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ARTIGO DE REVISÃO

Riscos ocupacionais entre trabalhadores de enfermagem em Unidade de Terapia Intensiva

Occupational risk between nursing workes in Intensive Therapy Unit

Raiana Soares de Sousa Silva; Maria Zélia de Araújo Madeira; Márcia Astrês Fernandes; Odinéa Maria Amorim Batista; Bianca Anne Mendes de Brito; Nalma Alexandra Rocha de Carvalho

DOI: 10.5327/Z1679443520170027

RESUMO

CONTEXTO: Os registros de acidentes de trabalho e doenças profissionais no mundo são alarmantes e possuem graves consequências para as vítimas e seus familiares. Entre os ambientes hospitalares, a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é considerada como a mais tensa, traumatizante e agressiva, em decorrência da rotina de trabalho intensa e dos riscos constantes à equipe. Dentre esses profissionais, a enfermagem é uma das equipes que está constantemente exposta a vários fatores de risco.
OBJETIVO: Analisar na literatura nacional e internacional quais são os riscos ocupacionais a que os trabalhadores de enfermagem estão expostos em UTI.
MÉTODOS: Trata-se de uma revisão integrativa da literatura realizada nas bases de dados LILACS, CINAHL, MEDLINE e na biblioteca eletrônica SciELO no período de julho a agosto de 2015.
RESULTADOS: Os estudos são, em maioria, publicados em periódicos nacionais (66,6%), mas com pouca evidência de diferenças quando comparados a estudos internacionais dessa mesma perspectiva.
Discussão: O ambiente de trabalho da UTI apresenta os mais diversos tipos de riscos, mas esses são consideravelmente minimizados se os profissionais de enfermagem fizerem o uso correto dos equipamentos de proteção individual.
CONCLUSÃO: Instituições hospitalares devem desenvolver estratégias educativas efetivas para que esses profissionais usem os equipamentos corretamente. Além disso, esses trabalhadores devem conhecer os riscos a que estão expostos e compreender o quanto isso pode afetar a sua saúde e a sua qualidade de vida.

Palavras-chave: riscos ocupacionais; unidades de terapia intensiva; acidentes de trabalho; enfermagem do trabalho.

ABSTRACT

BACKGROUND: The global records of occupational accidents and diseases are alarming, having serious consequences for victims and their families. Among hospital settings, the Intensive Care Unit (ICU) is considered to be the most tense, traumatic and aggressive, due to its heavy work routine and the constant risks to which the staff is exposed. Nurses are some among the professionals who are constantly exposed to various risk factors.
OBJECTIVE: To analyze the occupational hazards to which ICU nursing professionals are exposed in the national and international literature. Methods: Integrative literature review conducted in databases LILACS, CINAHL, MEDLINE and SciELO from July to August 2015.
RESULTS: Most studies were published in Brazilian journals (66.6%), however, little difference was found by comparison to international studies with the same perspective.
DISCUSSION: The ICU setting exhibits a wide variety of risks, which are considerably minimized when nursing professionals make correct use of personal protective equipment.
CONCLUSION: Hospitals should develop effective educational strategies for professionals to make correct use of the equipment. In addition, workers should have accurate knowledge of the risks to which they are exposed and how they might affect their health and quality of life.

Keywords: occupational risks; intensive care units; accidents, occupational; nursing service, hospital.

INTRODUÇÃO

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estimou que 2,34 milhões de pessoas morrem todos os anos em virtude de acidentes e doenças relacionados ao trabalho. Os riscos oriundos de mudanças tecnológicas, sociais e de organização afetam gravemente a saúde dos trabalhadores1.

A preocupação com riscos biológicos surgiu a partir da constatação dos agravos à saúde dos profissionais que exerciam atividades em laboratórios nos quais ocorria a manipulação com micro-organismos e material clínico no início da década de 1940. Para profissionais que atuam na área clínica foi somente a partir da epidemia da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), nos anos 1980, que as normas para as questões de segurança no ambiente de trabalho passaram a ser amplamente adotadas2. Na área hospitalar, essa questão da saúde dos trabalhadores iniciou-se na década de 1970, quando pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) deram enfoque à saúde ocupacional desses profissionais3.

No Brasil, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) instituiu as Normas Regulamentadoras (NR), que visam eliminar ou controlar os altos números de acidentes de trabalho. Dentre as NR que se referem a riscos ocupacionais estão a NR 9, que estabelece o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), a NR 32, que estabelece medidas de proteção à segurança e à saúde no trabalho de serviços de saúde, e a NR 7, que estabelece a obrigatoriedade de elaboração e implementação do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO)4.

