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ARTIGO ORIGINAL

Qualidade dos dados do sistema de informação sobre acidentes de trabalho com exposição a material biológico no Brasil, 2010 a 2015

Quality of the data in the information system for work accidents under exposure to biological materials in Brazil, 2010 to 2015

Sâmea Cristina Santos Gomes1; Arlene de Jesus Mendes Caldas2

DOI: 10.5327/Z1679443520170036

RESUMO

CONTEXTO: Os sistemas de informação em saúde possibilitam conhecer problemas dessa área e, muitas vezes, representam a única fonte de informação, tornando-se fundamental conhecer sua qualidade.
OBJETIVO: Analisar a acessibilidade, a oportunidade e a completude como critérios da qualidade das informações do Sistema de Informação sobre Agravos de Notificação a respeito de Acidentes de Trabalho com Exposição a Material Biológico (SINAN-ATEMB), no período de 2010 a 2015.
MÉTODOS: Estudo observacional, descritivo, baseado em dados secundários do SINAN sobre ATEMB. O objeto de análise do estudo foi composto por todos os registros de ATEMB ocorridos nos 26 estados e no Distrito Federal no período de 1º de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2015.
RESULTADOS: Foi constatado que as informações são acessíveis e oportunas, com defasagem do ano vigente em relação ao início do estudo. O SINAN-ATEMB apresentou elevado percentual de dados incompletos nas variáveis: escolaridade, tempo de trabalho na ocupação, material orgânico, status sorológico do acidentado e do paciente-fonte, condutas adotadas, evolução do caso e emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), levando a consideração de que não é possível o uso dessas variáveis em análises de fatores de risco.
CONCLUSÃO: Conclui-se que, apesar da acessibilidade da base de dados e da relevância de suas variáveis, o SINAN-ATEMB possui problemas de qualidade que apontam para a indiscutível necessidade de melhorias na completude de suas informações.

Palavras-chave: sistemas de informação; notificação de acidentes de trabalho; exposição a agentes biológicos.

ABSTRACT

BACKGROUND: Health information systems allow for the identification of problems in this field, and often represent the single source of information; therefore, accurate determination of their quality is crucial.
AIMS: To analyze accessibility, opportunity and completeness as criteria for the quality of the information provided by System of Information for Notifiable Conditions (Sistema de Informação sobre Agravos de Notificação – SINAN) on Work Accidents under Exposure to Biological Materials (Acidentes de Trabalho com Exposição a Material Biológico – ATEMB) from 2010 to 2015.
METHODS: Observational and descriptive study based on secondary SINAN data on ATEMB. The object of analysis was all ATEMB records from the 26 Brazilian states and Federal District from 1 January 2010 to 31 December 2015.
RESULTS: Information is accessible and timely, while the data for the ongoing year are only made available the following one. The percentage of incomplete data in SINAM-ATEMB was high for the following variables: educational level, length of work in the current job, organic materials, serological status of affected individuals and source-patient, measures adopted, case progression and Work Accident Notification (Comunicação de Acidente de Trabalho - CAT); therefore, these variables cannot be included in analyses of risk factors.
CONCLUSION: Despite the accessibility of the database and the relevance of its variables, SINAN-ATEMP exhibits problems in its quality that indicate an indisputable need to improve the completeness of information.

Keywords: information systems; notification of occupational accidents; exposure to biological agents.

INTRODUÇÃO

Os acidentes de trabalho com exposição a material biológico (ATEMB) são caracterizados como lesões corporais que envolvem o contato direto com sangue e fluidos orgânicos no ambiente de trabalho, podendo ocorrer por inoculação percutânea, por intermédio de agulhas ou objetos cortantes, e pelo contato direto com pele e/ou mucosas não íntegras1,2, nos quais os agentes etiológicos podem determinar doenças graves. Destacam-se, nesse grupo, a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e hepatites virais3.

No Brasil, o Ministério da Saúde relata que a elevada incidência de ATEMB ainda é bastante preocupante4. Segundo dados do Sistema de Informação sobre Agravos de Notificação (SINAN), de 2007 a 2013 foram notificados 203.709 casos de acidentes de trabalho com exposição a material biológico com a ocupação do trabalhador reconhecida5,6.

Dispor de informações de boa qualidade sobre os agravos e doenças do trabalho (ou relacionadas a ele) é fundamental para o reconhecimento da urgência e das prioridades das ações visando à melhoria das condições de trabalho, da saúde dos trabalhadores e, consequentemente, da redução dos acidentes laborais7. Nesse sentido, em 2004, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 777, determinou a notificação compulsória de doenças relacionadas ao trabalho, incluindo os acidentes com exposição a material biológico8.

