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ARTIGO ORIGINAL

Testes Enzimáticos Hepáticos na Prática da Medicina do Trabalho

Enzymatic Hepatic Tests in the Occupational Medicine Practice

Arlinda Gomes

RESUMO

Os testes enzimáticos hepáticos são largamente utilizados como indicadores dos efeitos de substâncias químicas sobre o fígado. A interpretação dos resultados das análises laboratoriais é complexa, pois tais enzimas não são específicas do tecido hepálico, podendo estar alteradas por doenças ou lesões em outros órgãos. As enzimas podem também estar alteradas em indivíduos saudáveis, assintomáticos, ou serem encontrados valores normais em indivíduos com sérias doenças hepáticas. Diversos fatores e condições de risco favorecem o aparecimento de transtornos hepáticos, o que exige uma cuidadosa e minuciosa ananmese, exame clínico onde não deve faltar o detalhamento da história patológica pregressa, social, familiar e ocupacional. A prevalência de alterações das enzimas sêricas é muito variável de acordo com a população estudada. Mesmo em grupos populacionais expostos a fatores de risco ocupacionais semelhantes, evidenciam-se diferenças estatisticamente significativas, sugerindo que fatores extra-ocupacionais exerçam grancle influência nos resultados. Enquanto, num estudo englobando 692 trabalhadores, a prevalência de alteração da enzima gama-glutamiltransferase foi de 30,6%, em outra indústria do mesmo ramo de atividade, com 1.183, a prevalência foi de 21,1%, Nessas mesmas indústrias, a prevalência das alterações da enzima ala nina aminotrasferase foi respectivamente de 20,9% e 13,2%. São necessários muita cautela e rigor científico para se chegar ao diagnóstico etiológico (nexo causal), devendogse evitar conclusões espúrias e precipitadas, ainda mais pela má qualidade das mensurações das exposições ambientais, que provocam conseqüentes vieses nos resultados de estudos sobre as causas das doenças relacionadas ao trabalho.

Palavras-chave: Testes Enzimáticos Hepáticos; Enzimas Sêricas; Doença Hepática Tóxica; Hepatopatias Tóxicas; Alterações Enzlmáticas.

ABSTRACT

Enzymatic Hepatic tests are widely used as indicators of the effects of chemicals on the liver. However, the interpretation of the results is complex, because those enzymes are not specific to the hepatic tissue, therefore the assays may be modified by diseases or injuries affecting other organs. Moreover, these enzymes may be modified in healthy, asymptomatic individuals; and even normal values may be found in individuais with severe hepatic diseases. Several factors and conditions may increase the risk of hepatic disorders. Thus requiring a careful and meticulous anamnesis and clinical examination. Details of the pathological, social, familiar and occupational history must be inquired. The prevalence of serie enzymes alteration varies widely depending on the studied population. Even in different population groups exposed to similar occupational risk factors, significant statistical differences are found, suggesting that extra-occupational factors are a big influence. In a study concerning 692 workers the prevalence of the enzyme Gama-glutamiltranferase alteration was 30.6%, while another study performed on 1183 workers in a similar company gave a prevalence of 21.1%. In the above mentioned companies, the prevalences of the enzyme Alanine-aminotransferase alterations were respectively of 20.9% and 13.2%. Therefore, caution and scientific strictness are necessary to achieve the etiologic diagnosic (causal nexus). Incorrect and precipitated conclusions due to the bad quality of environmentat exposure measurements must be avoided as they indeed cause consequent bias in the results of the studies concerning the origins of work related diseases.

Keywords: Enzymatic Hepatic tests; Seric Enzymes; Toxic Hepatic Disease; Toxic Hepatopathies; Enzymatic Alterations.

INTRODUÇÃO

Os agentes químicos, após serem absorvidos pelo organismo, se distribuem pela corrente sangüínea sendo biotransformados principalmente pelo fígado e, a seguir, armazenados ou eliminados. Cahe ao fígado, maior órgão do corpo humano, preparar as substancias para serem armazenadas ou eliminadas. O contato com substâncias tóxicas predispõe o fígado a diversos tipos de agressões. Trataremos nesse artigo dos indicadores que ma is freqüente mente expressam essa agressão.

 

INTERPRETAÇÃO DOS TESTES ENZIMÁTICOS HEPÁTICOS

As alterações dos testes enzimáticos hepáticos (enzimas sêricas) e a esteatose hepática, ao contrário do que pensam muitos médicos desavisados, são freqüentementte encontradas em pessoas saudáveis e completamente assintomáticas. Em contrapartida, pessoas com doenças hepáticas instaladas podem apresentar estes mesmos testes com valores dentro do intervalo de referência (valores normais).

