Elivan da Silva Dias1; Sabrina da Silva Santos1,2
DOI: 10.47626/1679-4435-2023-1094
RESUMO
INTRODUÇÃO: Absenteísmo é definido como a ausência do trabalhador no seu local de trabalho, sendo resultado de um fenômeno complexo.
OBJETIVOS: Analisar o perfil de afastamento por motivo de doenças e agravos de saúde dos professores efetivos da educação infantil (creche e pré-escola) e ensino fundamental I (1º ao 5º ano) do município de Rio Branco - Acre, de 2014 a 2017.
MÉTODOS: Estudo observacional, analítico, individual, transversal, retrospectivo de coorte com dados de 1.584 professores das 100 escolas municipais de Rio Branco. Foram calculadas as prevalências de período por capítulos da Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão, e por motivos específicos de afastamentos para aqueles capítulos com maiores proporções. Adicionalmente, foram calculados o índice de frequência de absenteísmo-doença e a duração média das ausências.
RESULTADOS: Os capítulos da Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão, com as maiores prevalências de afastamento foram: Capítulo XIII (doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo) com 7,83%; Capítulo V (transtornos mentais e comportamentais) com 7,45%; e Capítulo X (doenças do aparelho respiratório) com 6,12%. O índice de frequência de absenteísmo-doença foi de 0,72 e a duração média dos afastamentos foi de 24,07 dias.
CONCLUSÕES: O presente estudo evidenciou que as doenças osteomusculares e conjuntivas, os transtornos mentais e comportamentais e as doenças respiratórias são os principais agravos que levam os professores efetivos das escolas públicas municipais de Rio Branco a se ausentarem da sala de aula.
Palavras-chave: docentes; absenteísmo; saúde do trabalhador.
ABSTRACT
INTRODUCTION: Absenteeism is defined as the absence of workers from their workplace, resulting from a complex phenomenon.
OBJECTIVES: To analyze the profile of absence due to illness and health problems of the permanent teachers of early childhood education (day care and preschool) and elementary school (years 1-5) in the city of Rio Branco - Acre, Brazil, from 2014 to 2017.
METHODS: An observational, analytical, individual, cross-sectional, retrospective cohort study with data from 1,584 teachers from 100 municipal public schools in Rio Branco. The period prevalence was calculated by chapters of the International Classification of Diseases, 10th revision, and by specific reasons for absence for those chapters with higher proportions. Additionally, the absenteeism-illness frequency index and mean sickness absence duration were calculated.
RESULTS: The chapters of the International Classification of Diseases, 10th revision, with the highest prevalence of absences were Chapter XIII (diseases of the musculoskeletal system and connective tissue) with 7.83%, Chapter V (mental and behavioral disorders) with 7.45%, and Chapter X (diseases of the respiratory system) with 6.12%. The absenteeism-illness frequency index was 0.72, and the mean sickness absence duration was 24.07 days.
CONCLUSIONS: The present study showed that diseases of the musculoskeletal system and connective tissue, mental and behavioral disorders, and diseases of the respiratory system are the main problems that lead the permanent teachers of municipal public schools in Rio Branco to be absent from the classroom.
Keywords: schoolteachers; absenteeism; occupational health.
INTRODUÇÃO
O absenteísmo é definido como a ausência do trabalhador no seu local de trabalho, sendo esse resultado de um fenômeno complexo, em razão de diversos fatores que podem ocasioná-lo. Essa ausência do profissional pode estar relacionada às condições de trabalho, como falta de condições de higiene e de segurança, que, por sua vez, provocam acidentes de trabalho e insatisfação dos trabalhadores com a realidade sociocultural e com os fatores relativos à personalidade e às condições de saúde do trabalhador. Independentemente do motivo gerador, as ausências ao trabalho acarretam diversos problemas para as organizações profissionais como um todo1.
