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OPINIAO

Proteger a Saúde e o Meio Ambiente ou Defender a indústria Brasileira do Amianto?*

René Mendes

Excelentíssimo Senhor Deputado João Pizzolatti, Presidente da Comissão de Minas e Energia, da Câmara dos Deputados; excelentíssimos senhores de pulados membros da Comissão de Minas e Energia; excelentíssimos senhores deputados presentes a esta Audiência Pública; senhores membros tia "Comissão Interministerial para Elaboração de uma Política Nacional Relativa ao Amianto/Asbesto"; senhoras e senhores presentes neste Auditório:

Cumpre-nos expressar os sinceros agradecimentos pelo convite formulado à Presidência da Associação Nacional fie Medicina fio Trabalho (ANAMT) para participar desta Audiência Pública, puis a ANAMT é uma "sociedade civil, de caráter científico e profissional, sem fins lucrativos, reconhecida como Entidade de Utilidade Pública, destinada a congregar e coordenar a atuação conjunta de profissionais interessados na promoção da saúde dos trabalhadores", aqui representando não somente os cerca de 25 mil médicos que se dedicam à Medicina do Trabalho no Brasil - dentre os quais cerca de três mil associados à nossa entidade - como também, certamente, representando a Associação Médica Brasileira (AMB) - a quem a ANAMT é vinculada - e o Conselho Federal de Medicina (CFM), onde o Presidente da ANAMT é membro ativo tia Câmara Técnica de Medicina do Trabalho.

Foi extremamente oportuno o convite, pois a Associação Nacional de Medicina fio Trabalho tem, estatutariamente, a "defesa da saúde do trabalhador" como sua principal razão-de-ser. Do mesmo modo, a Associação Médica Brasileira (AMB) com seus mais de 250 mil médicos associados, tem, estatutariamente, entre outras atribuições, as de "contribuir para a elaboração da política de saúde e aperfeiçoamento do sistema médico assistencial do país" e a de “orientar a população quanto aos problemas da assistência médica, preservação e recuperação da saúde". Para o CFM, também, "a promoção, proteção e recuperação da saúde dos cidadãos" constitui-se no mais importante de seus princípios e diretrizes expressos em seu estatuto.

Falo, também, como cidadão, médico, médico sanitarista, médico do trabalho, professor universitário e consultor em saúde.

Pois bem. O convite que recebemos informa que a Audiência Pública "debaterá sobre a Comissão Interministerial para Elaboração de uma Política Nacional Relativa ao Amianto/Asbesfo'', o que nos leva a entender que o objeto da Audiência Pública não é propriamente a política nacional sobre o amianto; mas, sim, a Comissão Interministerial constituída para o seu estabelecimento.

5e assim for, gostaríamos de manifestar, preliminarmente, nossa confiança no trabalho da Comissão Interministerial, pois, embora não tenha sido constituída com a presença e participação direta tia sociedade civil, ela inclui entre os seis representantes do Governo Federal, dignos representantes do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério da Saúde, do Ministério fia Previdência Social e do Ministério tio Meio Ambiente - quatro, portanto, entre seis -, que certamente estão visceralmente compro metidos com a defesa da saúde e do meio ambiente. Provavelmente assim também o farão os dignos representantes do Ministério de Minas e Energia e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, pois, embora minoritariamente dentro da Comissão Intermínisterial, fazem parte de um mesmo Governo, eleito que foi em função do compromisso de priorizar a prevalência do desenvolvimento humano e social sustentável, sobre o desenvolvimento econômico a qualquer custo.

Esta confiança na Comissão Interministerial advém não apenas por sua correta composição e representatividade institucional, como também pelos titulares e suplentes que a constituem, pois, em suo maioria, têm biografia de compromisso com a defesa da saúde e tio meio ambiente.

Conforta-nos, também, que a criação desta Comissão Interministerial tenha sido justificada por três "considerandos" - entre cinco -, os quais sintetizam claramente a preocupação da sociedade civil brasileira e dos que representamos a defesa tia saúde e do meio ambiente, posto que, muito adequadamente, esses "considerandos" estão enunciados nos seguintes termos:

• Considerando os impactos nocivos à saúde, detectados ao longo dos anos, causados pela exposição ao amianto/asbesto;

• considerando a comprovada carcinogenicidade do amianto/asbesto em todas as suas formas e a inexistência de limites seguros de exposição;

• considerando o grande número de indivíduos potencialmente expostos à substância no longo ciclo de vida das fibras, inclusive fora dos locais de trabalho, dada sua ampla presença em numerosos produtos."

Aliás, com "considerandos" tão importantes como esses, já se teria motivos mais do que suficientes para se estabelecer, de uma vez, o urgente cronograma de medidas para o banimento tio amianto-crisotila em nosso país, ainda que tardiamente.

Nossa posição inicial. Senhor Presidente e senhores membros da Comissão de Minas e Energia, é a de que, quem detém este saber como o utilizado no preâmbulo da Portaria Interministerial nº8, tem a urgente obrigação e o indelegável dever de sei consistente com este conhecimento - aliás, universal - tomando, por conseguinte, as providências que o grave caso do amianto-crisotila está a requerer, sob pena de ser acionado pelo Ministério Público e pela sociedade civil como um todo, sob o conceito jurídico de periculum in mora, ou seja, o perigo na demora! Em outras palavras: negligência e omissão. Se não, vejamos.

As Inquestionáveis Evidências do Conhecimento Científico

Faltam apenas três anos para completarmos um século de conhecimento cientifico acumulado sobre as doenças relacionadas à exposição ao amianto! Assim como foi amplamente documentado em inúmeros países do mundo, ditos "desenvolvidos", também no Brasil todas as doenças relacionadas com o asbesto/amianto (principalmente asbestose, mesotelioma maligno de pleura e câncer de pulmão) já foram detectadas em nosso país, algumas já há muitos anos, e sua incidência tende a crescer, em decorrência das exposições acumuladas e do tempo de latência habitual para algumas dessas entidades mórbidas, em particular, o mesotelioma maligno de pleura.

