Francisco Cortes Fernandes1; Rosylane Nascimento das Mercês Rocha1; Mírian Pérpetua Palha Dias Parente1; Ricardo de Almeida Sebba1; Leonardo Pereira Cabral1; Wanderley Marques Bernardo2
DOI: 10.47626/1679-4435-2023-1226
RESUMO
As relações entre trabalho e saúde/doença são a principal tarefa do médico do trabalho, sendo o exame ocupacional utilizado para abordar essas relações, juntamente com o estudo do local de trabalho e análises epidemiológicas. Este estudo teve como questão clínica norteadora: o exame ocupacional por telemedicina (telediagnóstico) é acurado quando comparado ao exame ocupacional presencial? Os trabalhos foram selecionados por quatro revisores independentes, atendendo aos critérios de elegibilidade. Foram recuperados, nas bases consultadas MEDLINE, EMBASE, Google Scholar e manual, respectivamente, 12.654, 29, 3 e 0 artigos. Desse montante, foi selecionado pelo título e resumo um total de 284 estudos (referências excluídas), dos quais não foi possível selecionar nenhum que atendesse aos critérios de elegibilidade previamente estabelecidos. No momento, não há evidência comparando o exame ocupacional regular ou padrão (presencial) e o mesmo exame por meio de telemedicina. Portanto, não há como recomendar o uso de telediagnóstico ocupacional (exame ocupacional).
Palavras-chave: telemedicina; exames médicos; saúde ocupacional; guia de prática clínica.
ABSTRACT
The relationships between work and health/illness are the main task of the occupational physician, with the occupational medical examination being used to address these relationships, together with a workplace study and epidemiological analyses. This study had as a guiding clinical question: Is telemedicine occupational examination (telediagnosis) accurate compared with in-person occupational examination? The studies were selected by four independent reviewers, meeting the eligibility criteria. The searches resulted in 12,654, 29, 3, and 0 articles retrieved from MEDLINE, EMBASE, and Google Scholar databases and hand search, respectively. Of this total, 284 studies were selected by title and abstract screening, none of which met the previously established eligibility criteria for study inclusion (references excluded). There is currently no evidence comparing regular or standard (in-person) occupational examination vs telemedicine occupational examination. Therefore, there is no supporting evidence to recommend the use of occupational telediagnosis (occupational examination).
Keywords: telemedicine; medical examination; occupational health; practice guideline.
INTRODUÇÃO
As relações entre trabalho e saúde/doença são a principal tarefa do médico do trabalho, sendo o exame ocupacional o instrumento utilizado para abordar essas relações, juntamente com o estudo do local de trabalho e análises epidemiológicas.
A semiologia é o ramo da medicina que trata da identificação das diversas manifestações das doenças e pode ser classificada em dois componentes: a semiotécnica (técnica de busca de sinais) e a propedêutica (que busca reunir e interpretar os sinais e sintomas para chegarmos a um diagnóstico). Assim sendo, a propedêutica tem a seguinte estrutura: anamnese clínica e ocupacional, exame físico e considerações diagnósticas.
O exame ocupacional, frequentemente, pode ser visto apenas como a emissão de um atestado, mas devemos entendê-lo e realizá-lo de forma extremamente séria e comprometida, haja vista suas possíveis repercussões em diversas esferas judiciais e éticas.
Uma característica importante do atendimento do médico do trabalho é que as consultas ocupacionais, muitas vezes, não são motivadas por uma busca ativa do trabalhador. É uma consulta prevista por lei, na qual uma anamnese e um exame físico minuciosos podem abrir espaço para o relato de possíveis doenças.
Finalmente, é importante lembrar que o exame ocupacional não visa apenas avaliar a saúde do trabalhador, devendo verificar, também, a efetividade de sua proteção contra os riscos existentes nos postos de trabalho, além do impacto causado por exposições ocupacionais, bem como analisar sua saúde do ponto de vista global, sendo diferente do exame clínico, que se dispõe a avaliar, diagnosticar e tratar uma doença.