No que diz respeito ao absenteísmo docente, as consequências podem ser devastadoras para os estudantes no processo de ensino-aprendizagem, causando-lhes prejuízos incalculáveis a longo prazo. Adicionalmente, ao analisar essa questão, é de fundamental importância ressaltar que os fatores relacionados à rotina, à dinâmica do trabalho, às condições físico-estruturais das escolas, entre outros, contribuem para a insatisfação dos professores com a organização e com o próprio trabalho realizado, levando, direta ou indiretamente, a um aumento do absenteísmo2.
O absenteísmo docente por motivos de doença e agravos de saúde, por sua vez, tem se mostrado um problema de saúde pública - sobretudo quando se considera que, ao menos em parte, esses afastamentos se dão por condições de trabalho não satisfatórias, aumento da sobrecarga de trabalho, violência no ambiente escolar, dentre outros fatores estressores que podem levar ao adoecimento, à perda da qualidade de vida e até a danos permanentes à saúde do docente3.
Os estudos para caracterizar a saúde dos professores brasileiros são escassos, e se considerarmos a realidade da região Norte do Brasil, essa produção é quase inexistente4,5. As pesquisas feitas apresentam as fontes e os sintomas de estresse ocupacional, evidenciando-se a precariedade das condições de trabalho como a principal causa de desconforto físico e mal-estar psicológico entre os professores6.
Dessa maneira, o presente estudo tem como objetivo descrever o perfil de afastamento dos trabalhadores em educação (professores) por motivo de doença e agravos de saúde no município de Rio Branco, estado do Acre, no período de 2014 a 2017.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo, de corte transversal, realizado com professores efetivos do município de Rio Branco, que atuaram no período de 2014 a 2017, nas 100 escolas municipais, urbanas e rurais, de educação infantil (creche e pré-escola) e ensino fundamental I (1º ao 5º ano) existentes em Rio Branco.
A população do estudo é composta pelo universo dos professores do quadro efetivo da Secretaria Municipal de Educação (SEME) de Rio Branco, que atuaram na educação infantil (creche e pré-escola) e ensino fundamental I (1º ao 5º ano) nos anos de 2014 a 2017. Esse período de estudo foi definido, pois o setor de recursos humanos da SEME iniciou a tabulação digital dessas informações somente a partir do ano de 2014. Não fizeram parte do estudo os professores de contrato temporário, visto que a SEME não possui arquivos das pastas funcionais destes servidores.
Foram identificados todos os atestados (até 15 dias) e licenças médicas (mais de 15 dias e com encaminhamento à perícia médica oficial) registrados na Divisão de Recursos Humanos da SEME, no período de 1° de janeiro de 2014 a 31 de dezembro de 2017, para identificação da causa pela qual o profissional foi afastado de suas funções, utilizando como referência a Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão (CID-10), e do tempo dos afastamentos. Não foram considerados os afastamentos encontrados que não diziam respeito à condição de saúde dos professores efetivos, como, por exemplo, licenças maternidade e afastamento para acompanhar filhos.
Foram calculadas as prevalências de período (número de professores afastados /número total de professores no período de 2014 a 2017), por capítulos da CID-10 e por motivos específicos de afastamentos para aqueles capítulos com maiores proporções.
Adicionalmente, foram calculados dois indicadores de absenteísmo-doença propostos por Hensing et al.7, a saber: o índice de frequência de absenteísmo-doença (número de afastamentos/população sob risco) e a duração média das ausências (número de dias de afastamentos/número de afastamentos).
Em cumprimento à resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 1996) que dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos, o presente projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Acre, sendo aprovado sob o número de CAAE 11099019.8.0000.5010.
RESULTADOS
A população analisada foi composta pelos 1.584 professores efetivos, que atuaram na educação básica nos anos de 2014 a 2017. Destes, 1.039 atuaram em 2014, 971 em 2015, 997 em 2016 e 1.338 em 2017.
