243
Visualizações
Acesso aberto Revisado por Pares
ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da Freqüência Cardíaca como Indicador Biológico na Prevenção dos Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho

Evalualion of Heart Rate as a Biological Indicator on Work-Related Musculoskeletal Disorders Preventio

Rui Villa Verde1; Roberto Moraes Cruz2

RESUMO

Este trabalho teve como objetivo estudar a Frequência Cardíaca (FC) como inclicador biológico que auxilie na prevenção dos Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT). Participaram deste estudo 34 sujeitos, de duas empresas catarinenses, que operam no ramo de processamento de dados, distribuídos pelos seguintes cargos; analista fie sistemas, apoio administrativo o programadores. Foram controladas as variáveis: incidência de DORT, FC e carga mental de trabalho. Os instrumentos de pesquisa foram constituídos pelo exame clínico, freqüencímetro Polar e NASA-TLX. Os resultados indicam que alguns sujeitos portadores de DORT apresentam média de freqüência cardíaca acima de 100 bpm, ao contrário dos sujeitos sadios que apresentam FC abaixo de 100 bpm. Em face desse resultado, podemos afirmar que a FC isoladamente não pode ser considerada um indicador biológico da ocorrência de DORT, porém, sua utilidade na prevenção desse agravo à saúde humana poderia ser estudada pela associação com outros indicadores organizacionais e fisiológicos.

Palavras-chave: Freqüência Cardíaca; Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT); Carga de Trabalho.

ABSTRACT

The aim of this work was to sludy the Heart Rate (HR) as a biological indicator to help in prevenling Work-Related Musculoskeletal Disorders (WRMD). It had the participation of 34 employees from two software stores in Santa Catarina (Brazil), spread accross lhe following occupations: systems analysists, administration assistants, and programmers. The variables: incidence of WRMD, HR, and mental workload were controlled. The research instruments used were: clinical evaluation, Polar heart rate monitor, and NASA-TLX. The results show that some subjects presenting WRMD have a mean HR above 100 bpm, while the healthy ones show HR under 100 bpm. Because of that, we can state that the HR alone can not be considered a biological índicator of lhe incidence of WRMD, however its Application to help preventing this human health hazard might be studied in association with other physiological and occupational indicators.

Keywords: Heart rate; Work-Related Musculoskeletal Disorders (WRMD); Workload.

INTRODUÇÃO

Os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT) formam um conjunto de doenças (tais como bursites, tendinites, epicondilites, tenossinovites, cistos sinoviais, síndrome do túnel do carpo) intimamente relacionadas às características da organização do trabalho, caracterizadas por um conjunto de sinais e sintoma, de diagnóstico essencialmente clínico, onde exames complementares tais como ultra-sonografia, ressonância magnética, eletromiografia é radiografias têm modesta contribuição a prestar ao diagnóstico das doenças, principalmente na fase inicial desses agravos à saúde, quando são maiores as chances de sucesso no seu tratamento e na adoção de medidas preventivas ao nível da organização do trabalho, o que se opõe frontalmente à necessidade de desenvolver ações de natureza prevencionista.

Os DORT têm se constituído num grande problema para a saúde pública nos países industrializados. As estatísticas nacionais apontam para o crescimento de sua ocorrência em profissionais de diversos ramos de atividade, com incidência maior no sexo feminino, como as trabalhadoras da indústria, as trabalhadoras do lar e, em particular, as trabalhadoras das equipes de enfermagem1-5.

O organismo humano, quando submetido a uma carga de trabalho, desenvolve mecanismos biomecânicos, endócrinos, metabólicos, neurológicos, psicologias e cognitivos que conduzem à adaptação ou à doença, se forem ultrapassados os limites de adaptabilidade de que é capaz.

Os estudos especializados na avaliação de cargas de trabalho apontam as diversas conseqüências das exigências e pressões do trabalho no plano da saúde em geral, conduzindo a diversos processos de adoecimento, entre eles os DORT.

Latu sensu pode-se dividir a carga de trabalho em cargas físicas, cognitivas e psíquicas, conforme Wisner6, Laurell e Noriega7. Também se pode afirmar que as cargas têm um componente externo, relacionado às condições do meio em que atua o operador, e um componente interno, relacionado às vivências e tensões relativas às organizações do trabalho.

