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ARTIGOS ORIGINAIS

Saúde Vocal de Professores da Rede Municipal de Ensino de Cidade do Interior de São Paulo

Voíce Health Profile of Basic School Teachers from a City in the State of São Paulo

Erica Ortiz1; Elizabeth Alves de Lima2; Everardo A. da Costa3

RESUMO

A disfonia, como sintoma de doença do trabalho, tem sido muito discutida e, devido à diversidade de fatores causais bem definida entre o uso da voz no trabalho e sua ocorrência, não se tem uma associação. Este trabalho mostra o perfi1 dos professores da Rede Básica de Ensino da cidade de Cosmópolis, no interior de São Paulo com relação à voz no trabalho. Foram respondidos 111 questionários em modelo pré-estabelecido por profissionais da saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que verificam características ocupacionais e relação com disfonia nos professores. Os resultados mostraram que a disfonia ocorre, em média, após 11 anos de carreira; o estresse, a indisciplina em sala de aula, o abuso vocal, a fumaça e as variações de temperatura em sala de aula, as doenças das vias aéreas superiores, a dispepsia, a atopia e o uso de medicamentos foram os fatores significantes associados à alteração vocal dos professores avaliados. O nível de ensino, o tipo de rede escolar, o número de alunos por classe, a carga horária semanal, a acústica e iluminação da sala de aula o o tabagismo não foram relacionados significativamente à disfonia nesse grupo de professores, É necessário que se façam mais estudos epidemiológicos com professores, nas diversas regiões do país, para se chegar a uma normativa consensual sobre a prevenção da disfonia entre esses profissionais, que usam a voz como instrumento de trabalho.

Palavras-chave: Distúrbios da Voz; Saúde Ocupacional; Ensino; Recursos Humanos.

ABSTRACT

Occupational dysphonia is a controversial issue nowadays due to its multifactorial causes. This article shows the teacher profile from the city of Cosmópolis (SP, Brazil) and its relation with dysphonia and work. One hundred and eleven questionnaires, prepared by health care professionals from the PUC-SP, were answered, studying the occupational characteristics of dysphonia in this group of teachers. Results show that dysphonia occurs after eleven years of teaching practice, mainly due to stress, vocal abuse, students indiscipline, smoke and temperature variations in the classroom, upper airway diseases, dyspepsia and allergy, and medication. Student age group, the number of students in the classroom, weekly work hours, dassroom acoustics and illumination, smoking habits were not related to dysphonia in this group of teachers. More epidemiological studies with teachers in different parts of the country are necessary to achieve a consensual normative over the prevention of dysphonia among workers who use their voice as a work tool.

Keywords: Voíce Disorders; Occupational Health; Teaching/Manpower.

INTRODUÇÃO

A disfonia em pacientes que utilizam a voz como instrumento de trabalho tem sido ultimamente considerada um problema ocupacional, uma vez que diminui a produtividade e regularidade no trabalho desses profissionais. A laringologia tem demonstrado teorias de produção vocal, doenças orgânicas e funcionais da laringe e tratamentos para disfonias. Entretanto a disfonia relacionada ao trabalho ainda é um assunto polemico e pouco esclarecido. Nota-se que a insatisfação com a produtividade e déficit econômico provocados por alterações vocais de trabalhadores aumentou e novas exigências emergem em nosso cotidiano médico em relação à laringopatia como doença ocupacional. Além do impacto social, econômico, profissional e pessoal, elas representam um prejuízo anual estimado de mais de duzentos milhões de reais1.

Apesar de se saber que a disfonia funcional e orgânico-funcional têm causa multifatorial, não se pode descartar o abuso vocal ou o aumento de demanda vocal no trabalho como um dos fatores causais. Por outro lado, não se pode condenar o ambiente de trabalho como causador exclusivo da alteração vocal. Desta forma, tornam-se necessários estudos das várias categorias de profissionais que utilizam a voz como instrumento de trabalho para se estabelecer associações adequadas entre disfonia e exercício laboral.

Neste estudo, verificou-se o perfil do professor na cidade de Cosmópolis, interior de São Paulo, em relação a voz e suas alterações durante o trabalho. Estudos semelhantes para esta categoria de profissional têm sido realizados em várias cidades do Brasil, a fim de melhor avaliar a disfonia no professor em nosso meio.