Infelizmente, Senhor Presidente e senhores membros desta Comissão de Minas e Energia, tanto a "Indústria da Crisotila" no Brasil e em alguns poucos países no mundo, como determinados órgãos governamentais e centros de pesquisa em Engenharia e Geologia, e até em Medicina em nosso país, se esforçam em querer demonstrar a suposta ' pureza' da crisotila brasileira, isto é, a não-conta mi nação por anfibólios. No entanto, tem sido demonstrado fartamente que a “hipótese dos anfibólios" não se sustenta. Infelizmente asbestose, mesotelioma maligno e câncer de pulmão têm sido provocados em expostos unicamente ã crisotila, nas mais diferentes regiões do globo, inclusive no Brasil, Outrossim, todas essas doenças vêm sendo descritas em países que mineram crisotila de qualidade equivalente à do Brasil, como é o caso das minas da China e do Zimbábue. A suposta demonstração experimental da baixa biopersistência de fibras de crisotila brasileira no interior do pulmão de ratos suíços, infelizmente, não consegue invalidar as evidências clínicas, epidomiólógicas e anatomopatológicas sobre a nocividade da crisotila em pulmões de trabalhadores brasileiros, na indústria do cimento-amianto e em inúmeras outras circunstâncias de trabalho. O recente e extenso documento da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado pelo Programa Internacional de Segurança das Substâncias Químicas (IPCS)1, em 1998, afirma, de modo categórico e irrefutável, exatamente isso.

Na verdade, como é amplamente sabido pela Comissão Interministerial e deve ser de conhecimento desta Comissão de Minas e Energia, trabalhadores - centenas ou milhares - estão adoecendo e morrendo no Brasil por doenças perfeitamente evitáveis, a maioria delas de extrema gravidade, tanto pela incapacidade e sofrimento que produzem, como por sua irreversibilidade, insuscetibilidade a tratamento e alta proporção de letalidade, e isso parece não ser suficiente para sensibilizar governantes, legisladores, políticos, empreendedores, empregadores, cientistas e outros atores sociais, A sociedade civil brasileira tem denunciado. A Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA) tem denunciado amplamente. As entidades médicas que aqui representamos já o têm feito, também. O que mais falta?

A Necessária Visão de "Cadeia Produtiva" e de "Ciclo Completo de Vida da Fibra"

Cultiva-se, talvez intencionalmente, Senhor Presidente e senhores membros da Comissão de Minas e Energia, a ilusão e a falácia de que os problemas do amianto são de natureza meramente ocupacionat, restringindo se "apenas'1 a trabalhadores expostos, quando não, apenas nos trabalhadores da mineração, e tia mineração de Mínaçu, Goiás. Nu entanto, assim tomo vem sendo documentado em inúmeros países. Também no Brasil já estão sendo documentados casos de mesotelioma maligno de pleura em crianças filhas de trabalhadores e em mulheres cônjuges de trabalhadores expostos ao asbesto. Além da óbvia gravidade do fato, o equívoco principal reside na falácia de que o problema da exposição ao amianto é meramente ocupacional. Ao contrário, tomo corretamente já tem sitio reiterada mente salientado pela Engenheira Fernanda Giannasi2:

"...não é verdade o que se afirma, pois o amianto é um problema de Saúde Públics, já que pode causar danos não somente aos trabalhadores, como também a seus familiares, vizinhos às insta/ações e populações não-ocupaàonafmente expostas e .sequer monitoradas, e ao meio ambiente, na medida em que os resíduos com amianto não podem ser destruídos, já que uma de suas tão decamacias propriedades é o fato de ser incombustível (asbesto) e incorruptível (amianto), daí vindo a origem grega e latina de seu nome, respectivamente"1 (negrito nosso).

Como bem afirma a Agência de Proteção Ambiental (EPA):3, tios Estados Unidos:

“...as pessoas estão freqüentemente expostas ao asbesto sem o saber e raramente estão em posição de protegerem a si próprias. As fibras de asbesto geralmente são invisíveis, sem odor, muito duráveis ou persistentes, e altamente aerodinâmicas. As fibras podem-se deslocar por grandes distancias e permanecem no meio ambiente por tempo muito longo. Portanto, a exposição pode ocorrer muito tempo após a liberação da fibra de asbesto, e em local muito distante da fonte de liberação."3

Mais adiante, assim se refere a Agência de Proteção Ambiental (EPA):

"..,as atividades que podem produzir a liberarão de libras de asbesto em seu iongo ciclo de vida incluem a mineração, o processamento de fibras em produtos industrializados, o transporte, a instalação, o uso, a manutenção, a reparação, a retirada e a disposição final dos produtos contendo asbesto."3

O equívoco principal é cultivar um conceito reducionista e falacioso de que o controle nos locais de trabalho resolveria o problema da nocividade do asbesto, centrando, portanto, na esfera do Setor Trabalho 0 eixo das políticas e as ações governamentais de controle. O problema tem de ser enfocado com uma ampla, perspectiva de Saúde Pública e de proteção do Meio Ambiente, muito além, portanto, das fronteiras dos estabelecimentos de trabalho; muito além da competência da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)4; muito além das competências das Normas Regulamentadoras de Segurança e Medicina do Trabalho (NRs) e tia fiscalização do trabalho; muito além do âmbito das normas Intemacionais emanadas da OIT; e assim por diante.5-7

Coerentemente, a Comissão Interministerial tem este perfil ampliado, e assim também é nossa visão: posicionarmo-nos como profissionais de Saúde Pública, cum o olhar na Saúde e no Meio Ambiente, para além das condições e ambientes de trabalho, no estrito senso.

Cultivo e Difusão do Conceito da Suficiência do "Uso Seguro" do Amianto

Esta posição, ingênua e insustentável, tem como referência máxima a Convenção nº 162 da OIT8, sobre "o uso do asbesto em condições de segurança". O respeito a determinados "limites de tolerância" asseguraria a não-nocividade do asbesto em ambientes de trabalho.

Contudo, Senhor Presidente e senhores membros tia Comissão de Minas e Energia, até defensores da inocuidade da crisotila admitem que:

" ...apesar do respeito a limites de tolerância muito restritivos, conseguido por meio de medidas de controle ambiental introduzidas nos locais de trabalho, casos de doença relacionados com o asbesto continuam a ocorrer, por razões de suscetibilidade pessoal (como, por exemplo, proporções de retenção de fibra na árvore respiratória, acima da mediai, ou devido a falhas nos meios de controle, em determinadas atividades profissionais ou em determinados processos. (...) Uma não desprezível proporção de locais de trabalho ainda não respeitam os regulamentos de controle, onde eles existem, enquanto em alguns países eles ainda não existem..."9

Ou, com as palavras da Comissão das Comunidades Européias10'11, a propósito da decisão de banimento do asbesto:

"(...) a exposição de trabalhadores e de outros usuários de produtos contendo asbesto é extremamente difícil de ser controlada e pode exceder enormemente os atuais lmites de exposição ainda que em bases intermitentes, o que pode significar, nos dias de boje, o mais importante risco para o desenvolvimento de doenças relacionadas ao asbesto."