Segundo Ranney8, no contexto da ciência médica, formular um diagnóstico de DORT freqüentemente representa um verdadeiro desafio, pela dificuldade de identificar elementos semióticos, porque os quadros clínicos costumam ser difíceis de caracterizar, necessitando da colaboração de exames complementares com resultados conclusivos, o que também não é uma tarefa fácil.

O mesmo desafio encontra-se, também, no contexto da ciência agronômica, em face dos parcos recursos disponíveis paia a investigação dos DORT, particularmente quando se busca aferir nexos causais com a organização e a situação de trabalho. Os instrumentos de investigação de DORT são, em sua maioria, de natureza clínica, centrados na avaliação da dor ou do diagnóstico clínico da doença. Como resultante dessas limitações, percebe-se um prejuízo na tomada de decisão e na adoção de medidas preventivas visando reduzir a incidência dos DORT. Neste trabalho a freqüência cardíaca foi estudada na tentativa de acessar a relação entre a carga de trabalho e essa síndrome com o objetivo de desenvolver ações nas organizações que minimizem esse prejuízo e contribuam para prevenir a instalação o ou o agravamento dos DORT.

O problema de pesquisa em foco levanta o seguinte questionamento que tentamos responder: como caracterizar a relação entre a variação da FC e a ocorrência de DORT, de forma a obter um indicador biológico na prevenção desse agravo à saúde? (Figura 1)

 

 

Segundo Gottschall9, do ponto de vista fisiológico, a eficiência do trabalho cardíaco é regulada pela interação entre o Débito Cardíaco (de), a Freqüência Cardíaca (FC) e o Volume Sistólico de Ejeção (VSE) na seguinte proporção: de = FC x VSE, A FC depende fundamentalmente do automatismo do coração e de mecanismos neuroendócrinos. Fisiológica mente, a FC pode ser influenciada por excitação do sistema límbico, depressão cortical, reflexos aórticos e carotídeos, estímulos mecânicos, físicos e químicos de órgãos internos, reflexo óculo-cardíaco, ténsio e quimiorreceptores aórticos e carotídeos ou drogas de ação central e/ou periférica. Fibras sensitivas de praticamente todo o corpo influenciam a frequência cardíaca. Geralmente, nervos viscerais aferentes produzem bradicardia. Frio na pele e dor somática geralmente provocam taquicardia.

A literatura especializada não estabelece um consenso a respeito dos limites de normalidade da FC em razão da interferência de variáveis como idade, sono/vigília, tonus do sistema neurovegetativo e atividade física/mental, indicando desde o limite minímo de 60 bpm durante o sono até o limite máximo de 180 bpm em atividade física intensa. Os poucos autores que se referem a limites de normalidade na FC também não são unânimes quanto aos valores, pois se Surós10 indica 60 até 90 bpm, Mangione11 prefere 60 até 100 bpm.

Sob condições normais, em sujeitos sadios, em vigília e em repouso, o número de pulsos por minuto depende da idade e do estado do sistema neurovegetativo. Foi considerado como critério neste estudo o limite que varia entre oitenta (80) e cem (100) batimentos por minuto, porque os sujeitos de pesquisa escolhidos são adultos, em estado de vigília, realizando atividade de trabalho sentados.

Os estudos sobre a relação entre a FC e a Carga de Trabalho não são unânimes em suas conclusões. Meshkati12 Kamal et al.13 e Feuerstein e Fitzgerald14 concluíram que o estudo da FC mostra-se um importante método de avaliação fisiológica da carga física e/ou da carga mental de trabalho, independentemente do método utilizado; entretanto Lee e Park15 e Steptoe et al.16 deduziram que o aumento da carga mental não influencia o ritmo cardíaco.

A revisão bibliográfica revelou um único estudo, Shimaoka et al.17, que se dedicaram à identificação de um indicador biológico da doença que concluiu que as diferenças entre as cargas de trabalho medidas não foram suficientes para justificar as diferenças na magnitude dos problemas musculoesqueléticos e recomendou que outros fatores deveriam ser estudados.