Um estudo seccional conduzido recentemente na Itália com 257 participantes (67 controles; 66 pessoas obesas; 69 grandes consumidores de bebida alcoólica; 55 obesos grandes consumidores de bebida alcoólica) retirados de um grupo de 10.150 habitantes de duas cidades do Nordeste desse país, pertencentes à coorte do denominado Dionysos study1, verificou que 16,4% dos indivíduos do grupo controle (pessoas saudáveis, assintomáticas, não obesas, consumidores de menos de 30 g de álcool por dia) apresentavam alteração dos testes enzimáticos hepáticos sugestivos de esteatose hepática.

No Dionysos study a freqüência das alterações em indivíduos grandes consumidores de álcool (mais de 60 g de álcool por dia) foi de 46,4%; entre obesos (IMC >30) não grandes consumidores de álcool foi de 75,8%; e entre os obesos grandes consumidores de bebidas alcoólicas foi de 94,5%.

No Brasil, 25% das pessoas infectadas pelo vírus C da hepatite apresentam valores de ALT normais2. Barberino Mendes3, em 2000, na Bahia, concluiu em sua tese de doutorado que a prevalência de alterações hepáticas foi cerca de quatro vezes mais elevada em trabalhadores de uma refinaria de petróleo (atividade da GGT e da ALT simultaneamente maiores que o Valor de Referência - VR, em 15,1% dos trabalhadores), em comparação com trabalhadores de um escritório situado no centro da cidade de Salvador (atividade da GGT eda ALT simultaneamente maiores que o VR em 3,8% dos trabalhadores). Quando os consumidores de bebida alcoólica foram excluídos esta diferença aumentou para 8,6 vezes.

Na literatura médica brasileira, são raros os estudos sobre a prevalência de alteração hepática entre trabalhadores, mesmo que sejam apenas citações de alterações dos testes enzimáticos. Estes resultados existem, mas por vários motivos não são publicados.

Encontramos no Portal da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) dados muito interessantes sobre a prevalência de alteração da enzima alanina aminotransferase (ALT) entre doadores voluntários de sangue, que passaram pela etapa de triagem. Este grupo correspondeu a cerca de 80% das pessoas que se apresentaram voluntariamente como doadores. Em 1999, foram testados 1.747.920 doadores, sendo que destes, 1,48% (26,119 pessoas) apresentaram ALT acima de duas vezes o valor de referência - VR. No ano seguinte, foram testados 1.934.893 doadores e constatada a prevalência de 1,08% (20.919 pessoas) com ALT duas vezes acima do VR.

Os diversos dados apresentados anteriormente são importantes para se compreender a magnitude do problema e a complexidade de interpretar isoladamente os resultados de exames diagnósticos e estabelecer o nexo entre causa e efeito. A propósito, encontramos na literatura entre outros estudos controlados investigação feita por compatriotas de Portugal que examinaram 111 doadores voluntários de sangue com ALT elevada. Em 11 casos (9,9% dos doadores) não foi possível determinar qualquer fator de risco4.

Cabe ressaltar que os bancos de sangue utilizam o valor de ALT duas vezes acima do VR (seriam casos suspeitos de hepatite com testes virais negativos) como referência para exclusão de sangue para transfusão.

Portanto, na prática médica são adotados outros valores de referência além dos ditos como "normais". Também desde 1990 o The Council for International Organizations of Medical Sciences estabeleceu por meio de Consenso Internacional5 um balizamento para os médicos sobre o efeito de medicamentos, que pode ser extrapolado para as substâncias químicas existentes nos ambientes de trabalho. O Consenso estabeleceu que o termo "agressão hepática" deve ser usado quando ocorrer:

1) Aumento superior a duas vezes o VR (2VR - duas vezes acima do valor superior do intervalo de referência do método analítico utilizado) da enzima ALT ou da bilirrubina conjugada ou;

2) Aumento combinado da AST, fosfatase alcalina e bilirrubina total, desde que o resultado de pelo menos uma das determinações seja superior a 2VR.

Notamos que o Consenso não se refere a GGT dada a sua baixa especificidade, apesar de ser altamente sensível. A utilização dessa enzima tem causado mais confusão do que solução, pois a sua produção pode ser induzida por uma série de substâncias químicas, incluindo medicamentos, chás, fitoterápicos e bebida alcoólica, o que tem gerado uma grande quantidade de casos falsos positivos para doença hepática. Seu uso é de maior utilidade no acompanhamento de alcoolistas em processo de recuperação e no controle de recaídas, ou, então, no esclarecimento de elevações da fosfatase alcalina visando descartar distúrbios ósseos, como na doença de PAGET. A conceituada Cleveland Clinic6 retirou o teste da GGT de seu liver panel devido às citadas limitações desse teste enzimático.