O exame clínico constitui-se, assim, em principal instrumento da prática da medicina do trabalho. Através de um exame bem realizado, obtemos dados que podem ser transformados em informações, que geram o conhecimento da população de trabalhadores, para a atuação do médico do trabalho.
Sumarizando, podemos dizer que o exame ocupacional tem por objetivos precípuos:
a) Alocar o trabalhador em postos de trabalhos adequados a suas condições físicas e psíquicas;
b) Avaliar o estado de saúde do trabalhador;
c) Solucionar problemas médicos detectados no trabalhador;
d) Avaliar se a exposição a fatores de risco ocupacionais está impactando a saúde do trabalhador;
e) Realizar realocações do trabalhador;
f) Realizar levantamentos epidemiológicos;
g) Promoção da saúde do trabalhador;
h) Avaliar aptidão ao trabalho;
i) Cumprir com requisitos legais que tornam o exame obrigatório.
Para cumprir os objetivos da medicina do trabalho na realização do exame ocupacional, precisamos ter em mente os riscos aos quais está exposto o trabalhador na sua jornada de trabalho. Esse conhecimento permitirá ao médico identificar realmente as condições de trabalho e conhecer os supervisores que lideram essas atividades.
A anamnese ocupacional cuidadosa é a forma mais efetiva de diagnosticar essas doenças, sendo importante questionar todas as ocupações e a duração de cada uma delas. Não se trata apenas de uma lista de trabalhos, devese incluir a duração e as atividades detalhadas, o uso de equipamentos de proteção individual, além das práticas de higiene e de segurança do trabalho. É importante incluir a denominação da ocupação em cada um dos trabalhos.
A medicina, entendida como ciência, requer que se utilize apurada técnica para atingir sua finalidade. Na realização da anamnese, a técnica está representada pela ordem e pela profundidade das perguntas. A atitude cuidadosa do médico, ao realizar o exame físico, amplia sua percepção.
Devido a desdobramentos legais e éticos, recomenda-se a realização de um exame físico abrangente, que possibilite a identificação de alterações decorrentes da exposição ocupacional, as quais podem passar despercebidas num exame focalizado.
Lembrando, ainda, que os princípios do exame físico são a inspeção, a palpação, a percussão e a ausculta.
MÉTODOS
QUESTÃO CLÍNICA
O exame ocupacional por telemedicina (telediagnóstico) é acurado quando comparado ao exame ocupacional presencial?
CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE (ESTUDOS A SEREM SELECIONADOS)
Paciente: trabalhador em exame ocupacional
Intervenção: exame físico por telemedicina
Comparação: exame físico presencial
Desfecho: diagnóstico ou suspeita diagnóstica
Desenho de estudo: estudo transversal
Período consultado: sem restrições
Idioma: sem restrições
Texto completo ou resumo com dados
BASES CONSULTADAS E ESTRATÉGIA DE BUSCA
As buscas pela evidência foram executadas no MEDLINE, EMBASE e Google Scholar.
Busca complementar manual
As estratégias utilizadas foram:
#1: (Employee OR Employment OR Labor
OR Occupational OR Work OR Worker
OR Working OR Workplace OR Workload)
#2: (Physical Examination OR Physical Examinations
OR Physical Exam OR Physical Exams)
#3: (Telemedicine OR Tele-Referral OR Tele Referral
OR Tele-Referrals OR Virtual Medicine
OR Mobile Health OR mHealth OR Telehealth
OR eHealth)
#4: = #2 AND #3
#5: = #1 AND #3 AND (sensitiv*[Title/Abstract]
OR sensitivity and specificity[MeSH Terms]
OR diagnose[Title/Abstract]
OR diagnosed[Title/Abstract]
OR diagnoses[Title/Abstract]
OR diagnosing[Title/Abstract]
OR diagnosis[Title/Abstract]
OR diagnostic[Title/Abstract]
OR diagnosis[MeSH:noexp]
OR (diagnostic equipment[MeSH:noexp]
OR diagnostic errors[MeSH:noexp]
OR diagnostic imaging[MeSH:noexp]
OR diagnostic services[MeSH:noexp])
OR diagnosis, differential[MeSH:noexp]
OR diagnosis[Subheading:noexp]))
FINAL: = #4 OR #5
SELEÇÃO DOS TRABALHOS
Os trabalhos foram selecionados, inicialmente, pelos títulos e resumos, depois confirmados pelos textos completos, por quatro revisores independentes, atendendo aos critérios de elegibilidade.