O NASA-TLX foi escolhido por ser um dos métodos mais estudados e desenvolvidos em todo o mundo e, principalmente, por ser o instrumento que vem sendo utilizado em fase de pré-validação em pesquisas de avaliação de carga mental em pilotos de aviação18 e operadores de centrais de atendimento19, dentro de um mesmo grupo de orientação no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, PPGEP da UFSC.

Estudos de Hendy et al,20 demonstraram a grande eficiência e praticidade do NASA-TLX, como método multidimensional, quando comparado a outros métodos unidímensionais precedentes a ele. Ponto de vista confirmado por Wierwille et al.21 e Wíerville e Casali22, que consideraram o NASA-TLX um ótimo método quantitativo de acesso à carga mental.

 

MÉTODO

Foi aplicado o método hipotético-dedutivo23 na medida em que partiu-se "de um problema (P1), ao qual se ofereceu uma espécie de solução provisória, uma teoria-tentativa (T.T.), passando-se depois a criticar a solução, com vista à eliminação do erro (E.E.), dando surgimento à novos problemas (P2)", condensado na Figura 2.

 

 

Embora este estudo não pertença ao campo das ciências sociais, os pesquisadores valeram-se de métodos estatísticos, tão característicos dessa ciência, na medida em que buscaram traduzir variáveis em termos de fenômenos e dados demográficos, organizacionais, físicos e psicológicos em termos quantitativa para conferir se estas variáveis apresentam relação entre si e obter generalizações sobre sua natureza, ocorrência ou significado.

Foram identificadas as seguintes variáveis neste estudo (Figura 3):

 

 

• Variável independente (aquela que influencia outra variável) → ocorrência de DORT no sujeito.

• Variável dependente (aquela que, por ser afetada pela independente, é o objeto do estudo) → FC.

• Variável extrínseca ou fator de teste (aquela que pode afetar tanto a independente com a dependente) → ausência de DORT no sujeito.

• Variáveis de controle (aquelas que devem ser neutralizadas propositadamente para impedir que interfiram na análise da relação entre a variável independente e a dependente) → sexo, idade, cargo, empresa em que trabalham e carga mental de trabalho.

• Variável interveniente (aquela que, numa seqüência causal, se coloca entre a variável independente e a dependente aumentando, diminuindo ou anulando a influência de uma sobre a outra) → dor durante a aplicação dos instrumentos de coleta de dados.

Foi utilizada uma pesquisa de campo predominantemente do tipo Quantitativo-Descritivo para estudo de verificação de hipótese, constituída de uma investigação de pesquisa empírica cuja principal finalidade foi a análise das, características da relação entre a ocorrência de DORT e a FC.

Concomitantemente, a pesquisa de campo realizada também reúne características do tipo Experimental, porque a hipótese testada apresenta uma relação de causa e efeito, isto é, a hipótese testada busca verificar a ocorrência dos DORT como agente causador de alterações na freqüência cardíaca, sendo necessários para tanto (1º) manipulação da variável independente com a finalidade de verificar a repercussão sobre a variável dependente, (2º) formação de um grupo de controle representado pelos sujeitos identificados como componentes da variável extrínseca ou fator de teste (ausência da ocorrência de DORT) e (3º) seleção da amostra conforme as características da população analisada.

Participaram deste estudo trinta e quatro (34) trabalhadores de duas indústrias de Santa Catarina que atuam no ramo de desenvolvimento de softwares para processamento de dados.

Os sujeitos que ocupam os cargos de Apoio Administrativo estão submetidos a uma menor autonomia, no que toca a liberdade de interferir sobre o próprio trabalho, do que os Analistas de Sistemas e Programadores, que têm uma atividade que envolve mais criatividade, trabalho intelectual e liberdade de se auto-regular,

Para captar o peso que essas diferenças representaram na composição da carga de trabalho, teria sido necessário realizar uma análise detalhada da atividade. Tendo em vista que esta profundidade de investigação, além de não fazer parte do objetivo da pesquisa, bem como aumentaria sobremaneira a complexidade do estudo, os sujeitos foram selecionados por apresentarem em seu posto de trabalho o preenchimento de um determinado perfil estrutural, funcional e organizacional francamente caracterizado por um sistema humano/máquina24.