O desafio para diagnosticar corretamente a etiologia da doença hepática se deve ao fato de haver vários fatores de confundimento que precisam ser ajustados para se caracterizar o nexo causal (etiológico) entre as alterações dos testes enzimáticos e a origem do problema, se ocupacional ou não, ou, então, não ocupacional agravado pelo trabalho, ou vice-versa. A Tabela 1 aponta alguns fatores de risco e condições que podem potencialmente contribuir para o surgimento de doenças hepáticas e conseqüentes alterações das enzimas séricas.

 

 

Outro desafio a ser vencido e considerado pelo médico do trabalho são os erros de resultados produzidos por problemas na fase de pré-análise do sangue (coleta, armazenagem e transporte), análise propriamente dita e pós-análise (registro dos resultados no laudo do laboratório ou transcrição do papel para meio eletrônico).

A interpretação das análises laboratoriais depende do conhecimento dos valores normais e intervalo de referência na população sem doença. A determinação do intervalo de referência para um analito é feita, geralmente, através de medição específica num grande número de indivíduos, agrupados por idade, sexo, que não apresentam qualquer doença conhecida. Vários fatores devem ver padronizados, entre eles o método utilizado pelo laboratório e os kits de reagentes.

Durante a nossa pesquisa observamos uma grande variabilidade de intervalos de referência para as enzimas séricas. Estes dados variavam de acordo com o laboratório de análises e referências da literatura. A Tabela 2 apresenta alguns valores de referência para a enzima GGT encontrados em livros-texto e adotados por laboratórios de análise.

 

 

O intervalo de referência recomendado pelo laboratório "A" foi o adotado no ano de 2002. Em 1999, os valores usados pelo mesmo laboratório foram diferentes (M - 11-65U/L; F-8-35U/L). Como na análise crítica dos resultados deverá ser observada a série histórica do resultados, estes diferentes intervalos de referência necessitarão serem obrigatoriamente considerados.

 

RASTREAMENTO (SCREENING, TRIAGEM, RASTREIO)

Quando usados apropriadamente os lestes diagnósticos podem ser de grande utilidade para o médico. O mesmo pode-se dizer dos exames de rastreamento quando utilizados criteriosamente e levando em consideração: a) as características da população: alta prevalência da doença e as pessoas concordarem com a realização de outros exames e tratamento; b) as características da doença: significativa morbidade e mortalidade, tratamento disponível aceitável e efetivo, período pré-sintomático detectável, tratamento precoce em nível ambulatórial e, c) as características do teste: boa sensibilidade e especificidade; baixo custo e risco de existência du exames confirmatórios e práticos7.

O rastreamento promove a identificação presumível de doença ou transtorno não reconhecido atravéz do exame clínico. Classifica os indivíduos com prováveis doenças. Não é exame diagnóstico, pois necessita de outros exames confirmatórios, mas desperta no médico a necessidade de aprofundar a pesquisa visando chegar a um diagnóstico precoce de doença.

O Comitê de Especialistas da OMS em vigilância do meio ambiente e das condições de saúde nos programas de Saúde Ocupacional definiu a detecção (diagnóstico) precoce de comprometimento da saúde como o descobrimento das alterações dos mecanismo homeiostáticos e compensadores quando as variações bioquímicas, morfológicas e funcionais são reversívies8

Para se prevenir uma enfermidade, os critérios de deterioração do estado de saúde devem se basear em alterações bioquímicas, morfológicas e funcionais que precedem as manifestações de sinais e sintomas da doença. O rastreamento de doenças e transtornos orgânicos é uma das ferramentas utilizadas para esse fim, mas apresenta vantagens e desvantagens, algumas exemplificadas na Tabela 3.

 

 

Os testes enzimáticos alterados não são específicos de lesão ou transtorno funcional do fígado, mas são sensíveis para indicar a necessidade de acompanhamento dos trabalhadores possivelmente acometidos de agressão hepática por diferentes fatores de riscos incluindo-se os agentes químicos existentes no ambiente de trabalho e outros como os vírus hepatotrópicos.