EXTRAÇÃO DOS DADOS
Uma vez selecionado o estudo, deste serão extraídas as características do trabalhador, do teste (exame físico por telemedicina) e do padrão de referência (exame físico presencial). As medidas de acurácia do teste serão prevalência de alterações identificadas, sensibilidade e especificidade. Se houver detalhes, como verdadeiros positivos e negativos e falsos positivos e negativos, estes também farão parte dos dados extraídos.
QUALIDADE DA EVIDÊNCIA
O risco de vieses nos estudos será estimado por meio do instrumento QUADAS-21, sendo este graduado em baixo, alto ou muito alto. A qualidade da evidência será diretamente extrapolada desse risco, sendo expressa em muito baixa, baixa ou alta.
ANÁLISE E EXPRESSÃO DOS RESULTADOS
Se os resultados de um ou mais estudos forem comuns, os dados serão agregados em uma análise (metanálise) única (software Meta-DiSc2) e expressos em sensibilidade, especificidade, valores preditivos positivos e negativos.
SÍNTESE DA EVIDÊNCIA
A evidência disponível sustentará a síntese que procurará responder à questão inicial desta revisão. A resposta poderá ser qualitativa (na ausência da metanálise) ou quantitativa (com os dados metanalisados).
RESULTADOS
Foram recuperados, nas bases consultadas MEDLINE, EMBASE, Google Scholar e manual, respectivamente, 12.654, 29, 3 e 0 artigos. Desse total, foi selecionado pelo título e resumo um total de 284 estudos, dos quais não foi possível selecionar nenhum estudo que atendesse aos critérios de elegibilidade previamente estabelecidos (referências excluídas - Anexo 1). Os motivos de exclusão estão explicitados nas tabelas dos Anexos 2 a 5.
SÍNTESE DA EVIDÊNCIA
No momento, não há evidência comparando o exame ocupacional regular ou padrão (presencial) e o mesmo exame por meio de telemedicina. Há apenas evidência esparsa, testando o uso de telemedicina em áreas ou topografias isoladas do corpo humano, como pele, olhos, orelhas, mente, sistema nervoso e musculoesquelético.
Portanto, não há como recomendar o uso de telediagnóstico ocupacional (exame ocupacional).
REFERÊNCIAS
1. University of Bristol. QUADAS-2. A quality assessment tool for diagnostic accuracy studies. Bistrol: University of Bistrol. [citado em 9 out. 2023]. Disponível em: https://www.bristol.ac.uk/population-health-sciences/projects/quadas/quadas-2/
2. Software Informer. Meta-DiSc 1.4: a tool for performing metaanalysis of diagnostic and screening tests. Los Angeles: Software Informer; 2014 [citado em 9 out. 2023]. Disponível em: https://meta-disc.software.informer.com/1.4/
Contribuições dos autores: FCF e RNMR foram responsáveis pela concepção do estudo, análise formal dos dados, redação e esboço original. MPPDP foi responsável pela apresentação, redação, revisão e edição. RAS e LPC foram responsáveis pela investigação (coleta de dados) e tratamento dos dados. WMB foi responsável pela concepção do estudo, metodologia, tratamento de dados, análise formal dos dados, supervisão e redação. Todos os autores aprovaram a versão final submetida e assumem responsabilidade pública por todos os aspectos do trabalho.
Recebido em
25 de Julho de 2023.
Aceito em
25 de Julho de 2023.
Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflitos de interesse: Nenhum