Todos os sujeitos desempenham suas atividades predominantemente sentados, embora possam intercalar períodos de movimentação e deslocamento fora de seu posto de trabalho com o objetivo de coletar informações, recepcionar pessoas, comparecer a reuniões, visitar clientes e atender às necessidades fisiológicas.

Os postos de trabalho são compostos por mobiliário típicos de setores informatizados com:

• uma mesa de altura padrão, forrada por material sintético (tipo fórmica), de superfície fosca, de coloração em tons pastéis claros variando entre branco “gelo" e cinza-claro, algumas delas dotadas de um suporte para o monitor que pode ser regulado pelo usuário, cuja altura pode variar entre dez e vinte centímetros acima do nível da mesa. Sobre a mesa está instalado um microcomputador com CPU (que pode ficar sobre a mesa ou no piso), um monitor, um teclado e um mouse.

• uma cadeira giratória, estofada, com rodízios, com dispositivos de regulagem da altura do assento e inclinação do encosto, freqüentemente com suporte para o antebraço.

• em alguns postos de trabalho há suporte para os pés.

• nos postos de trabalho em que o sujeito faz uso de uma linha telefônica de voz para atendimento aos clientes, há um dispositivo de telecomunicações conhecido como headset.

• o fruto da atividade é resultante da interação entre os sujeitos e seus microcomputadores, quer para fim de construção de um software, ou para utilização de um software preexistente no cumprimento de tarefas administrativas, ou para assessoria a clientes.

Para os objetivos deste trabalho foi necessário controlar as seguintes variáveis da situação de trabalho: carga mental de trabalho, freqüência cardíaca, incidência de DORT.

A variável carga mental de trabalho foi controlada por meio da utilização de um instrumento de mensuração das exigências mentais atribuídas pelos sujeitos, o NASA-TLX (Task Load Index), tendo em vista as condições e os resultados das tarefas aos quais estão submetidos cotidianamente, além das variáveis "indicadores biológicos" e "fatores ambientais".

O controle da FC foi realizado por meio do freqüencímetro fabricado pela Polar Electro Oy, Finlândia, modelo Polar Vantage NV, cujo banco de dados gerado foi processado pelo software Polar HR Analysis Software V.5,04.

O problema desta pesquisa não está centrado na formulação do diagnóstico nosológico dos DORT, no entanto, para alcançar o seu objetivo, foi necessária, obrigatoriamente, a seleção de portadores desses agravos à saúde, o que remete o estudo à formulação, no mínimo, de um diagnóstico provisório na caracterização do quadro doloroso, já que a intenção é investigar um indicador biológico dessas doenças e a sua relação com o contexto da organização do trabalho.

Por outro lado, tendo em vista a necessidade metodológica de constituir um Grupo Controle, foi selecionado um grupo de trabalhadores submetidos à situação e posto de trabalho idênticos que, com elevado grau de confiabilidade dos indicadores clínicos, não tenha sido acometido de qualquer quadro doloroso dos membros superiores cujo diagnóstico pudesse ser classificado como DORT.

Para a seleção dos trinta e quatro sujeitos valeu-se do exame médico convencional, composto de anamnese e exame físico, como sendo essenciais na formulação do diagnóstico dos DORT.

Para a identificação dos sujeitos portadores de DORT foram considerados os critérios preconizados por Ranney8: a) diagnóstico clínico de doença; b) identificação de um tecido comprometido; c) com nexo causal com o trabalho e d) passível de produzir sintomas característicos.

O quinto critério diagnóstico de Ranney8 refere-se à importância de que o DORT deve ser "verificável por teste específico" (p. ex.: os exames radiológicos, a eletromíografia, a uItra-sonografia e a ressonância magnética). Tendo em vista a dificuldade no preenchimento deste requisito para fins de diagnóstico clínico, optou-se por dispensá-lo como critério de inclusão neste estudo. Esta decisão fundamentou-se na hipótese de que a adoção deste critério de diagnóstico clínico, como critério de inclusão na amostra, seria capaz de limitar sobremaneira a amostra dificultando a obtenção do número mínimo de sujeitos necessários ao estudo para conferir-lhe significado estatístico.