Nos ambientes hospitalares, a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é considerada como a mais tensa, traumatizante e agressiva, em decorrência da rotina de trabalho intensa; dos riscos constantes à equipe de enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem) por contágio, exposição a raios X, acidentes com perfurocortantes; das situações de crises frequentes; dos ruídos intermitentes de monitores, bombas de aspiração, respiradores, circulação de grande número de profissionais, e outros. O ambiente é insalubre e, dada a rotina de situações emergenciais e da concentração de pacientes críticos — com alterações súbitas no estado de saúde —, o local de trabalho caracteriza-se como estressante, agressivo e emocionalmente comprometido para a equipe multiprofissional5.

Além disso, o exercício da enfermagem está associado à exposição a vários fatores de risco, como jornadas de trabalho estafantes e o consequente desrespeito ao ritmo circadiano, horários de alimentação inadequados, dimensão inadequada de mobiliários e riscos posturais, dentre outros. Destaca-se a preocupação com as condições de trabalho da enfermagem em hospitais, principalmente os que atuam em UTI, pois elas têm atraído a atenção de muitos pesquisadores devido aos riscos que o ambiente e a atividade oferecem6. Dentre os riscos mais comuns à prática de enfermagem, encontram-se os físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e de acidentes4.

Assim, esta revisão integrativa teve como objetivo analisar na literatura, nacional e internacional, quais são os riscos ocupacionais a que os trabalhadores de enfermagem estão expostos em UTI.

 

METODOLOGIA

Utilizou-se o método de revisão integrativa, pois esta possibilita a síntese do estado do conhecimento de um determinado assunto e aponta lacunas que precisam ser preenchidas com a realização de novos estudos. Para isso a revisão integrativa inclui a análise de pesquisas relevantes que dão suporte para a tomada de decisão e a melhoria da prática clínica. É um método de pesquisa que permite a síntese de múltiplos estudos publicados e possibilita conclusões gerais a respeito de uma área de estudo particular7.

A primeira etapa correspondeu à escolha da questão de pesquisa, que foi: Quais são os riscos ocupacionais a que os trabalhadores de enfermagem estão expostos em UTI?

A segunda etapa, que consistiu no estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão de estudos e na busca na literatura, foi feita pela pesquisa das publicações nas bases de dados de Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Cumulative Index to Nursingand Allied Health Literature (CINAHL), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) e na biblioteca eletrônica Scientific Eletronic Library Online (SciELO), no período de junho a agosto de 2015, por meio dos descritores controlados: “enfermagem” (“nursing”), “riscos ocupacionais” (“occupational risks”), “unidade de terapia intensiva” (“intensive care units”) e “acidentes de trabalho” (“accidents occupational”). Além disso, foi utilizado o operador AND (Figura 1).

 


Figura 1. O processo de busca e seleção dos artigos por biblioteca e bases de dados. Teresina-PI, 2015.

 

A estratégia de busca ocorreu da seguinte forma: pesquisa por descritores, seleção do período de publicação e dos idiomas, leitura exaustiva de títulos e resumos — escolhendose aqueles que abordaram o tema e que atenderam aos objetivos do estudo — e exclusão dos que não atenderam aos critérios escolhidos.

Como critérios de inclusão, utilizaram-se artigos originais, disponíveis na íntegra e gratuitos nas bases de dados e na biblioteca eletrônica selecionados, publicados nos idiomas português, inglês e espanhol, no período de junho de 2005 a junho de 2015. Foram excluídos os artigos repetidos; os estudos de revisão, em formato de tese, dissertação e monografia; os relatos de experiência; os estudos de caso e aqueles cuja temática não contempla os objetivos definidos.

Na terceira etapa, foi utilizado um formulário para extrair os dados dos artigos selecionados, contendo: autor, título, ano de publicação, base de dados, Sistema de Classificação de Periódicos Qualis (Quadro 1), desenho do estudo e tipos de risco (Quadro 2), além do local onde foi realizada a pesquisa.

 

 

 

 

A quarta etapa constou da avaliação dos estudos com leitura analítica, permitindo a obtenção de respostas ao problema. E a quinta etapa correspondeu à apresentação dos resultados em quadros com análise detalhada das informações colhidas e abordados em categorias temáticas conforme os tipos de riscos.

Por fim, a sexta etapa correspondeu à apresentação da presente revisão, constituindo-se no agrupamento dos principais resultados evidenciados na análise dos estudos utilizados.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

De acordo com delineamento da pesquisa, observou-se que os estudos são, em sua maioria, publicados em periódicos nacionais (66,6%), mas a diferença em relação às publicações internacionais não foi grande, evidenciando, também, uma preocupação mundial com a questão dos riscos ocupacionais.

