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ARTIGO ORIGINAL

Uma incursão de Euclides

Bernardo Bedrikow

Não sabemos se o Euclides matemático incursionou pela Medicina do Trabalho, mas nosso Euclides da Cunha certamente o fez. Eis, literalmente, um parágrafo assinalado pelo Presidente René Mendes, à página 219, do primeiro volume das obras completas do autor de "Os Sertões", trecho de artigo publicado no "O Estado de S. Paulo", exatamente em 1º de maio de 1904:

"A exploração capitalista é assombrosamente clara, colocando o trabalhador num nível inferior ao da máquina. De fato, esta, na permanente passividade da matéria, é conservada pelo dono; impõe-lhe constante reguardo no trazê-la íntegra e brunida, corrigindo-lhe os desarranjos; e quando morre - digamos assim - fulminada pela pletora da força de uma explosão, ou debilitada pelas vibrações que lhe granulam a musculatura de ferro, origina a mágoa real de um desfalque, a tristeüa de um decrescimento da fortuna, o luto inconsolável de um dano. Ao passo que o operário, adstrito a salários escassos demais à sua subsistência, é a máquina que se conserva por si, e mal; as suas dores recalca-as forçada mente estóico; as suas moléstias, que, por uma cruel ironia, crescem com o desenvolvimento industrial - o fosforismo, o saturnismo, o hidrargirismo, o oxtearborismo - cura-as como pode, quando pode; e quando morre, afinal, às vezes subitamente triturado nas engrenagens da sua sinistra sócia mais bem quinhoada, ou lentamente - esverdinhado pelos sais de cobre e de zinco paralítico delirante pelo chumbo, inchado pelos compostos do mercúrio, asfixiado pelo óxido carbônico, ulcerado pelos cáusticos dos pôs arsencais, devastado pela terrível embriaguez petrólica ou fulminado por um coup de plomb - quando se extingue, ninguém lhe dá pela falta na grande massa anônima e taciturca, que enxurra todas as manhãs à porta das oficinas".

O trecho citado vem a propósito das festas do 1ª de maio, e de uma análise crítica da Revolução Francesa, e de erros cometidos pola sociedade, a partir de 1789.

E "Os Sertões?" Teria Euclides da Cunha também interpretado o sertanejo apesar de ser, antes de tudo, um forte, passível dos acidentes e das doenças do trabalhador rural? Se essa análise ainda não foi feita, vai aí a sugestão para uma releitura do nosso Euclides.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

1. Cunha E. Contrastes e confrontos. In: Coutinho A, organizador Euclides da Cunha: obra completa. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar; 1995. v.1, p.219.


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