A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas e as variáveis associadas ao trabalho dos professores efetivos da rede pública municipal de educação, de 2014 a 2017. Verifica-se o predomínio de professores do sexo feminino (84,4%), atuação no ensino fundamental I (57,8%), lotação em escolas do perímetro urbano de Rio Branco (95,2%) e 11 anos ou mais de serviço no início do estudo (1° de janeiro de 2014); (43,7%). Em relação à idade dos professores, verificou-se o predomínio da faixa etária de 30 a 39 anos (35%), sendo a idade mínima 23 anos e a máxima 67 anos (média 40 anos). Além disso, 85% dos professores tinham uma carga horária semanal de trabalho de 25 horas na rede municipal de ensino. Esses professores possuem apenas um contrato de trabalho na rede pública municipal, podendo atuar no ensino fundamental ou na pré-escola. Aqueles com 40 horas de trabalho semanal são os que trabalham com as turmas de creche; e os professores com dois contratos (efetivo ou suplementação de carga horária) na rede pública municipal foram classificados como o grupo com 50 horas de trabalho semanal, podendo atuar no ensino fundamental ou na pré-escola.
No período de estudo, 471 professores efetivos apresentaram 1.151 afastamentos médicos à Divisão de Recursos Humanos da SEME, sendo 203 licenças médicas com afastamentos superiores a 15 dias e 948 atestados com afastamentos de até 15 dias. A prevalência de período de afastamentos para o total de professores efetivos foi de 29,73%. Em relação à fase de ensino, os professores de creche apresentaram maior prevalência de período (46,15%), seguidos dos professores da préescola (30,65%) e do ensino fundamental I (27,51%). A prevalência de período para três afastamentos ou mais foi de 10,10%. O grupo da creche também apresentou uma maior prevalência de período para três afastamentos ou mais (14,28%), quando comparado com os professores de pré-escola (11,52%) e ensino fundamental I (8,51%) (Tabela 2).
A Tabela 2 apresenta o índice de frequência de absenteísmo-doença dos professores efetivos da rede pública municipal, que foi calculada dividindo-se o número de afastamentos pelo número de professores sob risco de se afastar por motivo de doença e agravos de saúde, em cada fase de ensino. Observa-se que o índice de absenteísmo-doença geral foi de 0,72. Ao observarmos por fase de ensino, esse índice foi maior no grupo de professores de creche (1,01), com 184 afastamentos, seguido dos professores da pré-escola (0,76), com 372 afastamentos, e do ensino fundamental I (0,64), com 595 afastamentos.
A duração média dos afastamentos apresentados pelos professores efetivos do município de Rio Branco apresentados à Divisão de Recursos Humanos da SEME foi de 24,07 dias. A maior duração média de afastamentos foi apresentada pelos professores do ensino fundamental I, 29,56 dias, seguido dos professores da pré-escola, com a média de 21,86 dias, e dos professores da creche, com média de 10,79 dias.
Dentre os 21 capítulos da divisão da CID-10, os atestados e licenças médicas apresentados pelos professores efetivos da rede pública municipal de Rio Branco, de 2014 a 2017, se encaixam em 18 capítulos (Tabela 3). Nenhum professor registrou afastamento relacionado aos capítulos XVI (afecções originadas no período perinatal), XVII (malformações congênitas) e XX (causas externas de morbidade e de mortalidade) da CID-10.
Os capítulos da CID-10 com as maiores prevalências de afastamento foram: Capítulo XIII (doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo) com 7,83%; Capítulo V (transtornos mentais e comportamentais) com 7,45%; e Capítulo X (doenças do aparelho respiratório) com 6,12%. Entretanto, os transtornos mentais e comportamentais apresentaram o maior número de afastamentos: 292 (25,36% dos afastamentos apresentados).