A respeito do local das pesquisas, quatro países foram apontados no estudo — Brasil (66,6%), França (11,1%), Taiwan (11,1%) e Turquia (11,1%) —, sendo que, dentre eles, o Brasil apresentou o maior número de publicações sobre a temática abordada. As publicações dos artigos aconteceram no período de 2007 a 2015. Vale ressaltar que o recorte temporal da pesquisa abrangeu os anos de 2005 a 2015.

Os resultados dos achados foram categorizados de acordo com o eixo temático evidenciado em cada um dos referidos artigos. Dessa forma, a discussão foi pautada em quatro categorias, a saber: riscos físicos, biológicos, químicos e ergonômicos.

RISCOS FÍSICOS

A exposição a níveis elevados de ruído por um longo período pode determinar comprometimentos físicos, mentais e sociais no indivíduo. Entre essas consequências, a mais definida e quantificada consiste em danos ao sistema auditivo8.

Na UTI, determinados aparelhos, como os alarmes das bombas de infusão contínua e dos ventiladores mecânicos, causam irritação, dificuldade de comunicação entre os integrantes da equipe e distúrbios relacionados ao sono e ao descanso, que dificultam a conciliação do sono dos trabalhadores de enfermagem, que acordam durante a noite com a sensação de ouvir os alarmes e/ou apresentam breves episódios de insônia e sonhos relacionados ao ambiente de trabalho8.

Além disso, tem-se o desgaste psicofísico do trabalhador de enfermagem devido à necessidade de checagens periódicas do paciente e do maquinário cada vez que soa um alarme. A ansiedade é exacerbada, há uma sobrecarga psíquica e o trabalhador passa a conviver com a imprevisibilidade devido à perda do controle das condições do paciente e do próprio aparelho9.

De acordo com a Norma Brasileira (NBR) 10152, os níveis de ruídos aceitáveis para ambientes hospitalares, incluindo a UTI, variam de 35 a 45 decibéis (dB). Níveis de intensidade de ruídos superiores aos estabelecidos são considerados de desconforto psicológico e podem implicar riscos de danos à saúde quando o tempo de exposição for prolongado e os valores excederem muito os níveis recomendados. A UTI, por se tratar de um setor fechado, tem sua acústica local desfavorável, tornando-a mais sensível ao ruído10.

Somando-se a esse quadro, contamos com uma equipe numerosa nos ambientes de tratamento intensivo, visto a complexidade e a gravidade dos doentes. O alto nível de atividade do setor, as discussões dos casos e mesmo a comunicação entre os profissionais dentro do setor contribuem ainda mais para o nível elevado de ruídos na unidade10.

Quanto ao conforto climático, verifica-se que, em geral, a equipe tem um desgaste energético maior quando a temperatura está mais elevada, queixa comum do setor. O motivo disso é que o organismo humano tem de trabalhar dobrado para adequar a temperatura corporal ao ideal fisiológico, pelo fato de o desgaste energético ser exacerbado e a produtividade das tarefas executadas ser reduzida e aumentar a sensação de cansaço físico, fatores que atingem também a saúde dos pacientes8.

Tratando-se das radiações, os trabalhadores da área de saúde são constantemente expostos a radiações ionizantes em seu ambiente de trabalho. Em vista disso, os profissionais devem fazer uso de dosímetros individuais, que são submetidos a leituras periódicas. As doses admissíveis a serem absorvidas por uma pessoa ao longo da sua vida devem obedecer às normas estabelecidas pela Comissão Internacional de Proteção contra Radiações (CIPR)8.

A realização das radiografias no leito dos pacientes da UTI é algo que já faz parte da rotina dos procedimentos realizados na unidade. O fato é que não são apenas os pacientes que se expõem às radiações, mas também o integrante da equipe de enfermagem que permanece próximo ao paciente ou dentro da unidade, exercendo suas tarefas diárias. Ele recebe diariamente pequenas doses de radiação, que vão se acumulando ao longo do tempo e provocam os efeitos indesejáveis, principalmente por não haver qualquer tipo de proteção ao trabalhador de enfermagem, nem monitoração regular da radiação a que está exposto. Estudos constatam que a equipe tem consciência dos riscos inerentes à exposição às radiações e dos danos à saúde que, a médio e longo prazo, podem provocar a quem se expõe a elas repetidamente8.

