Fernanda Sucasas Frison1; Herling Gregorio Aguilar Alonzo1; Inajara de Cassia Guerreiro2; Elaine Cristina Paixão de Oliveira2
DOI: 10.47626/1679-4435-2022-963
RESUMO
INTRODUÇÃO: Os trabalhadores da saúde estão constantemente expostos ao vírus da hepatite B durante a atividade laboral.
OBJETIVOS: Analisar a cobertura vacinal contra a hepatite B e a presença do anticorpo contra o antígeno de superfície da hepatite B (anti-HBs) entre profissionais e estudantes da área da saúde que sofreram acidente com material biológico em um complexo hospitalar universitário.
MÉTODOS: Tratou-se de um estudo descritivo, retrospectivo e quantitativo, baseado na análise dos dados das fichas de notificação (n = 2.466) dos acidentes ocorridos no período de 2011 a 2020.
RESULTADOS: As mulheres (69,5%), os residentes de medicina (35,7%) e os técnicos e auxiliares de enfermagem (25,5%) foram os que mais se acidentaram. Quanto ao estado vacinal dos trabalhadores de saúde para hepatite B, 98% declararam ter o esquema vacinal completo, e a presença de anti-HBs reagente foi detectada em 90,9%. Quanto às características dos acidentes, houve prevalência de exposição percutânea (76,4%), e sangue foi o material orgânico mais comumente envolvido (79,4%).
CONCLUSÕES: Os achados demonstram que, apesar do risco de contaminação para o vírus da hepatite B associado a acidentes no ambiente de trabalho, os profissionais estavam protegidos devido à elevada cobertura vacinal e à imunidade comprovada.
Palavras-chave: acidentes de trabalho; vacinas contra hepatite B; anticorpos anti-hepatite B; trabalhadores da saúde.
ABSTRACT
INTRODUCTION: Health care workers are often exposed to hepatitis B infection during the course of their professional roles.
OBJECTIVES: To analyze the hepatitis B vaccination coverage and the presence of antibodies against hepatitis B among health care professionals who were exposed to contaminated biological material at a hospital complex.
METHODS: This descriptive, retrospective, and quantitative study is based on the analysis of accident notification form data (n = 2,466) from a hospital complex covering the period between 2011 and 2020.
RESULTS: Among the affected individuals, women (69.5%), medical residents (35.7%), and nursing staff (25.5%) accounted for the highest proportion of hazards. Regarding vaccination status, 98% of the health care professionals reported being fully immunized, and antibodies were detected in 90.9% of the participants. Percutaneous exposure (76.4%) was the most prevalent type of hazard, with blood being the most commonly involved material (79.4%).
CONCLUSIONS: The findings show that despite the risks of Hepatitis B contamination associated with the incidents, the professionals were protected due to the high vaccination coverage and evidence of immunity.
Keywords: occupational exposure; hepatitis B vaccines; hepatitis B antibodies; health personnel.
INTRODUÇÃO
A infecção pelo vírus da hepatite B (VHB) é um problema de saúde pública no mundo devido ao elevado número de portadores do agente etiológico, estimados em 257 milhões de pessoas cronicamente infectadas, o que aumenta o risco de morte devido às doenças hepáticas e traz prejuízos à qualidade de vida do indivíduo, além do ônus financeiro ao sistema público1,2.
No Brasil, entre 1999 e 2020, foram notificados 254.389 casos confirmados de infecção pelo VHB, com maior frequência nas regiões Sudeste e Sul3. A taxa de detecção no país era de 2,9 casos para cada 100 mil habitantes em 2020, apresentando tendência à queda desde 20143. O total de óbitos associados às hepatites virais entre 2000 e 2019 registrados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) foi de 78.642 casos, sendo 21,3% deles relacionado ao VHB3.
A hepatite B destaca-se entre os tipos existentes de hepatites virais devido à alta transmissibilidade e às diferentes vias de contágio, que envolvem transmissão vertical, relação sexual, compartilhamento de agulhas ou seringas e exposição a agulhas ou outros instrumentos cortantes contaminados que rompem a barreira da pele4.
