou do meu Palmeiras.

Para concluir, lembro que o Dr. Álvaro, além de um médico experiente que intuiu a possível morte do jogador é, também, um excelente motorista, porque, apesar de sua apreensão e preocupação, enfrentou, sem acidentes, uma Dutra com todos os seus conhecidos riscos.


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