Os critérios de inclusão dos sujeitos desta pesquisa foram: a) para o Grupo Controle, a ausência de quadro doloroso; b) para o Grupo de Estudo, o preenchimento, no mínimo e obrigatoriamente, de quatro dos cinco critérios de diagnóstico de DORT preconizados por Ranney8, descritos anteriormente.

Foram excluídos do Grupo de Estudo os sujeitos portadores de agravos à saúde, cujo diagnóstico diferencial com os DORT foi considerado prejudicado, isto é, quando o sujeito apresentava um quadro doloroso dos membros superiores cujo diagnóstico representava uma alternativa indistinguível de DORT.

Considerando que os DORT evoluem insidiosarnente e que muitos trabalhadores permanecem em atividade por períodos variáveis, apesar de estarem sentindo dor, e ainda que esse sintoma é de difícil monitoração durante a aplicação dos instrumentos de coleta de dados, tal possibilidade foi classificada como variável interveniente.

Para controlar esta variável, os dados de registros da FC foram descartados quando o sujeito relatava dor durante a coleta de dados. Na repetição da aplicação do freqüencímetro, os dados obtidos somente foram acatados quando o sujeito negava a ocorrência de dor durante a aplicação.

 

SISTEMATIZAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os dados gerados pela aplicação dos instrumentos de pesquisa foram sistematizados na Tabela 1.

 

 

Comparando os dados obtidos no trabalho de campo, observamos as seguintes relações:

A) Variável independente e variável extrínseca x variável dependente

A distribuição dos sujeitos de acordo com os freqüências cardíacas e a incidência de DORT (Figura 4) mostra que alguns sujeitos do grupo de portadores de DORT apresentam média das FC acima de 100 bpm, ao contrário do grupo dos sujeitos sadios cuja totalidade dos componentes apresenta média das FC abaixo de 100 bpm.

 

 

B) Variável independente e variável extrínseca x variáveis de controle

Neste estudo nota-se que o número de sujeitos portadores de DORT do sexo feminino é 4,66 vezes maior que o número de sujeitos portadores de DORT do sexo masculino (Figura 5), confirmando a literatura que indica uma maior incidência de DORT nas mulheres do que nos homens1-5.

 

 

Ao relacionar a incidência de DORT com o cargo ocupado (Figura 6), nota-se que nas empresas estudadas, comparativamente, há mais sujeitos que atuam nas funções de Apoio Administrativo sofrendo de DORT dos que Analistas de Sistemas e Programadores.

 

 

Analisando a relação entre a Carga Mental de Trabalho e a incidência de DORT (Figura 7), verifica-se que a Carga Mental não parece estar relacionada com a ocorrência deste agravo à saúde, já que a proporção entre o número de sujeitos portadores de DORT e sujeitos sadios em relação aos DORT se mantém aproximadamente a mesma em qualquer nível de carga mental.

 

 

C) Variável independente e variável extrínseca x variável dependente x variáveis de controle

Ao diversificar o detalhamento do estudo das relações, foi observado que o aumento na média das Freqüências Cardíacas entre alguns portadores de DORT já percebido na Figura 4, parece estar relacionado adicionalmente ao sexo feminino (Figura 8). Nota-se também que o maior número de sujeitos com média das FC abaixo de 80 bpm encontra-se entre o sujeitos do sexo masculino e saudáveis em relação ao DORT, bem como o maior número de sujeitos com média das FC entre 80 e 100 bpm encontra-se entre os sujeitos do sexo feminino que sofrem de DORT.

 

 

Estudando a relação entre as variáveis faixa etária, incidência de DORT e FC (Figura 9), observa-se que o aumento na média das Freqüências Cardíacas entre portadores de DORT, já observado ria Figura 4, ocorreu entre sujeitos com menos de 26 anos de idade. O maior número de sujeitos cujas médias de medições de FC ficou abaixo de 80 bpm encontra-se no grupo de sujeitos sadios em relação ao DORT e com mais de 20 anos de idade, bem como o maior número de sujeitos cujas médias de medições de FC ficou acima de 80 bpm e abaixo de 100 bpm encontra-se distribuído em igual número entre grupos de sujeitos com idades inferiores a 26 anos com ou sem DORT.