Qualquer indivíduo pode ser exposto ao VHB; no entanto, existem grupos que apresentam maior risco, como pacientes que realizam hemodiálise, recém-nascidos de mães infectadas, homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo, pessoas que injetam drogas e profissionais de saúde e segurança pública4.
A prevalência da infecção pelo VHB entre profissionais da área da saúde (PAS) pode ser até quatro vezes maior do que a população geral5. O acidente que acontece durante o exercício da profissão é um acidente de trabalho e está associado ao ambiente, às condições e à organização laboral. No caso do acidente de trabalho com exposição a material biológico (ATMB), existe o risco de contaminação durante a assistência ao paciente, podendo ocorrer a exposição por meio de picadas de agulhas ou outros ferimentos contaminados com sangue/fluidos corporais nas membranas mucosas e pele não íntegra5.
Vale salientar que os ATMBs representam risco de contaminação dos vírus da imunodeficiência humana (HIV), VHB e vírus da hepatite C (VHC) e requerem avaliação quanto ao tipo de exposição, à extensão e gravidade do ferimento, ao agente causador e à situação sorológica do caso fonte6.
O risco de infecção depois de uma exposição percutânea com perfurocortantes contaminados pode ser de 6 a 31% para hepatite B6. Quando um ATMB ocorre, deverão ser feitas a comunicação do acidente de trabalho à Previdência Social e a notificação compulsória ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)7.
A vacinação contra o VHB é a principal medida de proteção individual e coletiva, eficaz, segura e gratuita, que faz parte do calendário vacinal infantil desde 1998 e é recomendada para toda população desde 20168. A imunização ocorre por meio da aplicação de três doses da vacina via intramuscular (esquema 0, 1 e 6 meses), e a taxa de eficácia varia de 90 a 95% em pessoas saudáveis8.
Os PAS que têm o esquema vacinal completo contra o VHB e também o resultado do exame de anticorpos contra o antígeno de superfície da hepatite B (anti-HBs) reagente, com valor igual ou superior a 10 mUI/mL, não correm risco de infecção1,4,5. A verificação do anti-HBs para comprovar a proteção da vacinal entre os PAS é uma medida indicada pelo Ministério da Saúde9, além da apresentação de comprovante vacinal na contratação em instituições públicas e privadas. No caso dos PAS que sofrem ATMB com caso fonte positivo para o VHB e sem valores de anti-HBs reagente, está indicada a profilaxia com imunoglobulina hiperimune contra hepatite B10.
No Brasil, a realização do teste anti-HBs após a vacinação não é prática de rotina no sistema público de saúde devido à alta eficácia da vacina; porém, em situações específicas, como no manejo após ATMB, essa informação é necessária10,11.
Em relação à prevenção da infecção decorrente de ATMB entre os PAS, além da vacinação contra VHB, é necessária a adoção das medidas de precauções padrão, que incluem: lavagem das mãos; descarte adequado de instrumentais, resíduos químicos e tóxicos; utilização de dispositivos com agulhas retráteis e sistemas protetores de agulhas; e uso de equipamentos de proteção individual (EPI) – luvas, roupas de isolamento, proteção facial12.
Considerando que a vacinação é a medida fundamental para evitar a infecção ocupacional pelo VHB1,5,8,12, o presente estudo objetivou analisar a cobertura vacinal contra hepatite B e a presença do anti-HBs entre os profissionais e estudantes da área da saúde que sofreram ATMB em um complexo hospitalar universitário.
MÉTODOS
Tratou-se de um estudo descritivo e retrospectivo de uma série de casos, realizado a partir das fichas de notificação dos ATMBs ocorridos entre janeiro de 2011 e dezembro de 2020 no complexo hospitalar da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A Unicamp está localizada no interior do estado de São Paulo, no município de Campinas, cuja área de saúde conta com dois hospitais, quatro centros especializados e diversos ambulatórios, onde são feitos procedimentos de alta complexidade e atividades ligadas a ensino, pesquisa e extensão. Os PAS expostos aos ATMBs que ocorrem na instituição são atendidos e notificados pelo Programa de Risco Biológico do Centro de Saúde da Comunidade (CECOM) desde 2011, seguindo as rotinas estabelecidas no protocolo do Ministério da Saúde10.