A Tabela 4 apresenta que, para o período do estudo, os professores efetivos da rede pública municipal estiveram afastados de suas funções por 29.420 dias, somando-se os dias de atestados e licenças médicas. Ao se agrupar os dias de afastamento de acordo com os capítulos da CID-10, a maior proporção de dias de afastamentos é apresentada no Capítulo XIII (Códigos M00 - M99) doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, com 26,89% dos dias de afastamentos. Os transtornos mentais e comportamentais, Capítulo V (Códigos F00 - F99) levaram os professores a se ausentarem da sala de aula por 7.696 dias, o que representa 26,16% do total de dias de afastamentos. As doenças do aparelho respiratório (Capítulo X, Códigos J00 - J99) têm expressiva participação no número de dias de afastamentos das atividades profissionais dos professores com 9,46% do total de dias e afastamentos.
A Tabela 5 apresenta os dados dos afastamentos das 10 principais causas específicas dos capítulos XIII, V e X da CID-10. A maior proporção de afastamentos pelo Capítulo XIII foi em decorrência de dorsalgias (M54), com 8,43% do total de afastamentos apresentados à Divisão de Recursos da SEME por todas as causas, e uma prevalência de período de 3,16%, deixando os professores fora da sala de aula por 1.814 dias ao todo. Os transtornos dos discos intervertebrais (M51) também apresentaram elevada proporção (4,43%) e prevalência de período (1,33%), afastando os professores de suas funções laborais por 1.776 dias. Em terceiro lugar, observamos as lesões do ombro (M75), com 1,43% dos afastamentos por todas as causas, e uma prevalência de período de 0,63%, que provocou um absenteísmo docente de 851 dias.
Em relação ao Capítulo V, o maior motivo de afastamentos foi em decorrência de episódios depressivos (F32), que afastou os professores da sala de aula por 2.895 dias, com 9,82% dos afastamentos por todas as causas e uma prevalência de período de 2,92%. Os transtornos ansiosos (F41) foram a segunda maior causa de absenteísmo docente para o Capítulo V (8,41% dos afastamentos por todas as causas), com uma prevalência de período de 2,21%, deixando os professores fora da sala de aula por 1.236 dias. O transtorno afetivo bipolar (F31) tem expressiva participação no número de dias de afastamentos, com 3,04% dos afastamentos por todas as causas e uma prevalência de período de 0,82%.
Considerando o Capítulo X, os professores foram afastados da sala de aula por 760 dias em decorrência de problemas nas cordas vocais e na laringe ( J38), com 3,56% dos afastamentos por todas as causas e uma prevalência de período de 1,26%. O resfriado comum ( J00 - nasofaringite aguda) foi a segunda maior causa de afastamentos desse capítulo, com 2,35% dos afastamentos por todas as causas e uma prevalência de período de 0,82%. As amigdalites agudas ( J03) afastaram os professores da sala de aula por 90 dias, com 2,00% dos afastamentos apresentados e uma prevalência de período de 0,82%.
DISCUSSÃO
A análise dos afastamentos por motivo de doença e agravos de saúde dos 1.584 professores efetivos do município de Rio Branco, entre 2014 e 2017, demonstrou que as maiores proporções quanto ao número de dias afastados foram aquelas relacionados às doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (Capítulo XIII da CID-10; 26,89% dos dias de afastamento), seguidas pelos transtornos mentais e comportamentais (Capítulo V da CID-10; 26,16%) e das doenças do aparelho respiratório (Capítulo X da CID-10; 9,46%).
As enfermidades dos docentes de escolas públicas (principalmente do nível básico) da Argentina, Chile, Equador, México, Peru e Uruguai seguem um perfil patológico semelhante ao identificado no presente estudo, segundo uma análise transversal conduzida pelo Escritório Regional de Educação para América Latina e Caribe [Oficina Regional de Educación de la UNESCO para América Latina y el Caribe (OREALC/ UNESCO)]. Por meio de entrevistas autoaplicáveis, os pesquisadores classificaram as principais enfermidades dos docentes em três grandes categorias: problemas de saúde associados às exigências ergonômicas; problemas de saúde mental; e problemas de saúde geral, nos quais adquirem relevância as enfermidades sazonais e as enfermidades crônicas3.