Além disso, a Portaria nº 104/20119 estabeleceu a notificação compulsória dos ATEMB no SINAN e, em 2014, foi publicada a Portaria nº 1.271 que determinou que esse agravo seja notificado semanalmente, tanto pelos serviços públicos de saúde como pelos privados10. Essa Portaria foi reiterada pelas Portarias nº 20411 e 20512, de 17 de fevereiro de 2016.

A organização de um sistema voltado especificamente para os ATEMB constitui-se como um importante instrumento na consolidação da vigilância dos agravos à saúde do trabalhador no Brasil, permitindo obter-se informações para aferição quantitativa e qualitativa, como ocorre em outros sistemas de informação em saúde disponíveis no país, entre eles o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC)8.

No entanto, mesmo dispondo de sistemas de informações nos mais variados contextos, e com crescente importância atribuída à informação produzida pelos serviços de saúde, o monitoramento da qualidade dos dados13,14 ainda é incipiente, com os problemas relativos à produção e à gestão de registros de qualidade15 ainda sendo negligenciados, o que leva a questionamentos sobre a consistência das informações e sobre a qualidade dos dados secundários para que análises feitas sejam eficientes e fundamentadas em fatos, com o mínimo de distorções16,17.

Organizações internacionais, como a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), ressaltam que os países que utilizam sistemas estatísticos têm ampliado o conceito tradicional de qualidade, incluindo atributos para medir de alguma maneira a melhora contínua dos sistemas de informação. Os atributos e domínios geralmente utilizados e que se incluem nessa concepção mais ampla da qualidade referem-se aos seguintes aspectos: relevância, oportunidade, acessibilidade, claridade metodológica, coerência e completude18.

Nesse sentido, este estudo teve como objetivo apresentar uma análise da qualidade das informações registradas sobre os acidentes de trabalho com exposição a material biológico, investigando a acessibilidade, a oportunidade e a completude das informações existentes no SINAN no período de 2010 a 2015, no Brasil.

 

MÉTODOS

Trata-se de um estudo observacional descritivo, baseado em dados secundários do SINAN sobre ATEMB. O objeto de análise do estudo foi composto por todos os registros de ATEMB ocorridos nos 26 estados e no Distrito Federal no período de 1º de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2015.

O levantamento foi realizado em janeiro de 2017 e, portanto, a base de dados utilizada estava atualizada, visto que já havia transcorrido tempo suficiente tanto para concluir oportunamente as notificações realizadas em 2015, como também para os dados serem transferidos.

As bases de dados de notificações de ATEMB do SINAN foram cedidas pela Coordenação-Geral de Saúde do Trabalhador, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (CGSAT/SVS/MS), por meio do Centro Colaborador em Vigilância dos Acidentes de Trabalho, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFB), e encontram-se disponíveis no portal: http://www.ccvisat.ufba.br. Os dados foram obtidos por meio de download dos arquivos no endereço eletrônico mencionado e, posteriormente, incluídos em uma planilha única do Microsoft Excel versão 2010.

As dimensões da qualidade dos dados analisados neste estudo incluem a acessibilidade, a oportunidade e a completude.

A dimensão acessibilidade avaliou a disponibilidade dos dados e a forma como são obtidos (pagos ou gratuitos), o tipo de informação (individual ou agregada), o local e o procedimento de pedido dos dados, o tempo de entrega e o formato dos arquivos (meio físico ou eletrônico)16.

A dimensão oportunidade analisou a disponibilidade dos dados para o usuário, avaliando o grau em que os dados ou informações estão disponíveis no local e o tempo para utilização de quem deles necessita19.

A dimensão completude avaliou o grau de preenchimento de cada campo analisado, mensurado pela proporção entre os campos preenchidos e os não preenchidos; ou seja, avaliou a proporção de casos notificados apropriadamente, para as autoridades de saúde, no que concerne ao registro de todas as variáveis previstas no formulário de coleta. Por meio desse indicador, pode-se aferir a qualidade da coleta dos dados do agravo sob vigilância17-19.

Para avaliação da completude, as variáveis estudadas relacionaram-se ao perfil sociodemográfico e ocupacional dos profissionais de saúde acidentados e às características dos acidentes com material biológico. Assim, as variáveis sócio-ocupacionais foram:

• sexo;

• idade;

• escolaridade;

• categoria profissional;

• situação de trabalho; e

• tempo de trabalho.