As diversas categorias profissionais e ocupações foram nomeadas e agrupadas em médicos, médicos-residentes, enfermeiros, outros profissionais de nível superior (biomédicos, biólogos, dentistas, fisioterapeutas, farmacêuticos, fonoaudiólogos e psicólogos), técnicos e auxiliares de enfermagem, técnicos da área da saúde (técnicos de necropsia, radiologia e laboratório e auxiliares de odontologia e laboratório), alunos de graduação da área da saúde (estudantes de medicina, enfermagem, fonoaudiologia, biologia, biomedicina e fisioterapia), estagiários e profissionais da higiene e limpeza.
Optou-se por separar os médicos assistentes dos médicos-residentes por se tratar de vínculos distintos na instituição e no exercício da profissão.
Para análise da situação vacinal em relação à hepatite B e ao estado sorológico, foram utilizadas as seguintes variáveis: esquema vacinal completo (três doses ou mais); incompleto (menos de três doses); não vacinado; titulação de anti-HBs (<10 mUI/mL para não reagentes e >10 mUI/mL para reagentes); e antígeno de superfície do VHB (HBsAg) positivo ou negativo nos casos fonte conhecidos, ou seja, dos pacientes que estavam envolvidos no acidente e nos quais foi possível realizar a coleta do exame.
Nos casos em que o PAS sofreu mais de um acidente no mesmo ano ou ao longo do período estudado, foram consideradas a primeira notificação de cada pessoa para avaliar o estado vacinal, selecionando aqueles que tiveram resultado não reagente para o anti-HBs, e a necessidade de indicação da vacina contra o VHB.
Quanto às características do ATMB e à relação com o estado vacinal do PAS (esquema completo ou incompleto), as seguintes variáveis foram avaliadas: tipo de exposição, material orgânico envolvido e uso de EPI.
Para as análises, os dados selecionados foram incluídos em planilha do Microsoft Excel 2016, e foram utilizados os softwares Statistical Package for the Social Sciences versão 20 e Minitab 16. A avaliação de associação foi feita com uso dos testes qui-quadrado ou exato de Fisher e o teste de igualdade de duas proporções. Nas variáveis com três ou mais respostas, a comparação deu-se com a mais prevalente, que está sinalizada nas tabelas como referência (Ref). Os valores de p menores que 5% foram considerados estatisticamente significantes.
Os aspectos éticos da pesquisa foram respeitados, conforme diretrizes da resolução n.º 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, e o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade sob Parecer n.º 3.510.458/2019.
RESULTADOS
O total de fichas de notificação analisadas foi de 2.466, porém houve perda de dados em fichas que estavam incompletas. Conforme a Tabela 1, o sexo feminino teve maior representatividade, com 1.715 PAS (69,5%), e, entre as mulheres, 26 (1,5%) relataram gravidez no momento do ATMB.
A idade dos PAS variou de 16 a 70 anos, com média de 32,6 anos. Quanto à cor da pele autodeclarada, houve maior prevalência da cor branca (2.186; 88,6%). O nível superior completo foi predominante (1.515; 61,4%), e os PAS que mais notificaram acidentes foram os residentes de medicina (35,7%). Portanto, conforme a Tabela 1, existe significância estatística nos fatores demográficos analisados (p < 0,05).
Em relação ao número de doses da vacina contra a hepatite B no momento da notificação do acidente, a maioria (2.417; 98%) referiu ter três doses ou mais da vacina, 28 (1,2%) não completaram o esquema vacinal (menos de três doses), 9 (0,3%) não foram vacinados, e 12 (0,5%) não tinham essa informação.
Na Tabela 2, estão expostas as análises quanto às associações da vacinação contra hepatite B (esquema completo e incompleto) com o perfil dos ATMBs (tipo de exposição e material orgânico envolvido), o resultado de anti-HBs (reagente ou não reagente), o uso de EPI e a categoria profissional. Nota-se que existe relação estatística do esquema vacinal para hepatite B com resultado anti-HBs, material orgânico envolvido e atividade ocupacional. No resultado da relação com o exame do anti-HBs, o índice de não reagente ficou em 6% entre os completos e em 100% nos incompletos. Já o índice reagente ficou em 94% entre os completos e em 0% entre os incompletos (p < 0,001).