Infelizmente a "cadeia produtiva" completa deveria levar em conta que, no caso brasileiro, mais de 98% dos estabelecimentos de trabalho são constituídos por micro e pequenas empresas, e que mais de 50% da força de trabalho brasileira trabalham na assim chamada "informalidade''- É ingênuo - até perverso - prosseguir com a tese do "uso seguro" e da "atuação responsável" na cadeia produtiva que se inicia com um único estabelecimento - o complexo de Minaçu - e se espalha em milhares de locais de trabalho, inacessíveis à correta informação, inacessíveis aos meios de controle, inacessíveis à fiscalização. O mesmo cabe afirmar em relação à exportação da crisotila, a maior parte das vezes a paises mais atrasados do que o nosso, em provável desacordo com a “Convenção de Basiléia", sobre controle de movimentos transfron-teiriçosde resíduos perigosos e seu depósito", ratificada pelo Brasil em 1992, e promulgada pelo Decreto Federal n° 875, de 19 de julho de 1993.12

Na verdade, Senhor Presidente e senhores membros da Comissão de Minas e Energia, já de há muito se questiona a existência de "limites seguros de exposição" a determinadas substâncias químicas, principalmente as cancerígenas. Para o caso do asbesto-crisotila, a Comissão das Comunidades Européias foi enfática ao afirmar:

"(...) até o momento, não foi identificado qualquer limite permitido de exposição, abaixo do qual a crísotila não oferece risco de carcinogênese."10,11

Por outro lado, a avaliação de risco (risk assessment) realizada pela Agencia de Saúde e Segurança Ocupacional (OSHA)13, nos Estados Unidos, como parte do processo de revisão fios Limites Permitidos de Exposição (PEL) ocorridos em 1986 e em 1994, mostrou que a exposição a duas fibras/cm3 de ar estava associada a um excesso de 64 mortes por 1,000 trabalhadores expostos ao asbesto, ao longo de sua vida profissional, Reduzindo de duas fibras/cm3 para 0,2 fibras/cm3 de ar, esse risco cairia para um excesso de 6,7 mortes por 1.000 trabalhadores. Mesmo com de limite de 0,1 fibras/cm4, permaneceria um excesso de 3,4 mortes por 1.000 trabalhadores.

Como diz a Agência de Segurança e Saúde Ocupacional dos Estados Unidos (OSHA):

“(...) mesmo com o novo limite estabelecido, pode ser claramente visto que o risco de morrer por câncer nem é zero, nem é muito próximo a ele."13

Pesquisadores reconhecidos como o Dr. Leslie Stayner14, do Instituto Nacional de Saúde e Segurança Ocupacional (NIOSH), juntamente com seus colaboradores de outras instituições científicas reconhecidas, após analisarem os achados de uma das mais completas coortes de trabalhadores que se expuseram a crisotila, nos Estados Unidos, são enfáticos ao afirmarem que "as estimativas de risco indicam ser apropriado controlara exposição ao asbesto crisotila, mesmo abaixo do atual limite estabelecido pela OSHA" (0,1 fibra/cm3), posto que este nível ainda estaria associado a um excesso de cinco mortes por câncer de pulmão, em cada 1.000 trabalhadores expostos durante sua vida laborai e de duas mortes por 1.000, decorrentes de asbestose.

Obsoletismo e Viéses da Atual Legislação Brasileira

Apesar de alguns avanços no tratamento da questão do asbesto no Brasil, ocorridos nos últimos 25 anos, a opção pela tese do ' uso seguro" do amianto, de certa forma, consolidou não apenas uma posição política e tecnologicamente insustentável nos médio e longo prazos, como acabou colocando o país numa posição de explícita defesa da crisotila, na contramão da História, e para prejuízo da saúde, da vida e do meio ambiente.

Na verdade, o conjunto de medidas legais direcionadas ao manejo da questão do amianto no Brasil, apesar de ter nascido há relativamente pouco tempo - na década de 1990 - nasceu, de certa forma, velho, posto que teve como paradigma instrumentos internacionais da OIT concebidos no início da década de 1980. Estes, por sua vez, também nasceram antigos e enviesados na sua forma de lidar com questões da complexidade do amianto.

O conjunto de medidas legais ou normativas federais adotadas pelo Brasil, disposto em ordem cronológica, pode ser assim resumido, em suas principais medidas:

• Resolução CONAMA nº 7 do CONAMA, de 16 de setembro de 1987, que “regulamenta a rotulagem do asbesto e produtos que o contém";15

• Decreto Executivo n° 126, de 22 de maio de 1991, que promulga a Convenção n° 162, da OIT, sobre a "utilização do asbesto em condições de segurança";11

• Portaria nº 01, de 28 de maio de 1991, do Departamento de Segurança e Saúde do Trabalhador, do Ministério do Trabalho e Previdência Social, que alterou o Anexo 12 da Norma Regulamentadora (NR) nº 15, estabelecendo " limites de tolerância para poeiras minerais - asbestos".5

• Lei nº 9.055, de 1º de junho de 1995, que "disciplina extração, industrialização, utilização, comercialização e transporte do asbesto/amianto e dos produtos que o contenham, bem como das fibras naturais ou artificiais, de qualquer origem, utilizadas para o mesmo fim e dá outras providências";6

• Decreto nº 2.350, de 15 de outubro de 1997, que "regulamenta a Lei n° 9.055, de 1º de junho de 1995, e dá outras providências";7

• Moção n° 30 do CONAMA, de 25 de outubro de 2001, que "dispõe sobre o banimento progressivo do amianto";17r

• Portaria Interministerial nº 08, de 19 de abril de 2004, que "cria Comissão Interministerial paro Elaboração de uma Política Nacional Relativa ao Amianto/Asbesto";18

• Portaria Conjunta nº 197, de 16 de julho de 2U04, da Secretaria de Minas e Metalurgia, do Ministério de Minas e Energia, que "institui Grupo de Trabalho com o objetivo de elaborar e encaminhar estudos sobre a situação atual do amianto no Brasil no que tange à sua ocorrência bem como direitos minerários existentes para sua pesquisa e exploração";19

• Resolução CONAMA nº 348, de 16 de agosto de 2004, que "altera a Resolução CONAMA nº307, de 05 de julho de 2002, incluindo o amianto na classe de resíduos perigosos".20

O estudo crítico desse arcabouço legal e de seus antecedentes mostra seu obsoletismo nato, bem como o viés ideológico que permeia esses diplomas, principalmente entre 1907 e 1997.