No presente estudo, o Capítulo XIII da CID-10 (doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo) apresentou os motivos que deixaram os professores fora da sala de aula por 7.910 dias (275 afastamentos apresentados; prevalência de período de 7,83%). O esforço físico característico do trabalho docente, que envolve atividades repetitivas, desenvolvidas, muitas vezes, em ambientes ergonomicamente inadequados, é um aspecto importante, que somado às características individuais do estilo de vida, forma uma rede interligada de fatores que podem ajudar a explicar o aparecimento do referido quadro de doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo nos professores8.
O estudo feito por Fernandes et al.9, que objetivou verificar o impacto da sintomatologia osteomuscular na qualidade de vida dos professores da rede municipal de ensino de Natal, estado do Rio Grande do Norte, demonstrou que 47,7% dos docentes entrevistados relataram o impedimento de exercer tarefas devido aos sintomas nos últimos 12 meses. Nessa mesma direção, o levantamento realizado por Branco & Jansen10 apontou que 36,6% dos professores não conseguiram realizar as atividades que eram feitas anteriormente. Já um estudo transversal realizado na Etiópia, entre 2016 e 2017, com 754 professores de escolas secundárias, apresentou como resultado a prevalência autorreferida de 57,3% de lesões na região do ombro e do pescoço11.
Neste estudo, das doenças do Capítulo XIII da CID-10, as que apresentaram maiores proporções de afastamentos foram as dorsalgias (M54), com 8,43% dos afastamentos apresentados; outros transtornos dos discos intervertebrais (M51), com 4,43% dos afastamentos; e as lesões do ombro (M75), com 1,82%. Esses problemas podem estar relacionados à postura em pé e aos movimentos da coluna (inclinação ou rotação) durante o trabalho, pois podem provocar aumento da pressão interna do disco intervertebral e conduzir a fortes dores e, até mesmo, paralisias12. A postura em pé é geradora de sobrecarga nas estruturas de sustentação do corpo, aumentando o peso sobre a região lombossacra, podendo levar ao aparecimento de hérnias de disco, por exemplo. Já a manutenção dos ombros por tempo prolongado na mesma posição pode provocar processos inflamatórios como tendinites e bursites, levando ao comprometimento de articulações e ligamentos13.
Os transtornos mentais e comportamentais (Capítulo V da CID-10) que apresentaram uma prevalência de período de 7,45% neste estudo, com 7.696 dias de afastamento (292 afastamentos), são caracterizados como condições nas quais estão presentes alterações do modo de pensar e do humor (emoções), e comportamentos associados com angústia pessoal e/ou deterioração do funcionamento psíquico14. Estudos sugerem que as elevadas proporções de afastamentos por transtornos mentais e comportamentais podem estar associadas à elevada demanda psicológica exigida na execução das atividades dos professores, ao baixo controle sobre o próprio trabalho, ao maior tempo de trabalho como professor, à elevada carga horária semanal, aos múltiplos empregos e a uma série de características relativas ao ambiente e à organização do trabalho docente, tais como ritmo de trabalho, ambiente em condições inadequadas, relações interpessoais estressantes, entre outros aspectos15,16.
Uma revisão da literatura internacional, realizada por Scheuch et al.17, sugere que as doenças mentais e psicossomáticas são mais comuns em professores do que em outros grupos profissionais, assim como queixas inespecíficas, como exaustão, fadiga, dor de cabeça e tensão. Adicionalmente, estima-se que 3-5% dos professores sofram de burnout, entretanto, esse quantitativo pode variar de acordo com a definição do termo adotada17.
No estado do Rio Grande do Sul, em Pelotas, foi realizada uma pesquisa com todos os docentes da rede pública municipal, que teve como um dos objetivos analisar o processo de trabalho docente e a repercussão sobre a saúde dos professores. Os resultados desse estudo demonstraram que as professoras da educação infantil foram as que mais solicitaram licença de saúde, sendo que problemas mentais aparecem em primeiro lugar, seguido de problemas comportamentais e doenças do sistema osteomuscular18. Um estudo transversal, com 751 professores do ensino fundamental da rede municipal de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, apresentou uma prevalência de transtornos mentais e comportamentais de 50,3%19. De forma semelhante, o estudo realizado por Bannai et al.20 com 522 professores, na província de Hokkaido, no Japão, identificou a presença de estresse psicológico em 47,8% dos homens e 57,8% das mulheres.