Na relação da vacinação com a atividade ocupacional, destaca-se que todos os alunos de pós-graduação em saúde, os enfermeiros e os estagiários tinham esquema vacinal completo. Já entre os médicos, o índice ficou em 6,6% entre os completos e em 3,6% entre os incompletos. Apesar de a proporção de profissionais de higiene e limpeza não ser uma das profissões mais frequentes, destaca-se a maior diferença no índice de 3,1% entre os completos e de 42,9% entre os incompletos.
Quanto às três características dos ATMBs analisadas entre os PAS com esquema vacinal completo e incompleto, respectivamente, o sangue foi o material orgânico envolvido com maior frequência em 79,7 e 53,6%, a exposição percutânea, em 76,3 e 78,6% e a utilização do EPI, em 88,9 e 96,3%.
Os valores do exame sorológico anti-HBs para comprovar a imunidade apresentaram resultados reagentes (>10 mUI/mL) em 2.242 (90,9%) dos PAS e não reagentes (<10 mUI/mL) em 184 (7,47%) dos PAS; esse dado não estava disponível em 40 (1,63%) casos.
Considerando apenas a primeira notificação do acidente de cada PAS, sem as reincidências, o número cai para 1.908 casos. Entre estes, 152 tiveram resultados não reagentes para o anti-HBs (Tabela 3). Destes, 86 tinham o registro de encaminhamento para vacinação, que foi indicada pelo profissional responsável no atendimento do Programa de Risco Biológico.
De acordo com a Tabela 3, nos 86 casos com indicação para vacina, 75,6% tiveram indicação para quarta dose, sendo um índice estatisticamente diferente dos demais.
Quanto aos casos fonte dos ATMBs, ou seja, os pacientes envolvidos nos acidentes em que foi possível a coleta de sorologias, 2.203 (89,4%) eram conhecidos; o marcador sorológico (HBsAg) foi positivo em 15 casos (0,61%); e a presença do anticorpo do core da hepatite B (anti-HBc), que indica infecção atual ou prévia, foi identificada em 188 (7,6%) pacientes.
Três PAS, um residente de medicina (com esquema vacinal completo), um profissional da higiene e limpeza (com esquema vacinal incompleto) e um técnico de laboratório (não vacinado) acidentados receberam profilaticamente a imunoglobulina, pois apresentaram níveis de anticorpos anti-HBs < 10 mUI/mL e sofreram o ATMB com pacientes fonte positivos para hepatite B (HBsAg positivo).
Em relação ao acompanhamento, conforme protocolo do Ministério da Saúde10, até o final da coleta dos dados no período estudado, 1.775 (72%) dos PAS haviam recebido alta, 423 (17,2%) receberam alta sem soroconversão daqueles que ficaram em seguimento ambulatorial, enquanto 268 (10,9%) abandonaram o seguimento. Não houve casos de soroconversão para o VHB.
DISCUSSÃO
Constatou-se que tanto a equipe médica quanto a de enfermagem representam as categorias com mais acidentes, e esse resultado é esperado por serem profissões que atuam diretamente com o paciente13-15. Houve predomínio do sexo feminino e de adultos jovens entre os que sofreram ATMB, em concordância com outros trabalhos nacionais1,11,14,16.
O complexo hospitalar da Unicamp conta com dois hospitais-escola de nível terciário e com médicos-residentes no quadro de trabalhadores, sendo estes a categoria profissional que mais se acidentou quando analisamos os dados isoladamente por ocupação.
Isto pode ser explicado, em parte, pela residência médica ser um processo de especialização iniciado muitas vezes após a finalização da graduação, portanto, composta por profissionais menos experientes, aliado ao elevado número de horas trabalhadas (60 h/semanais), à grande demanda de pacientes, à privação do sono e ao cansaço17.