O que mais chama a atenção, na verdade, é que tanto a Resolução nº 07 do CONAMA, de 198715, como a Portaria nº 01, de 19915, expressavam a intenção brasileira de tomar a Convenção nº 162 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)5, que trata da "utilização do asbesto em condições de segurança", com sua correspondente Recomendação n° 17221, ambas de 1986, como escudo e paradigma para um posicionamento político e técnico que, na esteira de uma suposta proteção da saúde e segurança dos trabalhadores, preservasse o espaço da crisotila no Brasil.

A ênfase que se dá à questão da Convenção nº 162 da OIT8, e sua ratificação pelo Brasil, pareceria sem sentido e, mesmo contraproducente, se não existem tantas evidências sobre a forte influência de lobbies de países produtores e exportadores de asbesto-crisotila, liderados pelo Canadá e apoiados pelo Brasil, no longo processo de elaboração interna e discussão dos textos da Convenção c tia Recomendação, até sua adoção pela Conferência Internacional do Trabalho, em junho de 1986, De uma única vez, e em âmbito internacional, alcançava-se a dupla façanha de proibir a extração, exportação, industrialização e utilização dos asbestos-aníibólios (amosita, crocidolita, tremolita, antofilita etc.), já então banidos ou abandonados na maioria dos países, ao mesmo tempo em que se protegia a crisotila, atribuindo-lho suposta inocuidade de efeitos deletérios sobre a saúde e a vida, quando utilizada em condições ditas "seguras". Dito em outras palavras, conseguia-se arrefecer o ânimo pelo banimento completo e imediato do asbesto, dirigindo-o ao que já era banido e/ou desinteressante do ponto de vista comercial, e garantir uns anos mais de sobrevida aos negócios da crisotila, com a legitimação internacional e tripartite, estabelecida em fórum do prestígio da OIT. Daí, também, o zelo e a pressa manifestados pela Industria Brasileira, para que o Brasil, sem perda de tempo, fizesse o mesmo, ao ratificar um instrumento internacional dessa importância.

De fato, tanto a Lei nº 9-055, de 19956, como o Decreto nº 2.350, de 19977, da forma como foram redigidos, proíbem a extração, produção, industrialização, utilização e comercialização de outras formas de asbesto, que não a crisotila, e permitem - na verdade, instituem - a extração, industrialização, utilização e comercialização do asbesto/amianto da variedade crisotila, extraída no Brasil, e de nosso país também exportada.

Para tanto, ambos os diplomas legais criam barreiras à importação do asbesto-crisotila, bem como à produção de fibras naturais e artificiais de qualquer origem (na família das quais estão os substitutos da crisotila, conhecidos ou potenciais, de nocividade mais baixa). Aliás, estabelece o Artigo 6º do Decreto nº 2.350/97, que:

"as fibras naturais e artificiais que já estejam sendo comercializadas ou que venham a ser fabricadas deverão ter a comprovação do nível de agravo à saúde humana avaliada e certificada pelo Ministério da Saúde, conforme critérios a serem por ele estabelecidos, no prazo de noventa dias."7

Ora, não se tem conhecimento nem de que o Ministério da Saúde costumasse avaliar ou certificar alguma "comprovação do nível de agravo à saúde humana" de minérios, materiais de construção ou de produtos químicos, sintéticos ou naturais, que não sejam produtos domissanitários, medicamentos, vacinas, sangue e hemoderivados ou produtos de uso em campanhas de Saúde Pública, nem, muito menos, de que esse Ministério tenha feito, para o asbesto-crisotila, exatamente o que se pedia que fosse feito para fibras naturais ou artificiais que a pudessem substituir em função de eventual nocividade inferior à do asbesto.

A política de defesa da crisotila torna-se ainda mais evidente na forma de a Lei tentar direcionar a pesquisa científica e tecnológica, já que o Art. 9º determina que:

"(...) os institutos, fundações e universidades públicas ou privadas e os órgãos do Sistema Único de Saúde promoverão pesquisas científicas e tecnológicas no sentido da utilização, sem riscos à saúde humana, do asbesto/amianto da variedade crisotiIa, bem como das libras naturais e artificiais referidas no Art. 2ºdesta lei",7

agregando, em seu parágrafo único, que:

"(...) as pesquisas referidas no caput deste artigo contarão com linha especial de financiamento dos órgãos governamentais responsáveis pelo fomento à pesquisa científica e tecnológica",7

o que, aliás, tem ocorrido.

A questão da pesquisa e de seu financiamento seria, neste tema, política e eticamente mais bem administrada, se fosse direcionada para o desenvolvimento de fibras alternativas comprovadamente não agressivas à saúde. Não é justo que o Setor Público financie a pesquisa sobre a utilização da crisotila, sobretudo quando o dispositivo legal que estabelece essa distorção embute em seu texto a falácia do uso da crisotila "sem riscos à saúde humana".

Vale lembrar o princípio universal de que, no manejo de substâncias cancerígenas, com o potencial de malignidade que a crisotila comprovadamente tem, a garantia da ausência de riscos para a saúde humana somente é alcançada com a exposição zero, o que significa sua proibição, como, aliás, já ocorre no Brasil em relação a outras substâncias cancerígenas, listadas no Anexo 13 da NR-15.22

Assim, pelos breves exemplos que foram citados, já se torna claramente visível que, no referente à questão do asbesto, o atual posicionamento brasileiro é extremamente inadequado e inaceitável, se a saúde humana, a vida e o meio ambiente constituírem para a sociedade valores preciosos a serem defendidos tenazmente e se, efetivamente, essa defesa se constituir ancoradouro supremo de todas as políticas públicas de nosso país.