No presente estudo, das doenças do Capítulo V da CID-10, as que apresentaram maiores proporções foram os episódios depressivos (F32), com 9,82% dos afastamentos apresentados; outros transtornos ansiosos (F41), com 8,51% dos afastamentos; e transtornos afetivo bipolar (F31), com 3,04%. De acordo com o Ministério da Saúde do Brasil14, essas doenças são classificadas em transtornos do humor/afetivos (F30-F39) e transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o estresse e transtornos somatoformes (F40-F48).
As doenças do aparelho respiratório (Capítulo X da CID-10) também apresentaram uma elevada prevalência de período (6,12%), deixando os professores de Rio Branco fora da sala de aula por 2.782 dias (191 afastamentos). Essas doenças englobam desde simples resfriados até problemas crônicos, como amigdalite, laringite, faringite e lesões nas cordas vocais21. As condições ambientais inapropriadas das escolas, quanto aos níveis de ruído, estado de limpeza, ventilação, iluminação, temperatura e número elevado de alunos por turma, quando somadas ao excesso de atividades e à falta de momentos de descanso, tornam os profissionais docentes grupo de risco para os distúrbios vocais, com consequente absentismo, fazendo com que necessitem de readaptação ao trabalho22.
Um estudo transversal denominado "Ausência ao trabalho por distúrbio vocal de professores da educação básica no Brasil", realizado com 6.510 professores, entre 2015 e 2016, identificou que o principal problema de saúde que afastou os professores da sala de aula, em períodos de curta duração (afastamentos de até cinco dias), foi o distúrbio de voz (17,7%), seguido dos relatos de problemas respiratórios (14,6%)23. Estudos internacionais também revelam a presença de alterações vocais em professores. Nesse sentido, uma pesquisa realizada com 1.617 professores de escolas públicas primárias e secundárias da Coreia do Sul revelou uma prevalência de desordens vocais de 13,1% em professores lotados em sala de aula e de 8% em professores que desempenhavam outras funções24. Já na Alemanha, dos 536 professores de escolas de educação infantil, ensino fundamental, médio, escolas especiais e escolas vocacionais analisados, 58,3% relataram ter apresentado algum problema relacionado à alteração vocal25.
No presente estudo, das doenças do Capítulo X da CID-10, as que apresentaram maiores proporções de afastamentos foram as doenças das cordas vocais e da laringe não classificadas em outra parte ( J38), com 3,56% dos afastamentos apresentados; nasofaringite aguda (resfriado comum -J00), com 2,35% dos afastamentos; e amigdalite aguda ( J03), com 2,00%. Ferreira et al.26 afirmam que as características do trabalho docente, já mencionadas anteriormente, estão associadas à rouquidão, à fadiga vocal, a ardor na garganta, a esforço ao falar, à dificuldade em manter a intensidade e em projetar a voz e à afonia.
Os indicadores de absenteísmo-doença, como o índice de frequência de absenteísmo-doença e a duração média das ausências, utilizados no presente estudo são parâmetros internacionalmente aceitos, que objetivam mensurar a ausência ao ambiente de trabalho por motivo de doença, permitindo o acompanhamento das variações ao longo de um período, como, também, a comparação dos resultados intra e intergrupos de trabalhadores. A análise desses indicadores evidencia não só a situação epidemiológica dos funcionários, mas também suas condições de trabalho, fornecendo elementos para o planejamento das ações voltadas à saúde do trabalhador, bem como da sua efetividade27.