Nesses hospitais, são realizados procedimentos de alta complexidade que requerem intervenções invasivas e cirúrgicas, com o uso de instrumentos cortantes, justificando-se a elevada prevalência dos ATMBs decorrentes de exposição percutânea e com sangue como material orgânico envolvido. Segundo dados da literatura, ferimentos percutâneos causados por materiais perfurocortantes contaminados representam maior risco de infecção por patógenos transmitidos pelo sangue2,5,6.
Em relação ao ambiente de trabalho, a literatura aponta os seguintes fatores que potencializam os riscos para ocorrência dos ATMBs: falta de treinamento na utilização de tecnologias; sobrecarga do serviço; pouca oferta de material; equipe de saúde reduzida; descarte inadequado de material contaminado; recipientes de descarte superlotados; pressa nos procedimentos; e poucos programas educativos visando à sensibilização dos PAS para adesão das precações padrão12,13,18.
A adesão às precauções padrão também se constitui como medida essencial de segurança aos PAS, e sua ausência eleva o risco de exposição aos fluidos biológicos2,12,13. Embora a prática do uso adequado de EPI seja conduta obrigatória, nem sempre é adotada: no presente estudo, 11% dos PAS não estavam utilizando EPI no momento do acidente.
A compreensão dos motivos que levam os PAS a não aderir ao EPI durante as atividades assistenciais é importante na elaboração de estratégias de prevenção. Entre eles, são relatados falta de consciência a respeito dos riscos, hábitos, indisponibilidade do material, tamanhos inadequados, sobrecarga de trabalho, falta de atenção, pressa, inabilidade técnica, excesso de autoconfiança e estresse12,15,19.
A baixa frequência do HBsAg reagente entre os casos/pacientes fonte conhecidos demonstra uma menor endemicidade do VHB na região, resultado semelhante ao encontrado em um estudo de base populacional multicêntrico em que a maior parte do território brasileiro revelou endemicidade intermediária e baixa para a infecção pelo vírus, sendo reflexo da alta cobertura vacinal decorrente do Programa Nacional de Imunização20.
Foi encontrada no estudo uma prevalência de 98% dos PAS com vacinação completa (três doses ou mais) contra a hepatite B. Essa taxa foi superior à observada por Assunção et al.21, que, em um estudo transversal, avaliaram 1.808 trabalhadores da saúde em Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, encontrando um percentual de 74,9%. Ressalta-se a diferença na cobertura vacinal relativa ao nível de escolaridade, estando os profissionais com ensino fundamental em proporção até três vezes maior entre os não vacinados quando comparados aos profissionais com ensino superior21.
No presente estudo, os profissionais da higiene e limpeza apresentaram menor cobertura vacinal quando comparados com outras profissões e estudantes, possivelmente associada com a menor escolaridade, sendo que 34,4% desses PAS tinham ensino fundamental incompleto.
A elevada cobertura de vacinação completa também foi superior à encontrada entre os trabalhadores de saúde no estado da Bahia (59,7%)22 e em Florianópolis, estado de Santa Catarina (64,6%)23.
A inclusão do status sorológico anti-HBs mostrou-se apropriada como forma de comprovação da imunidade adquirida pós-vacinação, permitindo uma análise mais apurada em relação à proteção dos PAS contra o VHB24. Nesse sentido, houve uma resposta sorológica com níveis protetores (>10 mUI/mL) em 90,9% dos PAS.
Em um estudo realizado na Índia, a imunidade pós-vacinação contra a hepatite B esteve presente em 96,5% dos PAS de um hospital terciário, e fatores como aumento da idade, tempo decorrido da vacinação, tabagismo e obesidade foram associados com a diminuição da resposta imune protetora ao VHB24.
Outras pesquisas também consideraram relevante avaliar a resposta vacinal por meio da dosagem do anti-HBs, entre elas em Campo Grande, estado do Mato Grosso do Sul1, com profissionais da enfermagem, sendo 63,7% considerados imunizados; com funcionários da limpeza na cidade de Botucatu, estado de São Paulo25, com 81,7% apresentando soroconversão; e com médicos-residentes de um hospital universitário na Itália, com 80% da amostra apresentando títulos de anti-HBs > 10 mUI/mL26.