 

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo transversal, em que se aplicou um questionário pré-estabelecido por profissionais da saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), desenvolvido em sua Faculdade de Fonoaudiologia, coordenado pela Profa. Dra. Leslie Picolloto Ferreira. Os sujeitos eram professores da Rede Municipal de Ensino da cidade de Cosmópolis, Esse questionário consiste de 87 questões direcionadas a alterações vocais, hábitos e doenças relacionados à voz e à história ocupacional, e foi aplicado a 111 professores, durante o trabalho, supervisionado por um dos autores, médica do trabalho.

Na análise estatística dos dados obtidos, procurou-se relacionar a disfonia aos vários aspectos sociais, ocupacionais, psicológicos e orgânicos. Para verificar se existe associação (diferença) da alteração de voz em relação às variáveis categóricas, foi utilizado o teste Qui-quadrado. Quando os valores foram menores que cinco, utilizou-se o teste exato de Fisher. Na comparação das variáveis contínuas, utilizou-se o teste não-paramétrico de Mann-Whitney (ou toste de Wilcoxon para amostras independentes). Em ambos os lestes, a diferença entre os grupos (alteração de voz - sim ou não) é considerada significativa se o p-valor for menor ou igual a 0,05.

 

RESULTADOS

Obtiveram-se 106 questionários respondidos, dos 111 distribuídos. Houve grande predomínio do gênero feminino (96,4%). Aproximadamente a metade dos professores tinha nível escolar superior completo (50,9%), e o restante, superior incompleto ou primeiro grau completo. Laboravam em escola única 74,8% deles e 16,8%, em duas escolas, no tempo médio de 9,6 anos (± 6,4), a maioria com carga horária semanal de 20 a 30 horas (66%), com uma média de 32,8 alunos por classe (mínimo de 8 e máximo de 45).

Têm ou tiveram alterações na voz durante a carreira 46,4% dos professores, 51,9% dos quais, de grau moderado. Dentre as professoras mulheres, 47,1% tiveram disfonia. Do total de disfônicos, apenas 21,3% fizeram tratamento fonoaudiológico, 44,7% fizeram tratamento medicamentoso e 6,4% submeteram-se ã cirurgia. De todos eles, apenas 27,6% já haviam recebido qualquer instrução sobre os cuidados com a própria voz, 83% informam ter a disfonia de maneira intermitente e 72,5% alegam fazer uso intenso da voz durante o trabalho. Houve diferença significativa entre disfonia e abuso vocal (p=0,013). Existiu uma diferença significativa entre tempo de trabalho e alteração vocal (em média, 11,8 anos para os alterados, e 7,4 anos para os sem alterações, p=0,0001).

A idade média dos professores foi de 33,7 anos (± 8,1). A análise estatística mostrou diferença significativa entre idade e alteração de voz , ou seja, as pessoas com alteração de voz são em média um pouco mais velhas (35 anos) do que as sem alterações (32,2) (p=0,0288).

A grande maioria dos professores entrevistados lecionava para o ensino fundamental e infantil. Entretanto, não houve diferença significativa entre a ocorrência de disfonia e o nível de ensino para o qual lecionavam (p>1). Contudo, houve significativa diferença entre disfonia e indisciplina dos alunos em classe (p=0,013).

O trabalho foi considerado estressante por 71% do total de professores. Existiu diferença significativa entre alteração de voz e o ambiente de trabalho. A diferença está no ambiente estressante, onde o porcentual de disfonia é maior (x2 - 0.0071). Entretanto, 94,5% dos professores informaram estar satisfeitos com o desempenho de suas funções laborais.

O ambiente de trabalho foi considerado adequado para a maioria fias situações, exceto por exposição à poeira - areia, terra e giz (82%). Existiu, contudo diferença significativa entre a ocorrência de disfonia e a presença de fumaça (x2 = 0.0323) e temperaturas muito frias ou muito quentes (p=0.0018).

Embora 50% considerassem o ambiente de trabalho como ruidoso, não houve queixas significativas quanto a ruído ambiental, iluminação inadequada, condições de limpeza e higiene e material de trabalho.

As doenças mais associadas à disfonia foram infecções de vias aéreas superiores (32%) e atopia (48%), as quais mostraram associação estatística (p=0,0002). Os sintomas mais comuns foram rouquidão e xerostomia. A cefaléia e a ansiedade se destacam como sinais e sintomas sistêmicos mais freqüentes. Houve diferença significativa entre alteração de voz com azia e hipoacusia, e uma tendência de disfonia em casos de gastrite (p=0.0044). Apenas 8,3% eram consumidores de tabaco, 17,5% já foram fumantes, mas não houve associação entre esse hábito e a disfonia (p=1).

A maioria disse ingerir muito líquido durante o trabalho. Houve diferença significativa entre disfonia e uso de medicamentos (p<0,05).