As variáveis do acidente foram:

• tipo de exposição;

• tipo de material biológico;

• agente causador;

• circunstância do acidente;

• uso de equipamento de proteção individual (EPI);

• situação vacinal do acidentado em relação à hepatite B;

• status sorológico (Anti-HIV, HbsAg, Anti-HBV, Anti-HCV);

• fonte conhecida;

• status sorológico da fonte (Anti-HIV, HbsAg, Anti-HBV, Anti-HCV);

• conduta no momento do acidente;

• notificação Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT); e

• evolução do caso.

Neste estudo, considerou-se como campo incompleto aquele preenchido no banco de dados com categoria “ignorada”, numeral zero, ausência de preenchimento ou termo que indica ausência do dado. O escore utilizado para avaliar a completude foi o proposto por Romero e Cunha18, sendo classificada como:

• excelente, quando a variável apresenta menos de 5% de preenchimento incompleto;

• bom, de 5 a 10%;

• regular, de 10 a 20%;

• ruim, de 20 a 50%; e

• muito ruim, com percentual de 50% ou mais de preenchimento incompleto.

As variáveis selecionadas para este estudo foram tabuladas por ano e calculadas as frequências absolutas e relativas de dados faltantes, incompletos ou ignorados no SINAN-ATEMB; posteriormente, foram classificadas segundo escore de Romero e Cunha16.

Em cumprimento aos requisitos exigidos pela Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, o projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Presidente Dutra da Universidade Federal do Maranhão (HUUFMA), sob o Parecer nº 2.039.925/2017.

 

RESULTADOS

Foram analisados 280.099 casos de ATEMB ocorridos com trabalhadores brasileiros e notificados no SINAN, de 2010 a 2015, período em que se observa um aumento no número de notificações em todos os estados brasileiros (Tabela 1).

 

 

Em relação à acessibilidade, a base de dados do SINAN referente aos ATEMB é acessível, sendo gratuita e disponível em meio eletrônico. O nome do trabalhador encontra-se criptografado, por questões de sigilo e ética. O banco de dados fornece, ainda, variáveis como: endereço do trabalhador, município de residência, zona urbana ou rural e endereço da empresa contratante. Dessa forma, o banco de dados permite estudos sobre desigualdade espacial em saúde. Esses arquivos estão compactados de duas formas: .dbc e .rar – para leitura, é necessário expandi-los para .dbf ou .xls.

No que diz respeito à oportunidade, a base de dados pode ser solicitada à CGSAT do MS ou, ainda, às secretarias de vigilância em saúde de cada estado, por meio de pedido formal de pesquisador e com apresentação de parecer de comitê de ética. A defasagem ocorre em relação ao ano vigente, pois os dados passam a ser disponibilizados a partir do início do ano seguinte.

Quanto à completude, as variáveis de identificação, como a fonte notificante do indivíduo e o local de sua residência, assim como sexo e idade, apresentaram conceito “excelente” em todos os anos analisados. Enquanto a variável escolaridade oscilou entre os conceitos “regular” (2010, 2014 e 2015) e “ruim” (2011, 2012 e 2013) (Tabelas 2 e 3).

 

 

 

 

Em relação às variáveis sócio-ocupacionais, as informações sobre a ocupação do trabalhador apresentam escore “excelente” em todo o período analisado. Por outro lado, a situação de trabalho apresentou escore “bom” apenas em 2011, seguindo como “regular” nos outros anos. O tempo de serviço apresenta escore “ruim” em todos os anos analisados (Tabelas 2 e 3).

As variáveis circunstância do acidente e tipo de exposição apresentam, respectivamente, escores “excelente” e “bom”, em 2010 a 2015. O tipo de agente causador foi tido como “excelente” nos anos de 2011 e 2012, e segue com escore “bom”. Já as informações sobre o tipo de material biológico envolvido nos acidentes apresentaram escore “regular” em todos os anos analisados.

A informação sobre utilização de EPI no momento do acidente foi preenchida em mais de 90% das fichas, apresentando escore “bom”. A condição vacinal do trabalhador também apresentou escore “bom”, sendo que, em 2014 e 2015, houve um aumento no número de informações não preenchidas sobre esse campo, passando o mesmo a apresentar escore “regular” (Tabelas 2 e 3).