Embora seja compreensível que a indústria do amianto, 110 Brasil e em outros países que mineram e exportam o asbesto-crisotila, tente divulgar o conceito impreciso de que não existem fibras alternativas menos nocivas, já de há muitos anos são conhecidas alternativas tecnológicas relativamente mais seguras para a saúde humana e para o meio ambiente. O estudo da Comissão das Comunidades Européias, que antecedeu a decisão pelo banimento de todas as formas de asbesto, tomada em 1999, é explícito ao afirmar que "existem atualmente disponíveis para todas as aplicações e usos remanescentes da crisotila, substitutos ou alternativas que não são classificados como cancerígenos e que são considerados menos perigosos". Se as alternativas tecnológicas de substituição do asbesto forem consideradas insatisfatórias, é óbvio que mais investimentos em pesquisa tecnológica, referida à Biologia e às Ciências da Saúde fazem-se necessárias. Com razão, o Projeto de Lei n° 2.186/9623 dos deputados Eduardo jorge e Fernando Cabeira, propunha, entre outras providências relativas ao asbesto, 0 redirecionamento temático da pesquisa e redirecionamento político de seu financiamento, expressamente distinto do atualmente estabelecido 110 Parágrafo Único do Art. 9 da Lei n° 9.055/956 (anteriormente criticado), que passaria a ter a seguinte redação: "Os institutos, fundações e universidades públicas promoverão pesquisa de desenvolvimento de fibras alternativas comprovadamente não agressivas à saúde coletiva, e colocarão suas tecnologias gratuitamente à disposição das empresas interessadas."

Inconstitucionalidade da Lei n° 9.055/9566 e do Decreto n° 2.350/977

Na verdade. Senhor Presidente da Comissão de Minas e Energia, e senhores membros da Comissão, vem sendo crescentemente entendido que a Lei n° 9.055/95 e seu respectivo Decreto regulamentador nasceram e permanecem inconstitucionais, em especial o Art. 2º da Lei nº 9.055, posto que permite a extração, industrialização, utilização e comercialização do asbesto/amianto da variedade crisotila (asbesto branco), nas condições estabelecidas na Lei, não obstante a comprovada nocividade da substância ã saúde humana.”

Como se sabe, a referida Lei, de 1° de junho de 1995, ao disciplinar a extração, industrialização, utilização, comercialização e transporte do asbesto (amianto) e dos produtos que o contenham, entre outras medidas, vedou em todo o território nacional, "a extração, produção, industrialização, utilização e comercialização da actinolita, amosita (asbesto marrom), crocidolita (amianto azul), antofilita e da tremolita, variedades minerais pertencentes ao grupo dos anfíbólios, bem como os produtos que contenham estas substâncias minerais", sem o fazer para a variedade crisotila.6

Na compreensão do Ministério Público Federal - e aqui merece ser dado o reconhecimento ao trabalho da Procuradora da República, Doutora Eliana Péres Torelly de Carvalho24, da Procuradoria da República do Distrito Federal -, tal permissão legal contraria frontalmente a Constituição Federal - como se verá adiante - tendo em vista os comprovados efeitos nocivos à saúde humana causados pela inalação de fibras de amianto-crisotila.

Como corretamente entendeu a douta Procuradora da República, em Ação Civil Pública com Pedido de Liminar, que move contra a União, "...necessária se faz a adequação do mandamento legal ao atual estágio do conhecimento científico, que aponta para a necessidade da adoção de medidas tendentes ao banimento do uso da fibra de amianto crisotila.”24

Sob essa óptica, a Lei 11º 9.055/956, na parte em que permite a extração, industrialização, utilização e comercialização de produto comprovadamente nocivo à saúde (asbesto crisotila) é inconstitucional, por violação ao Art. 196 da Constituição Federal25 o qual preceitua:

A saúde é direito de todos e dever do Citado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."25

Como se depreende, a Constituição Federal impõe ao Estado o dever de adotar políticas "que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos". Assim, ante a irrefutável constatação de que o Estado Brasileiro autoriza, tão-somente para atender a interesses econômicos, a utilização pelo público em geral de substância capaz de comprometer seriamente a saúde, considera-se ofendido o artigo em comento, segundo as palavras do Ministério Público Federal, com as quais concordamos plenamente.

Caso tal obviedade ainda não fosse compreendida - prossegue a douta Procuradora da República - a Lei nº8.080/90 ("Lei Orgânica da Saúde")26, em seu Art. 2°, responde de forma cabal, escorreita e induvidosa, qual a natureza dos direitos sociais, ao assinalar expressamente que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

Com o reconhecimento normativo, doutrinário e jurisprudencial de que a saúde é direito fundamental do homem, tem-se que as normas constitucionais referentes à saúde são normas de aplicabilidade imediata e de eficácia plena, caráter esse reconhecido pelo órgão máximo do Poder Judiciário Brasileiro - o Supremo Tribunal Federal (STF) -, a quem cabe a guarda da Constituição. Na decisão do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 238.328-0, o Relator Ministro Marco Aurélio afirma que o preceito do Art. 196 da Carta da República éd e eficácia imediata.

Ainda sob essa óptica, o dispositivo legal questionado, Art. 2º da Lei n° 9.055/956, também implica violação do dever constitucional de controle da produção e comercialização de substâncias que comportem risco para a vida, qualidade de vida e o meio ambiente, expresso no Art. 225, § 1o, V, da Constituição Federal, in verbis:

"Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente."25

Ora, mantendo-se a permissão para a extração, industrialização, utilização e comercialização de produto comprovadamente nocivo à saúde (asbesto-crisotila), configura-se a omissão da União no seu dever constitucional de controle das substâncias que acarretem risco para a vida e para o meio ambiente.

Observe-se também que a Lei nº 8.078/9027 (“Código de Defesa do Consumidor") erige à condição de direito básico do consumidor “a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos" (Art. 6º, I), direito este que vem sendo desrespeitado pelo Poder Público Federal, que se omite diante de ameaça de tamanha magnitude.

Para a douta Procuradora da República, na Ação Civil Pública que move contra a União, está havendo "omissão da União em seu dever de normatizar a utilização do amianto branco, com vistas a sua progressiva eliminação.''24

Com efeito, a própria Lei n° 9.055/95° prevê em seu Art. 3ºa atualização periódica das normas infrale-gais de utilização do amianto da variedade crisotila, in verbis:

"Art. 3º Ficam mantidas as aluais normas relativas ao asbesto/amianto da variedade crisotila e às fibras naturais e artificiais referidas no artigo anterior, contidas na legislação de segurança, higiene e medicina do trabalho, nos acordos internacionais ratificados pela República federativa do Brasil e nos acordos assinados entre os sindicatos de trabalhadores e os seus empregados, atualizadas sempre que necessário." (grifo do autor)

Como se pode observar, a Lei contém disposição destinada a permitir sua constante adequação ao avanço tecnológico e às novas descobertas da Medicina, que, conforme demonstrado, atualmente apontam para a necessidade de banimento do uso do amianto.