Foram relatadas poucas atividades extra-trabalho que exigem utilização da voz, como cuidar de crianças (20%) e cantar em coral (22%).

 

DISCUSSÃO

As comparações estatísticas deste estudo verificaram associações significativas importantes, como distonia e tempo de trabalho. O tempo médio de 11 anos de carreira na categoria de professor para desenvolver a disfonia está de acordo com trabalhos já publicados, que mostram maiores alterações vocais na terceira década de vida2-4.

Não houve diferença significativa entre a ocorrência da disfonia na escola pública (48%) e na particular (50%), em desacordo com os dados obtidos na cidade de São Paulo3. Neste estudo, também não houve diferença significativa entre a ocorrência da disfonia e nível de ensino (infantil, fundamental ou superior), número de alunos por classe ou horas de trabalho por semana. No entanto, estudos mostram que a indisciplina dos alunos em classe e a carga horária semanal (20-30 h/sem) podem ser fatores de risco para o professor desenvolver problema vocal3,5,6.

O ambiente de trabalho estressante teve relação significativa com o aparecimento de alteração vocal (90%). Em outros centros como São Paulo, Brasília e Barueri, foi, também, constatada a influência de ambiente estressante no aparecimento de alterações vocais5,7. Gotaas e Starr demonstraram que a fadiga vocal aparece em ocasiões de maior ansiedade e estresse entre os professores8.

Apesar de a maior queixa quanto ao ambiente de trabalho ser em relação à poeira, não houve significância estatística entre a presença de poeira e a ocorrência de disfonia, mas, sim, com fumaça e alteração de temperatura ambiente, concordando, também, com as pesquisas realizadas em outras cidades brasileiras5,7.

Os sintomas e doenças significativos associados a disfonia foram dispepsia, doenças respiratórias, ansiedade e até a hipoacusia. Os autores destacam o refluxo gastro-esofágico e a osteoartrite como doenças relacionadas à disfonia6.

O consumo tabágico não foi significativamente associado à disfonia, talvez pela baixa incidência de fumantes nesse grupo. Contradizendo o mito do professor fumar muito, as estatísticas realizadas anteriormente demonstram que a maioria dos professores dessa região não fuma (88%)5,7. Apesar do baixo número de fumantes, na literatura está bem estabelecido que o consumo de tabaco é considerado um fator causador de alterações vocais6,9.

Houve associação entre abuso vocal e ocorrência de disfonia (54%). Sabe-se que o abuso vocal certamente proporciona alterações vocais2-9.

Não houve diferença significativa entre ocorrência de disfonia e uso da voz extra-trabalho, mas havia poucos professores que cantavam em coral fora do trabalho.

 

CONCLUSÃO

A disfonia em uma população de professores de Cosmópolis ocorre em média com 11 anos de trabalho.

Nesse grupo, os fatores que influenciaram significativamente no aparecimento de alteração vocal foram: estresse, ansiedade, indisciplina dos alunos na classe, fumaça, variações de temperatura na sala de aula, abuso vocal, doenças alérgicas de vias aéreas superiores, dispepsia e uso de medicamentos.

A ocorrência de disfonia não foi influenciada pelo nível de ensino e tipo de rede escolar, números de alunos por sala de aula, carga horária semanal, acústica e iluminação da sala de aula ou por consumo tabágico.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Consenso Nacional sobre voz profissional. Rev Bras Otorrinolaringol 2004; 70(6,supl 2): 1-68.

2. Smith E, Gray SD, Dove H, Kirchner L, Heras H. Frequency and effects of teachers' voice problems. J Voice 1997; 11(1): 81-7.

3. Russell A, Oates J, Greenwood KM. Prevalence of voice problems in teachers. J Voice 1998: 12(4);467-79.

4. Brunetto B, Oyarzun R, Mella L, Avila S. Mitos y realidades de la disfonia profissional; Rev Otorrinol 1986; 45:115-20.

5. Mattiske JA, Oates JM, Greenwood KM. Vocal problems among teachers: a review of prevalence, causes, prevention, and treatment. J Voice 1998; 12(4):489-99.

6. Ferreira LP. Ensinar causa problema de voz. Rev Proteção 2000; (22): 34-8.

7. Ferreira LP. A disfonia como doença do trabalho. In: Seminário de Voz 1997-2000. São Paulo: PUC-SP; 2000.

8. Gotaas C, Starr CD. Vocal faligue among teachers. Folia Phoniatr 1993; 45(36): 120-9.

9. Mitchell SA. Medical problems of professional voice users. Compr Ther 1996; 22(4); 231-8.


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