 

 

Analisando a relação entre as variáveis Cargo, incidência de DORT e FC (Figura 10), observa-se que o aumento na: média das FC entre portadores de DORT, já observados na Figura 4 ocorreu entre sujeitos cujos cargos eram os de Apoio Administrativo e Programador. O maior número de sujeitos cujas médias de medições de FC ficou abaixo de 80 bpm encontra-se no grupo de sujeitos sadios em relação ao DORT e que são Analistas de Sistemas, bem como o maior número de sujeitos cujas médias de medições de FC ficou acima de 80 bpm e abaixo de 100 bpm encontra-se no grupo de sujeitos que ocupam o cargo de programadores e sem DORT.

 

 

 

Estudando a relação entre as variáveis Carga Mental, incidência de DORT e FC (Figura 9), observa-se que o aumento na média das Freqüências Cardíacas entre portadores de DORT, já observado na Figura 4, ocorreu entre sujeitos com Carga Mental leve e moderada, O maior número de sujeitos cujas médias de medições de FC ficaram abaixo de 100 bpm encontra-se distribuído em igual número entre os grupos de sujeitos com Carga Mental Moderada, com ou sem DORT, bem como o maior número de sujeitos cujas médias de medições de FC ficaram acima de 80 bpm e abaixo de 100 bpm encontra-se no grupo de sujeitos com Carga Mental Moderada e sem DORT. A análise sinaliza que a Carga Mental de Trabalho, da mesma forma que em relação à incidência de DORT, também não parece estar influenciando a FC.

O estudo da ralação simultânea tias variáveis (independente x extrínseca x dependente x de controle x modeladoras) resultou em baixo número de sujeitos que preenchiam os requisitos do estudo, dando pouco significado estatístico às amostras e, portanto, foi abandonado.

 

CONCLUSÃO

A distribuição dos sujeitos de acordo com as FC e a incidência de DORT (Figura 4) mostra que apenas dois sujeitos do grupo de portadores de DORT apresentam média das FC acima de 100 bpm, ao contrário do grupo dos sujeitos sadios cuja totalidade dos componentes apresentam média das FC abaixo de 100 bpm. Com isso, podemos afirmar que a FC isoladamente não pode ser apontada como um indicador biológico da ocorrência de DORT, porém, sua utilidade na prevenção deste agravo à saúde humana poderia ser estudada pela associação com outros indicadores organizacionais e fisiológicas, possivelmente relacionando-a com as variações individuais que refletem parcialmente as diferenças no nível de estimulação simpática e paras-simpática do coração.

Por outro lado, a dificuldade de desenvolver um método de prevenção dos DORT calcado em indicadores biológicos pode ser interpretada como um sinal de que a conclusão deste estudo reforça o rumo das pesquisas centradas nos efeitos da carga de trabalho sobre a saúde humana, que já apontaram que a redução da jornada de trabalho, objetivando a redução da fadiga aguda (importante agente causador dos DORT), pode ser mais eficaz do que a redução do ritmo de trabalho ou o aumento dos intervalos para descanso.

Uma limitação encontrada neste estudo se refere à não realização de uma análise detalhada da atividade desempenhada pelos sujeitos, que prejudicou a investigação do peso que a diferença entre as tarefas/atividades dos sujeitos agrupados sob a denominação de "Apoio Administrativo" representaram em relação aos "Analistas de Sistemas" e “Programadores'.

O aumento da idade parece ter afetado a FC no sentido de sua redução, o que não se verificou entre os portadores de DORT (Figura 10). Tal observação sinaliza que a relação entre a faixa etária e a FC, para fins de prevenção da incidência de DORT, poderia ser mais bem estudada.

 

REFERÊNCIAS

1. Coury HJCG, Leo JA, Em que os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho se diferenciam das lesões por esforço repetitivo? Rev Fisiot Mov 1997/1998 out./mar.; 10(2): 92-102.