Na Ação Civil Pública com Pedido de Liminar, o Ministério Público Federal requer, entre outras medidas, a declaração incidental da inconstitucionalidade do Art. 2º da Lei nº 9.055/95.6

Qual a Resposta do Poder Executivo e do Poder Legislativo à Moção n° 30 do CONAMA (2001),r?

É nossa compreensão, Senhor Presidente da Comissão de Minas e Energia e senhores membros desta Comissão, que, no âmbito do Poder Executivo, as bases conceituais e o princípio de um cronograma de "banimento progressivo" de amianto no Brasil, já haviam alcançado um patamar de interessante consenso, no Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), já em 2001.

Com efeito, o CONAMA, por solicitação do Ministro de Estado do Meio Ambiente, criou um grupo de trabalho no âmbito da Câmara Técnica de Controle Ambiental, especificamente para tratar fia questão do amianto. Tal como informado pelo então Secretário Executivo do MMA, "ao final das discussões, e tendo em vista suas limitações jurídicas para se manifestar sobre um assunto já disciplinado por Lei e Decreto o Federal, o CONAMA elaborou a Moção n° 30, de 25/10/2001 que foi enviada à Casa Civil da Presidência da República, com vistas ao Congrego Nacional."17

Nesta Moção, o CONAMA deixava claro no preâmbulo que havia suficientes motivos para preocupações relativas ao problema, pois a documentação da Organização Muntlial da Saúde, em especial o Critério Saúde Ambiental n" 20.V, de 1996, sobre amianto-crisotila, é explícita em afirmar que "a exposição ao amianto-crisotila aumenta os riscos de asbestose, câncer de pulmão e mesotelioma (...)".

Por outro lado, corretamente entendia o CONAMA que a Convenção nº 162 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)8, ratificada pelo Brasil em 1991, já estabelece que "a legislação nacional adotada (...) deverá ser revisada periodicamente à luz dos progressos técnicos c do desenvolvimento dos conhecimentos científicos".

A mesma Convenção nº162, da OIT8, ratificada pelo Brasil, em 1991, estabelece, também, que, sempre que possível, a primeira medida de proteção da saúde dos trabalhadores deve ser a "substituição do asbesto ou de certos tipos de asbesto ou de certos produtos que contenham asbesto, por outros materiais ou produtos ou a utilização de tecnologias alternativas, cientificamente reconhecidas pela autoridade competente como inofensivos ou menos nocivos", e como segunda medida, "a proibição total ou parcial da utilização do asbesto ou de certos tipos de asbesto ou de certos produtos que contenham asbesto em determinados processos de trabalho" (grifos nossos).

Para o CONAMA, "o desenvolvimento tecnológico permitiu a redução das poeiras de amianto nos ambientei de trabalho, das indústrias e da mineração, para níveis mais rigorosos, o que não acontece ao longo da cadeia comercial de prestação de serviços dos produtos que utilizam fibras de amianto crisotila" (grifo nosso).

Contudo, a regulamentação federal não pôde avançar naquela época - e talvez ainda não o possa por se tratar de matéria ainda disciplinada por Lei Federal nº 9-055/956 e o Decreto Federal nº 2.3 50/977 Caberia, portanto, ao Congresso Nacional se pronunciar sobre o assunto, com a edição de nova lei, ou a Presidência da República, enviando Projeto de Lei à consideração do Congresso Nacional.

Diante do impedimento, o CONAMA aprovou, em 2001. Moção17 dirigida ao Congresso Nacional, à Presidência da República, aos Ministros da Saúde, das Minas e Energia, do Trabalho e Emprego, do Desenvolvimento da Indústria e Comércio Exterior, recomendando nove medidas na direção do banimento progressivo do amianto-crisotila, dispondo-as seqüencialmente, tal como também adotado em países desenvolvidos, haja vista o cronograma de proibições progressivas da utilização do amianto-crisotila, adotado por países europeus e, depois, pela União Européia, e que culmina com o banimento total do amianto-crisotifa, a partir de janeiro de 2005.

O cronograma elaborado pelo CONAMA, ainda que sujeito a algumas críticas do ponto de vista técnico, ao menos oferece um norte à discussão, além de conceder às empresas prazo razoável para a adequação até o banimento definitivo da crisotila.

Para sua adoção, entretanto, é imprescindível a urgente decretação da inconstitucionalidade da Lei nº 9.055/956 que permite a extração, industrialização, utilização e comercialização da crisotila, a despeito de seus efeitos maléficos. Essa é a óptica do Ministério Público Federal, que coincide com a nossa visão sobre a matéria.

O importante, como bem destaca a Dra. Eliana Péres Torelly de Carvalho, na Ação Civil Pública, é que "a União, utilizando-se dos subsídios já fornecidos pela moção do Conselho Nacional do A teia Ambiente (CONAMA), adote um cronograma de progressiva eliminação do uso das fibras de amianto, de molde que também atenta ao problema social que representaria uma imediata supressão da atividade, não perdesse de vista o que se reputa como valores fundamentais resguardados pela nossa ordem constitucional, quais sejam, o direito à vida e à saúde".24

Quanto ao perigo na demora, entende a douta Procuradora da República, que "há que se observar a razão de ser da adoção de um cronograma ê a própria necessidade de planejamento e segurança das relações sociais. Esta peculiaridade temporal, antes de afastar o requisito da urgência, enfatiza-o, pois é prova que da necessidade de um prazo de acomodação para adaptação às novas condições. De relevar-se ainda que a adoção do cronograma implica também a proibição imediata em relação a alguns usos das fibras de amianto crisotila (brinquedos e artefatos de papel ou papelão), a demandar urgente deliberação".24

Com efeito, na Ação Civil Pública, pede o Ministério Público, liminarmente, que seja imposta à União obrigação de fazer, tomando como referencial o cronograma de banimento do amianto-crisotila proposto pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente.

Para Concluir

Senhor Presidente da Comissão de Minas e Energia, senhores membros da Comissão: a imposição do tempo nos obriga a concluir este depoimento. Contudo, permitam-nos que o façamos conclamando, a uma só vez, os dignos representantes do Poder Legislativo e do Poder Executivo aqui presentes nesta “casa do povo".