A elevada freqüência de alteração das enzimas séricas (GGT e ALT) em determinados grupos populacionais, em particular, aqueles com risco potencial de hepatopalias, chamados de grupos de risco, justificam a realização de rastreamento periódico. Por exemplo, indivíduos que receberam transfusão de sangue ou derivados antes de 1194, quando não se pesquisava contaminação pelo vírus C da hepatite no sangue transfundido, deveriam submeter-se a pesquisa de anticorpos contra o vírus C. Na falta de recursos técnicos e financeiros, seria admissível aferir a atividade sérica da ALT, conforme fazem a maioria dos bancos de sangue no mundo. Devido ao desenvolvimento de drogas eficazes contra esse tipo de hepatite, sanam evitados novos casos de cirrose, insuficiência hepática e câncer hepático.

Também se justificaria a pesquisa de possíveis alterações nas enzimas séricas em trabalhadores expostos a agentes químicos ou misturas de substâncias químicas reconhecidamente hepatotóxicas, especialmente quando a magnitude da exposição for relevante do ponto de visto toxicológico, em particular quando a concentração desses agentes for maior do que o nível de ação das substâncias (acima de 50 % do Limite de Exposição). Em geral, existe uma relação muito forte entre a dose do agente químico e o efeito tóxico no fígado. O exemplo clássico são os efeitos causados pelo álcool etílico nos grandes consumidores de bebida e a ausência ou pobreza de efeitos nos consumidores de pequenas doses de bebida. A exposição excessiva aos hidrocarbonetos clorados também pode ser tomada como exemplo.

É importante ressaltar que o monitoramento biológico de efeito, através da dosagem das enzimas séricas, não substitui os monitoramentos ambientais, que deveriam ser obrigatórios e preceder a qualquer monitoramento biológico, ou então serem realizados concomitantemente.

Portanto, os exames de rastreamento quando são adequadamentes solicitados, especialmente na busca de doenças de elevada prevalência ou morbimortalidade, deveriam ser considerados na rotina dos exames ocupacionais. A Norma Regulamentadora 7 (NR 7) no item 7.4.2.3 da Legislação de Segurança e Medicina do Trabalho orienta o médico coordenador do PCMSO a solicitar exames complementares usados normalmente em patologia clínica, para avaliar o funcionamento de órgãos e sistemas.

 

PREVALÊNCIA DE ALTERAÇÕES DE ENZIMAS HEPÁTICAS EM TRABALHADORES

Conforme havíamos mencionado anteriormente, a literatura médica brasileira carece de trabalhos científicos referentes a prevalência de alterações das encimas hepáticas em trabalhadores devidamente validados e com amostras representativas de casos. Recentemente em tese de doutoramento3 e em dissertação de mestrado9 foi apresentada a prevalência de alterações de enzimas séricas em grupos expressivos de trabalhadores da indústria de petróleo. A Tabela 4 apresenta os principais resultados registrados nos textos acadêmicos e mostra que apesar de serem indústrias semelhantes, os valores encontrados apresentam diferenças significativas, o que recomenda a realização de novos estudos. Mais pesquisadores poderiam desenvolver novos estudos controlados em empresas de outros ramos de atividade utilizando metodologia padronizada como os autores citados.

 

 

Os cálculos referenciados na Tabela 4 foram obtidos através do programa EPITABLE do Sistema EPI INFO 6.04d, sendo comparadas as proporções encontradas nos dois estudos realizados em indústrias semelhantes.

 

CONCLUSÕES

O diagnóstico etiológico das doenças hepáticas é complexo. A utilização isolada de testes enzimáticos de uso corrente na clínica não nos permite chegar com precisão à causa da doença e não serve como parâmetro para aferir o estado funcional do fígado. É necessária e indispensável adequada correlação com os dados clínicos, epidemiológicos e ocupacionais, sendo imprescindível adequada anamnese e exame clínico. A análise dos casos mais complexos exige a participação de hepatologista experiente, e, quando se suspeitar de doença relacionada ao trabalho, a presença do Médico do Trabalho é essencial. A história patológica pregressa, familiar, social, ocupacional contribuirão para o diagnóstico de situações clínicas como hemocromatose, doença de Wilson, deficiência de α-antitripsina, doença celíaca, hepatites virais e outras patologias. A pesquisa das doenças que mais freqüentemente provocam alterações enzimáticas deve ser cuidadosamente conduzida, em especial o etilismo, comumente negado pelo trabalhador com medo de perder o emprego. Os testes sorológicos são cada vez mais sensíveis e têm ajudado no esclarecimento de muitas hepatopatias antes rotuladas como idiopáticas. Recentemente tem se destacado a esteato-hepatite não-alcoólica, mais conhecida como NASH (nonalcoholic steatohepatitis) de múltiplas causas especialmente os distúrbios metabólicos como hiperglicemia, hipertrigliceridemia, obesidade e exposição a compostos orgânicos10. O rastreamento de possível doença hepática, ocupacional ou não, em grupos de trabalhadores previamente selecionados, com base em critérios clínicos, epidemíológicos e ocupacionais, poderá contribuir para a identificação precoce de transtorno hepático, sendo que a dosagem da ALT seria um método sensível e específico para lesão do hepatócito e da GGT sensível indicador para alcoolismo, apesar de não ser específico. Este teste sempre deveria vir associado à aplicação de questionários auto-aplicáveis como, por exemplo, o AUDIT. Não indicamos o rastreamento indiscriminado utilizando os testes citados, mas em grupos de pessoas que apresentem os principais fatores de risco relacionados na Tabela 1.