Os títulos de anticorpos anti-HBs são maiores logo após a vacinação, diminuindo com o passar do tempo; porém, a imunidade persiste com a memória celular4,27. Devido a essa diminuição, justifica-se a resposta vacinal com anti-HBs não reagente mesmo entre PAS com esquema completo (três doses), aliada à pequena porcentagem de falha vacinal. Nessas situações, são indicados esquemas complementares, a fim de melhorar a resposta imunológica, como no caso da quarta dose, e o uso da vacina por via intradérmica após dois esquemas completos anteriores por via intramuscular sem resposta imune27,28.
A questão sobre a duração da proteção após a vacina continua sendo estudada, assim como a necessidade de doses de reforço. Em uma pesquisa realizada no Japão entre estudantes de medicina e odontologia, evidenciou-se uma diminuição em média de 20% da titulação do anti-HBs dentro de 4 meses após a terceira dose29.
No presente estudo, permaneceu desconhecido quanto tempo após a vacinação o teste sorológico anti-HBs foi realizado, pois as datas em que foram feitas as vacinas não estavam registradas na maioria das fichas de notificação.
A elevada adesão dos PAS à vacinação contra o VHB e com imunidade comprovada tem como possíveis hipóteses a facilidade de acesso aos serviços de saúde; a gratuidade da vacina; a baixa resistência do público estudado em aderir às medidas de proteção; e a exigência de comprovação vacinal no ato de matrícula ou contratação pela instituição Unicamp, que também segue as recomendações do Ministério da Saúde quanto à realização do teste sorológico anti-HBs nos PAS8. A exigência de comprovação vacinal não ocorre entre os profissionais da higiene e limpeza, pois eles são contratados por empresas terceirizadas responsáveis pela prestação dos serviços.
O CECOM executa na Unicamp um programa estruturado de vacinação. Para os alunos ingressantes na área de saúde, é analisada a carteira vacinal e disponibilizada a vacina, quando necessário, além da realização do teste anti-HBs. Os PAS que são contratados também fazem o teste sorológico e passam por avaliação vacinal na medicina do trabalho, sendo encaminhados ao CECOM caso seja recomendada a vacinação.
A disponibilidade de vacinas e exames na própria instituição facilita a execução de ações preventivas e, consequentemente, reduz o número de profissionais suscetíveis a doenças imunopreveníveis. Na China, a probabilidade de os PAS completarem o esquema de vacinação contra a hepatite B mostrou-se maior quando trabalhavam em locais onde a vacina era oferecida gratuitamente30.
A verificação do status vacinal é fundamental nos PAS, principalmente em situações como as de ATMBs, pois aqueles que não estão imunizados e sofrem acidentes com casos fonte de sorologias desconhecidas ou HBsAg positivo devem receber medidas profiláticas como o uso de imunoglobulinas4,10.
As limitações do estudo são referentes às subnotificações dos ATMBs e à coleta retrospectiva de dados, não sendo possível a recuperação de variáveis sem registro.
CONCLUSÕES
Os resultados demonstraram que a vacinação continua sendo a estratégia mais importante na prevenção da infecção pelo VHB. Verificou-se uma elevada cobertura vacinal contra o VHB e a comprovação da imunidade com o anti-HBs reagente entre os PAS e estudantes da área de saúde que sofreram ATMB. Tal achado demonstra que, apesar do nível de exposição ocupacional e dos acidentes, a maioria dos profissionais estava protegida.
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Contribuições dos autores: FSF foi responsável pela concepção do estudo, incluindo redação – esboço original, análise formal dos dados, investigação, coleta dos dados e redação – revisão & edição do texto. HGAA foi responsável pela análise formal dos dados e redação – revisão e edição do texto. ICG participou da redação – esboço original e coleta dos dados. ECPO participou da coleta dos dados. Todos os autores aprovaram a versão final submetida e assumem responsabilidade pública por todos os aspectos do trabalho.
Recebido em
16 de Janeiro de 2022.
Aceito em
31 de Maio de 2022.
Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflitos de interesse: Nenhum