Como médico, e aqui porta-voz da classe médica brasileira, e como profissional comprometido com a Saúde Pública, e cidadão, sentimo-nos na obrigação de, em primeiro lugar, conclamá-los pelo lado do dever da obrigação: a sociedade brasileira lhes delegou a obrigação de dar encaminhamento à solução deste grave problema de saúde pública - seqüela do atraso em que vivemos - e não lhes deu outorga para postergar sine die, ad infínitum... A Lei de 19955 - desde então utilizada como escudo e álibi - nasceu velha e claramente vinculada a interesses econômicos localizados, passando por cima do enorme acúmulo de conhecimento sobre os riscos à saúde das pessoas e os riscos ao meio ambiente decorrentes da inalação da crisotila extraída para fins comerciais. O Decreto Regulamentador de 19977não teve os graus de liberdade para corrigir essas distorções. Pelo contrário: consagrou-as. A Moção do CONAMA17, de 2001, apesar de sua lucidez, ou por causa dela, foi ignorada e arquivada em algum arquivo morto... E agora, a Comissão Interministerial, criada em abril deste ano, vê-se aqui questionada cm sua legitimidade. Em abril deste ano, ela tinha seis meses para concluir seus trabalhos, e já se passaram sete, e nós, da sociedade civil, ainda não conhecemos nenhum resultado de seus trabalhos. Redir-se-á, certamente - se já não se pediu outros seis meses ou seis anos, e com isso vai-se "empurrando com a barriga" - no dizer vulgar como se não existisse o periculum in mora, isto é, o perigo na demora. A sociedade civil organizada certamente irá cobrar do Poder Legislativo e do Poder Executivo aquilo que nós chamamos de omissão e negligência - para não tipificar "crime de responsabilidade", neste caso, do Poder Executivo. Esta é uma denúncia e uma cobrança que fazemos aos dignos representantes tio Poder Legislativo e aos dignos representantes do Poder Executivo!

Mas, além do lado do dever e da obrigação, que eventualmente poderiam vir a atenuar a caracterização de omissão e de negligência no trato da res publica - coisa pública - gostaríamos de conclamar o Presidente da Comissão de Minas e Energia, os membros desta Comissão, os membros da Comissão Interministerial aqui presentes, os membros do Grupo de Trabalho criado pelo Ministério de Minas e Energia aqui presentes, e os demais presentes neste auditório, para que tivessem a sensibilidade política para notarem que, além do dever e ria obrigação, indefegáveis e inescusáveis, esta é uma oportunidade e um privilégio, sem precedentes, de contribuir para reduzir um pouco a enorme dívida social com o povo brasileiro e com os trabalhadores - principalmente os sem voz e de avançar na direção da cidadania plena! Certamente a biografia dos senhores seria enriquecida, e a história das instituições que os senhores representam tornar-se-ia mais digna e respeitada. Este é um convite!

Cremos e defendemos o princípio de que "Saúde Pública é aquilo que nós, enquanto uma sociedade, fazemos, coletivamente, para assegurar as condições nas quais as pessoas podem ser saudáveis".28 Cremos e trabalhamos com o conceito renovado de Promoção da Saúde, como "processo mediante o qual os indivíduos e as comunidades estão em condições de exercer um maior controle sobre os determinantes da saúde e, deste modo, melhorar seu estado de saúde."29 Portanto, esta pode ser uma excelente oportunidade para, além de atender às obrigações legais, juntos trabalharmos pela promoção da saúde e da qualidade de vida dos cidadãos brasileiros, não como dádivas concedidas pelo Poder Público, mas como conquistas, ainda que tardias, de longas e sofridas lutas de nosso povo, de nossos trabalhadores - principalmente os sem voz -, da sociedade civil organizada, das organizações não-governamentais, dos que militamos na saúde, e de muitos outros. Aproveitem esta oportunidade! Este é o convite que fazemos aos dignos representantes do Poder Legislativo e aos dignos representantes do Poder Executivo!

Em suma, Senhor Presidente e senhores membros da Comissão de Minas e Energia: nossa posição é pela absoluta e inegociável priorização da defesa da vida, da saúde e do meio ambiente, como critério norteador para as urgentes medidas legais necessárias, e pela imediata discussão e definição, junto com a sociedade brasileira, do processo de banimento do amianto-crisotila no Brasil, resumindo-se nosso pleito, em quatro pontos:

• o apoio e respeito ao trabalho da Comissão Interministerial, enquanto ela não se afastar de seus compromissos com a defesa da vida, da saúde e do meio ambiente;

a exigência de cumprimento de um cronograma de trabalho para a Comissão Interministerial, que leve em consideração a expectativa da sociedade brasileira, em função da gravidade do Periculum in mora;

a exigência de que a Comissão Interministerial priorize, em seu trabalho, a defesa da proteção da vida, da saúde e do meio ambiente e, consistentemente, tenha a coragem de propor e estabelecer o progressivo banimento da extração, beneficiamento, transporte, industrialização, comercialização, consumo e exportação do amianto-crisotrla em nosso país, com etapas concretas e prazos definidos,

que o Poder Executivo, com base no trabalho expedito e claro da Comissão Interministerial18, elabore e envie Projeto de Lei ao Congresso Nacional, que corrija os erros da Lei 9055/95, e coloque o Brasil no patamar em que, há muito tempo, deveria estar, em matéria de proteção da saúde de seus cidadãos, por meio da eliminação do risco evitável e injustificada, criado e mantido pelas atividades de extração, beneficiamento, transporte, industrialização, comercialização e exportação do amianto-crisotila.

É o que tínhamos a dizer como depoimento inicial, nesta Audiência Pública.

Muito obrigado!

 

REFERÊNCIAS

1. World Health Organization. International Programmc on Chemical Safety (IPCS). Chrysotile Asbeslos, Geneva: World Health Organization; 1998. Environmental Health Criteria, 203.

2. Ciannasi F. O amianto no Brasil: uso controlado ou banimento? Rev Bras Saúde Ocup 1994; 22(831:17-24.

3. U.S. Environmental Protection Agency (EPA), [apud] Nicholson, 2000. Airborne asbestos health assessment update. Washington, de : EPA: 1986. EPA/600/8-84/OOF.

4. Brasil. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). [Citado em 15 mar. 2004) Disponível em: http://www.mte.gov.br/Trabalhador/CLT/default.asp.

5. Brasil. Ministério do Trabalho. Limites de tolerância para poeiras minerais - asbestos, Portaria nº 1, de 28/5/1991, altera o Anexo nº 12, da Norma Regula montadora nº 15, que institui os "limites de tolerância para poeiras minerais-asbestos," Brasília; 1991.