Em relação ao conhecimento sobre o status sorológico do acidentado e do paciente-fonte, os campos apresentam um índice de quase 50% de dados faltantes ou preenchidos como ignorados, levando a um escore considerado “ruim”. A mesma coisa ocorre com os dados referentes às condutas adotadas, à evolução do caso e à emissão da CAT (Tabelas 2 e 3).

 

DISCUSSÃO

Com base na revisão da literatura realizada, alguns estudos destacam a baixa confiabilidade dos sistemas de informação em saúde oriunda da má qualidade dos dados, seja pela omissão no preenchimento dos campos, principalmente aqueles relacionados às informações sociodemográficas, seja pela duplicidade ou inconsistência dos dados16-20.

No entanto, mesmo com essa consideração sobre os sistemas de informação em saúde, o conhecimento gerado a partir de suas informações tem sido de vital importância para o planejamento, a organização e a avaliação dos serviços de saúde no país21. Alguns estudos salientam a importância de se aprimorar a qualidade da informação gerada, principalmente no aspecto relacionado à completude, para que os dados representem a realidade do evento registrado22,23.

O SINAN-ATEMB dispõe de um banco de dados de fácil acesso, considerando a disponibilidade, em meio eletrônico. Tal característica é comum, atualmente, a todas as bases de dados do MS, e visam à propagação da informação de maneira que a mesma possa chegar a todos os usuários do sistema de saúde.

Com relação ao aspecto oportunidade, os arquivos de transferência contendo os dados registrados nas fichas de investigação digitados no SINAN são semanalmente enviados pela unidade de saúde à Secretaria Municipal. Esta, por sua vez, envia o referido arquivo para à Secretaria de Saúde do Estado por intermédio da Diretoria de Informações em Saúde (DIS). Os técnicos de referência em saúde do trabalhador acompanham periodicamente as informações. Da Secretaria Estadual os dados seguem para o MS. Tal fluxo tem permitido que os dados estejam disponíveis para o usuário sem defasagens. No entanto, a discrepância atual corresponde ao ano vigente, visto que seus dados ainda estão sendo registrados.

No Brasil, embora o número de notificações sobre os ATEMB se apresente crescente a cada ano, desde a implantação da ficha própria para esse tipo de acidente, em 2006, a real magnitude do problema é difícil de ser avaliada, já que a subnotificação sobre ocorrência de acidentes entre os trabalhadores ainda se faz presente23,24.

A completitude do preenchimento das fichas de notificação/ investigação epidemiológica para ATEMB entre profissionais de saúde no Brasil, em 2015, recebeu classificação que variou entre “regular” e “ruim”, para a maioria dos campos analisados. Somente naqueles relativos às variáveis de identificação observou-se completitude “excelente”. É importante salientar que a elevada completitude desses campos e daqueles referentes à fonte notificante do indivíduo e ao local de sua residência possivelmente decorreu do fato de que o seu não preenchimento impossibilitaria a inclusão da notificação no SINAN.

Notadamente, essa mesma consideração foi relatada por Oliveira et al.25 e por Moreira e Maciel26, que analisaram, respectivamente, a completude de registros de tuberculose, no Espírito Santo, e de febre tifoide na Bahia. Dessa forma, percebe-se que, em diferentes sistemas de registro, há deficiências no preenchimento dos campos da ficha de investigação epidemiológica, o que leva ao comprometimento da qualidade e da pertinência das informações disponíveis e, consequentemente, de uma adoção de vigilância epidemiológica efetiva.

A incompletude de registros nos sistemas de informação também se faz presente em países como os Estados Unidos. Estudo realizado nesse país avaliou quantitativamente a completude de relatórios de doenças infecciosas, entre 1970 e 1999, em diferentes sistemas, e concluiu que variou de 9 a 99%, sendo que foi mais fortemente associada à doença relatada27.

Na análise do SINAN-ATEMB, foi possível constatar deficiência no preenchimento de variáveis importantes, como a escolaridade, com grau de completude detectado entre “regular” e “ruim”. A omissão de dados sobre essa variável compromete estudos epidemiológicos, visto que ela é importante indicador das condições socioeconômicas do trabalhador.

Em relação à variável ocupação, o grau de completude dos dados foi detectado como excelente em todo o período analisado. Embora menos utilizada que a variável escolaridade, tendo sido considerada útil para medir nível socioeconômico dos indivíduos e para melhor entendimento da dinâmica social do trabalhador brasileiro.