Os professores efetivos do município de Rio Branco apresentaram 1.151 afastamentos entre 2014 e 2017, perfazendo um índice de frequência de absenteísmo-doença de 0,72. Entre as fases de ensino, o índice foi maior no grupo de professores da creche (1,01), seguido dos professores da pré-escola (0,76) e do ensino fundamental I (0,64). A duração média das ausências por motivo de doença e agravo de saúde foi de 24,07 dias, sendo que os professores de escolas do ensino fundamental I apresentaram a maior duração média (29,56 dias) quando comparados com os da pré-escola (21,56 dias) e os da creche (10,79 dias).
Os índices de frequência de absenteísmo-doença deste estudo foram inferiores aos achados na pesquisa de Daniel et al.28, que analisaram os servidores da prefeitura municipal de Curitiba, estado do Paraná, de 2010 a 2015, e tiveram como resultado um índice de frequência de absenteísmo-doença de 2,03 para o ano de 2015, e uma duração média de dias de licenças para tratamento de saúde de 6,58 dias.
Santos & Mattos29 realizaram uma pesquisa sobre absentismo-doença na prefeitura municipal de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul, que tinha como objetivo analisar as licenças para tratamento de saúde dos servidores municipais entre 2004 e 2005. O maior índice de absenteísmo-doença encontrado foi apresentado pela SEME, com 4,8% dos afastamentos do período de estudo.
O presente estudo apresenta algumas limitações, principalmente inerentes aos estudos descritivos, não sendo possível estabelecer relações de causalidade. Os dados analisados não permitem separar as morbidades ocupacionais dos agravos comuns, inviabilizando a análise do impacto que o trabalho tem sobre o perfil de adoecimento dos professores. Soma-se a essas limitações o fato de que foram considerados apenas os professores efetivos do município de Rio Branco para o período de estudo, em decorrência da inexistência do arquivo de afastamentos dos professores de contrato temporário. Outra limitação é o fato deste trabalho não apresentar se os professores lotados na SEME tinham outro vínculo empregatício, como professor na rede privada ou na rede estadual de educação. Hirata et al.30, ao analisarem os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em 2017, apresentaram as porcentagens dos professores que trabalham em um ou mais turnos na educação básica. Os autores trouxeram como resultado que 87,8% dos professores da educação infantil e 80,5% do ensino fundamental trabalhavam em um único turno. Assim, é possível que os percentuais de professores trabalhando em cada uma das cargas horárias de trabalho do município seja muito próximo dos percentuais da real carga de trabalho desses profissionais.
Apesar dessas limitações, o presente estudo possui pontos fortes, como a singularidade dos dados utilizados, que corresponde ao universo das escolas e dos professores do quadro efetivo da SEME de Rio Branco, no período estudado, evitando, assim, problemas relacionados à amostragem, comuns em estudos menores. Além disso, este trabalho apresenta a avaliação dos dados por um período de 4 anos, permitindo uma análise mais homogênea e precisa, por diminuir eventuais oscilações anuais.
CONCLUSÕES
Os resultados obtidos nesta pesquisa indicaram elevadas prevalências de período de afastamentos dos professores da rede municipal de educação de Rio Branco relacionados às doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, aos transtornos mentais e comportamentais e às doenças do aparelho respiratório. É importante a realização de novas pesquisas, com outros desenhos de estudo, voltados para a compreensão dos fatores associados a esse adoecimento docente, contribuindo, assim, para um melhor entendimento da saúde dessa população e para a implementação de estratégias de promoção da saúde dos professores.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à SEME de Rio Branco pela disponibilização dos dados para a referida pesquisa.
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Recebido em
22 de Setembro de 2022.
Aceito em
3 de Novembro de 2022.
Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflitos de interesse: Nenhum
Contribuições dos autores: ESD participou da concepção, da investigação, do tratamento de dados, da análise formal dos dados e da redação do esboço original. SSS participou da concepção, da supervisão, da análise formal dos dados e da redação – revisão & edição. Todos os autores aprovaram a versão final submetida e assumem responsabilidade pública por todos os aspectos do trabalho.