Um dos críticos problemas da Saúde Ocupacional no Brasil é a falta de dados ambientais. Muitas vezes quando existem são incompletos ou não seguem uma metodologia consistente, o que prejudica a adequada caracterização da associação entre o agente, doença ou transtorno pré-clínico (alteração enzimátíca em paciente assintomático). A identificação ou mensuração da exposição é sempre um aspecto crítico dos estudos na área de saúde do trabalhador. Infelizmente, apesar dos avanços tecnológicos, a má qualidade das mensurações das exposições permanece como a principal fonte de baixa acurácia, erros de classificação e conseqüentemente vieses nos resultados de estudos sobre as causas das doenças ocupacionais11. Ao se concluir sobre o diagnóstico ou qualquer outro tipo de pesquisa deve-se ficar atento para evitar conclusões espúrias, sejam elas atribuíveis a erros metodológicos na concepção, desenho ou implementação do estudo, ou ainda no processo de análise dos dados12.

A Medicina do Trabalho, desde abril de 2002 reconhecida Pelo Conselho Federal de Medicina como especialidade médica, deve se pautar, sempre que possível, em evidências clínicas, laboratoriais e epidemiológicas, deixando de lado o empirismo, os "achismos" e as presunções que rebaixam o nível técnico dos profissionais da área. A falta de sustentação científica de algumas práticas correntes acaba virando fonte de conflitos judiciais que não agregam valor ao desenvolvimento científico. Para se investigar alterações dos testes enzimáticos hepáticos e diminuir possíveis conflitos, existem alguns artigos13, 14 e capítulos de livros15, 16 que deveriam ser consultados. Com isso tornaríamos a Medicina do Trabalho um pouco mais científica e menos ciência jurídica.

 

AGRADECIMENTOS

Boa parte deste texto foi extraída da Dissertação de Mestrado apresentada pelo autor no Núcleo de Saúde Coletiva da UFRJ em dezembro de 2003, sob a orientação do Professor Volney de Magalhães Câmara, tendo como avaliadores os Professores Armando José Marques Ptrriènta, Antonio José Leal Costa e Carmem Ildes Fróes Asmus, aos quais agradeço pelas orientações e contribuições.

 

REFERÊNCIAS

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3. Barberino Mendes JL. Alterações hepáticas trabalhadores de uma refinaria de petróleo [tese]. Salvador: Coordenação de Pós-graduação em Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia; 2000.

4. Pires S. Importância clínica da determinação de Alanina Aminotransferase em doadores benévolos de sangue sem marcadores de infecção viral. ABO 2000; 1:27-33.

5. Benichou C. Criteria of drug-induced liver disorders. Report of an international consensus meeting. J Hepatol 1990; 11(2): 272-6.

6. Carey WD. How should a patient with an isolated GGT elevation be evatuated? Cleveland Clin J Med 2000; 67(5):315-6.

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9. Gomes A. Prevalência de alterações de testes enzimátieos hepáticos em trabalhadores de indústria de petróleo [dissertação]. Rio de Janeiro; Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2003.

10. Cotrim H, Andrade ZA. Nonalcoholic Steatohepatitis, a toxic liver disease in industrial workers. Liver 1999; 19:299-304.

11 Santana VS, Cordeiro R. Detecção de agravos à saúde relacionados com o trabalho em estudo epidemiológico. In: Mendes R, editor. Patologia do trabalho. São Paulo: Atheneu; 2003. p.199-229.

12. Werneck GL. Validade em estudos epidemiológitos. In: Medronho RA, editor. Epidemiologia, Rio de Janeiro; Atheneu; 2002. p. 199-212.

13. Herip DC. Recommendations for the investigation of abnormal heparic function in asymptomatic workers. Am J Ind Med 1992; 21;331-9.

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16. Brasil. Ministério da Saúde. Doenças relacionadas ao trabalho. In: Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde. Brasília; 2001. p. 379-84.


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