No entanto, as variáveis situação de trabalho e tempo de serviço apresentaram graus de completude “regular” e “ruim”, respectivamente. Identificar se o trabalhador encontra-se em situação formal ou informal de trabalho é importante para que se conheçam as condições de trabalho a que ele está submetido. Bem como caracterizar o tempo de trabalho na ocupação em que está designado. A completitude desses campos seria superior se houvesse maior reconhecimento de sua importância e maior facilidade no seu preenchimento.

O campo tempo de trabalho na ocupação deve ser preenchido em três espaços diferentes. Os dois primeiros espaços (quadrinhos) referem-se ao tempo de trabalho na ocupação que foi registrada no campo “ocupação”. Vale ressaltar que é o tempo de trabalho na ocupação e não na empresa atual ou última. No quadrinho seguinte, deve registrar se o tempo laboral refere-se a:

1. hora;

2. dia;

3. mês; ou

4. ano26.

Essa consideração para o preenchimento desse dado pode ser a razão pela qual ele se apresenta com grau de completude “ruim”.

Nas variáveis relacionadas ao acidente, houve redução no grau de completude no campo agente, que designa qual o tipo de agente presente no acidente, em 2013 a 2015. O aumento no número de notificações nesses anos pode explicar a elevação de dados incompletos, o que parece sugerir que a quantidade de registros não está relacionada à qualidade da informação.

O tipo de material orgânico envolvido nos acidentes apresentou escore “regular” em todos os anos analisados, com percentuais crescentes de dados incompletos. Já a informação sobre utilização de EPI no momento do acidente foi preenchida em mais de 90% das fichas, apresentando escore “bom”. As diferenças nos graus de completude dessas variáveis podem ser explicadas pelo valor atribuído ao dado, tanto pelo profissional que o coleta como pelo que o analisa, e que está relacionado à sua importância na epidemiologia da saúde do trabalhador28.

O grau de completude “ruim” para as variáveis status sorológico do acidentado e do paciente-fonte, condutas adotadas, evolução do caso e emissão da CAT evidencia a necessidade de se realizar investigações sobre as razões que contribuem para a falta de associação do acidentado com o paciente-fonte e para a incoerência entre o registro do acidente de trabalho em relação à emissão da CAT.

A completude é uma métrica chave do sistema de vigilância e deve ser periodicamente avaliada porque pode refletir o atraso de tempo entre qualquer número de etapas de resposta no processo de vigilância da saúde pública29. O grau de completude do sistema de vigilância depende de uma série de fatores; sua avaliação deve incluir uma consideração de como os dados serão usados e a natureza da condição sob vigilância30 (por exemplo, para os acidentes de trabalho, isso inclui a comunicabilidade do acidente).

A limitação presente no estudo diz respeito ao número e ao tipo de indicadores selecionados para a avaliação; por exemplo, não foram contempladas medidas de avaliação da consistência das informações contidas nos registros analisados.

A identificação das deficiências no registro dos ATEMB é fundamental para que se possa ter uma maior regularidade e precisão dos dados. E, embora haja valorização dos sistemas de informação como documentos de grande relevância epidemiológica, ela ainda é incipiente.

Ademais, as deficiências no registro desses acidentes também nos levam a uma reflexão crítica sobre as ações profissionais. Isso porque os trabalhadores devem entenderse como profissionais que possuem necessidades de:

• orientação e treinamentos;

• incentivo à participação em campanhas de prevenção com ênfase na conscientização sobre a maneira correta de segregar os resíduos hospitalares;

• orientação sobre a obrigatoriedade das notificações dos acidentes de trabalho;

• realização de consulta médica e coleta periódica de exames; e

• uso de medicações, quando indicado.

 

CONCLUSÃO

O estudo constatou que o SINAN-ATEMB apresentou elevado percentual de dados incompletos nas variáveis: escolaridade, tempo de trabalho na ocupação, material orgânico, status sorológico do acidentado e do paciente-fonte, condutas adotadas, evolução do caso e emissão da CAT, levando à consideração de que não é possível o uso dessas variáveis em análises de fatores de risco.

As informações relacionadas com as variáveis analisadas demonstraram que o preenchimento da ficha de investigação deve ser melhorado com urgência em todo o Brasil. Assim, a análise dos ATEMB por meio do SINAN deve ser realizada levando em consideração a necessidade de intervenções que melhorem o preenchimento da ficha de notificação e o índice de completude dos dados.

 

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Recebido em 31 de Maio de 2017.
Aceito em 18 de Julho de 2017.

Trabalho realizado na Universidade Federal do Maranhão (UFMA) – São Luís (MA), Brasil.

Fonte de financiamento: nenhuma


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