2. Lech O, Hoefl MG. Protocolo de Investigação das Lesões por Esforço Repetitivo, São Paulo: Rhodia Forma; 1994.

3. Araújo IEM, Alexandre NMC. Ocorrência de cervico-dorsolombalgia em funcionários de enfermagem em centro cirúrgico. Rev Bras Saúde Ocup 1994; 25 (93/94); 119-27.

4. Sato L. Atividade em grupo com portadores de LER e achados sobre a dimensão psicossocial. Rev Bras Saúde Ocup 1993; 21(79):49-62.

5. Lemos JC. Avaliação da carga psíquica nos distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT) em trabalhadores de enfermagem do Hospital Universitário de Santa Maria - HUSM [dissertação], Florianópolis: Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina; 2001.

6. Wisner A. Por dentro do trabalho. São Paulo: FTD/Oboré; 1987.

7. Laurell AC, Noriega M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo; Hucitec; 1989,

8. Ranney D. Distúrbios osteomusculares crônicos relacionados ao trabalho? São Paulo; Roca; 2000,

9. Gottschall CAM. Função cardíaca - da normalidade à insuficiência. São Paulo: Fundação Byk; 1995.

10. Suros Forns J, Batllo JS, Batllo AS. Semiologia medica y técnica exploratoria. 6ª ed. Barcelona: Salvat; 1978.

11. Mangione S. Segredos em diagnóstico físico. Porto Alegre: Artmed; 2001,

12. Meshkati N. Heart rate variabilíty and mental workload assessment. In: Hancock PA, Meshkati N, editors. Human mental workload. Amsterdam: North-Holland; 1988, p. 101-15,

13. Kamal AM, Dammak M, Caillard J, Couzinet M, Paris C, Ragazzini I. Relative cardiac cost and physical, mental and psychological work load among a group of post-operative care personnel, Int Arch Occup Environm Health 1991; 63:353-8.

14. Feuerstein M, Fitzgerald TE, Biomechanical factors afíecting upper extremity cumulative trauma disorders in sign language interpreters. J Occup Med 1992; 34(3):257-64.

15. Lee DH, Park KS. Multivariate analysis of mental and physical load components in sinus arrhythmia scores, Ergonomics 1990 Jan; 33(1): 35-47.

16. Steptoe A, Moses J, Mathews A, Edwards S. Aerobic fitness, physical activity, and psychophysiological reactions to mental tasks, Psythophysiology 1990; 27(3):264-74.

17. Shimaoka M, Hiruta S, Ono Y, Nonaka H, Hjelm EW, Hagberg M. A comparative study of physical work load in Japanese and Swedish nursery school teachers. Eur J Appl Physiol 1998; 77:1-2, 10-8,

18. Baumer MH, Cruz RM, Moro ARR. A produção do conceito de carga mental do trabalho. In: VII Congresso Latino-Americano de Ergonomia, XII Congresso Brasileiro de Ergonomia, I Seminário Brasileiro de Acessibilidade Integral. Anais da ABERGO. Recife: ABERGO; 2002.

19. Correa FP. Carga mental e Ergonomia [dissertação]. Florianópolis: Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção e Sistemas, Universidade Federal de Santa Catarina; 2003.

20. Hendy KC, Hailton KM, Landry LN. Measuring subjective workload: when is one scale better than many? Hum Fact 1993; 35(4); 579-601.

21. Wierwille WW, Rahimi M, Casali, JG. Evaluation of 16 measures of mental workload using assimilated flight task emphasizing mediational activity. Hum Fact 1985; 27:489-502.

22. Wierwille WW, Casali JG. A validated rating scale for global mental workload measurement application. In: Human Factors Society 27th Annual Meeting. Santa Monica, CA: Human Factors Society; 1983. p. 129-33.

23. Marconi MA, Lakatos EM. Fundamentos de metodologia científica. 5ª ed. São Paulo: Ed. Atlas; 2003.

24. Grandjean E. Manual de Ergonomia, adaptando o trabalho ao homem 4ª ed. Porto Alegre: Bookman; 1998.


© 2024 Todos os Direitos Reservados