6. Brasil. Lei nº 9.055, de 01/106/1995. Disciplina extração, industrialização, utilização, comercialização e transporte do asbesto/amianto e dos produtos que o contenham, bem como das fibras naturais ou artificiais, de qualquer origem, utilizadas para o mesmo fim e dá outras providências. Diário Oficial da União, 02/06/1995. [Citado em 8 jul. 2004] Disponível em: http://www.soleis.adv.br/.

7. Brasil, Decreto nº 2.350, de 15/10/1997. Regulamenta a Lei nº 9.055, de 01/06/1995, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 16/10/1997. [citado em 8 jul. 2004] Disponível em: http://www.soleis.adv.br/.

8. Organizacion Internacional del Trabajo (OIT). Oonvención sobre utilización dei asbesto en condiciones de seguridad. Cirtebra: OIT; 1980, Convencién 162.

9. Becklake M. Asbestos-related diseases. In: Stellman JM, editor. Eneydopaedia of occupational health and safety. 4th ed. Geneva: International Labour Office; 1998. p. 10.30-10.63.

10. Commission of the European Communities. Council Conclusions of 7 April 1998 on the protection of woriters agairisi the risks from exposure to asbestos (98/C 142/01). Official Journal, C 142, 7 May 1998, p. 1-2.

11. Commission of the European Communities. Commission Dircctive 1999/77/EC of 26 July 1999, adapting to technical progress for the sixth time Annex I to Council Directrve 76/769/EEC on the appmximation of the laus, regulations and administrative provisions of the Member Sales rela ti ng to restrictions on the marketing and use of certain dangerous substances and preparations (asbestos). Official Journal, L 207, 6 August 1999, p. 18-20.

12. Decreto nº 875, de 19 de julho de 1993. Promulga o texto da convenção sobre o controle de movimentos transfronteiros de Resíduos Perigosos e seus Depósito, [citado em 15 mar. 2004], Disponível em: http://www.abihpec.org.br/LA/LA_LF.htm.

13. U.S. Occupational Security and Health Administration (OSHA). Revision on risk assessment of 1986 and 1994. Permited Exposure Limits (PEL), Washington (de ); OSHA; 1994.

14. Stayner L, Sniith R, Bailer J, Gilbert 5, Steenland k, Dement J, Brown D, Lemen R. Exposure-response analvsis of risk of respiratory disease associated with occupational exposure to chrysotile asbestos. Occup Environ Med 1997; 54:646-52,

15. Resolução CONAMA: Nº 007, Ano 1987 - "Dispõe sobre a regulamentação do uso do Amianto/Asbestos no Brasil" - Data da legislação: 16/09/1987 - Publicação DOU; 22/10/1987 (Citado em 15 mar. 2004] Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama,

16. Decreto nº 126, de 22 de Maio de 1991. Promulga a Convenção nº 162, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre a Utilização do Asbesto com Segurança. [citado em tí jul. 2004] Disponível em: http://www.soleis.adv.br/.

17. Moção CONAMA: n- 030, Ano 2001 - "Dispõe sobre o Banimento Progressivo do Amianto." - Data da legislação; 25/10/2001 - Publicação BS/M MA: 06/12/2001 2004 [Citado em 15 mar. 2004], Disponível em: http//vww.mma.gov.br/port/conama.

18. Brasil, Ministério do Trabalho e Emprego. Fartaria Interministerial nº 08, de 19 de abril de 2004 (D.O.U. de 20/04/2004) "Cria Comissão Interministerial para elaboração de uma política nacional relativa ao amianto/ asbesto". [Citado em 15 mar. 2004]. Disponível em: http://www.mte.gov.br/Émpregfidor/SegSau/legislacaoPortarias/2004/Conteudo/3577.asp.

19. Brasil. Ministério de Minas e Energia, Secretaria de Minas e Metalurgia. Portaria Conjunta nº 197, de 16 de julho de 2004, da Secretaria de Minas e Metalurgia, do Ministério de Minas e Energia, Portaria Conjunta No-197, de 16 de Julho de 2004 D.O.U. de 20/07/2004. [Citado em 15 mar. 2004], Disponível em: http://www.crea-rj.org.br/webradio/planeta terra/Am>2004/noticias/portaria.hrm.

20. Resolução CONAMA: nº 348, Ano 2004 - "Altera a Resolução COKIAMA nº 307, de 3 de julho de 2002, incluindo o amianto na classe de resíduos perigosos. " -Data da legislação: 16/08/2004 - Publicação D.O.U.: 17/08/2004 [Citado em 15 mar, 2004], Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama.

21. Associação Brasileira dos Expomos ao Amianto (ABREA). OIT - Recomendação 172 sobro o asbesto. [Citado em 15 mar. 2004), Disponível em: http://www.abrea.cnm.br/19_1leis.htm.

22. Brasil. Ministério do Trabalho, Substâncias Cancerígenas. Norma Regulamentadora nº 15, Anexo nº 13. Brasília; 1978.

23. Projeto de Lei nº 2.186/96 dos deputados Eduardo Jorge e Fernando Gabeira.

24. Parecer da Dra. Eliana Péres Torelly de Carvalho Pedido de Liminar. Mimeografado.

25. Brasil. Constituição Federal do Brasil de 1988. "Capítulo VI do Meio Ambiente - Art. 196 - p. 9. [citado em 14 mar. 2004], Disponível em: http://www.mnna.gov.br/port/conama.

26. Brasil, Leis e Decretos. Lei n] 8.080/90 Lei Orgânica da Saúde. [citado em 18 mar. 2004] Disponível em: http://www.lei.adv.br/8080-90.htm.

27. Brasil. Leis e Decretos, Lei nº 8.078 Código de Defesa do Consumidor (CDG de 11 de set. 1990. Código de Defesa do Consumidor, [citado em 02 maio 2004]. Disponível em: http://www.mj.gov.br/DPde /servioJs/legislacao/cde .btm.

28. Gommittee for Sludy of the Future of Public Health, 1988, The Future of Public Health, [cited 2004 may 02]. Available írom: http://books.nap.edu/catalog/1091.html.

29. U.S. Department of Labor, Final risk: asbeslos. Federal Register 51 FR 22612, June 20; 1986.

 

* Depoimento, como Presidente da Associação da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), na Audiência Pública sobre Amianto-Crisotila, promovida pena Comissão de Minas e Energia da Câmara Federal, Brasília (DF), em 24 de Novembro de 2004.


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