RISCOS QUÍMICOS

O grupo 2 é composto pelos riscos químicos, representados pela cor vermelha, constituídos pelas poeiras, gases e vapores. Vários gases e vapores podem estar presentes na atmosfera dos ambientes de trabalho hospitalar e, quando inalados, desenvolvem efeitos irritantes, principalmente nas vias respiratórias. Quando no estado líquido, eles podem também agir sobre a pele, determinando queimaduras ou inflamações8.

Os riscos químicos, aos quais os enfermeiros estão submetidos, “são os gerados pelo manuseio de uma variedade grande de substâncias químicas e também pela administração de medicamentos que podem provocar desde simples alergias até importantes neoplasias”11.

Os gases e vapores irritantes produzem uma inflamação nos tecidos das vias respiratórias, o que pode levar ao edema pulmonar, ao derrame pleural e a outras reações. Podem também causar manifestações como rinite, faringite e laringite, tosse e dor no peito. Tais sinais devem ser encarados como agravamento e alarme para prevenir exposições excessivas que podem afetar gravemente o aparelho respiratório e provocar, inclusive, uma alteração crônica das vias respiratórias se não houver algum sistema de proteção coletiva ou individual que evite o contato desses fatores irritantes com o seu organismo8.

Em relação ao ar ambiente circulante, um dos estudos notou que não há controle rigoroso quanto à liberação dos gases. Muitas vezes, o oxigênio e o ar comprimido permanecem ligados mesmo quando não estão sendo utilizados, fato que decorre da falta de atenção, da pressa e por desconhecerem os riscos a que estão expostos. O descarte das secreções e do líquido condensado nos tubos e na traqueia dos respiradores não é adequado e contribui para maior contaminação do ambiente. Aliado a esses fatos, alerta-se ainda quanto ao uso irregular e/ou inadequado das máscaras para proteção individual8.

Nesse sentido, sabe-se que, no ambiente hospitalar, o trabalhador de enfermagem se expõe ao risco químico pelo contato com medicamentos, inclusive antibióticos e quimioterápicos. Além disso, encontra-se um grande número de substâncias tóxicas utilizadas para limpeza e desinfecção dos ambientes hospitalares e outros fins12.

A equipe de enfermagem expõe-se diariamente ao risco de absorção de drogas quando as manipula sem o uso adequado dos equipamentos de proteção individual (EPI). Como exemplos, têm-se casos de respingos acidentais na pele e nos olhos; inalação na administração de drogas em aerossol ou em spray e na maceração e mistura de medicações; e ingestão acidental direta ou indireta por meio das mãos ou de respingos atingindo a boca8.

As principais cargas químicas às quais estão expostos são: medicamentos, soluções, desinfetantes, desencrostantes ou esterilizantes, antissépticos, quimioterápicos, gases analgésicos, ácidos para tratamentos dermatológicos, látex (do contato com materiais de borracha) e fumaça do cigarro11.

Várias são as consequências desses riscos para os profissionais de enfermagem. Dentre elas podem-se citar a sensibilização a antibióticos e as dermatites alérgicas ou por irritação. As dermatoses ocupacionais têm como principais agentes os antibióticos, os antissépticos, os desinfetantes, os detergentes, as luvas de borracha e os sabões, problemas que poderiam ser evitados se a equipe fizesse o uso adequado dos EPI durante a manipulação e o preparo das drogas8.

RISCOS BIOLÓGICOS

Os riscos ocupacionais estão amplamente distribuídos nas unidades de saúde, sofrendo variações proporcionais aos contatos mais intensos e diretos com os pacientes. Podem ser transmitidos pelas mãos ou pela utilização de materiais não limpos, não desinfetados ou esterilizados, e pelo contágio indireto, por objetos contaminados do paciente ou por intermédio do ar13.

Quanto maior for a manipulação dos objetos perfurocortantes, de sangue e de fluidos orgânicos, maior será a exposição do trabalhador a riscos biológicos. Devido a isso, a equipe de enfermagem é uma das principais vítimas da exposição ocupacional a esse tipo de risco, por estar constantemente em contato direto com material biológico, bem como ao tipo e à frequência dos procedimentos que realizam14.

Observou-se que alguns dos trabalhadores de enfermagem não usam EPI ao desprezar excreções, ao trocar roupa contaminada, ao realizar aspiração de vias aéreas entre outros procedimentos. As medidas de prevenção devem ser rigorosamente observadas para minimizar os riscos e acidentes ocasionados pela prática inadequada. O uso dos EPI não reduz os riscos a zero, mas diminui a quantidade de secreção/sangue inoculada no indivíduo em até 75% e, por consequência, o grau de risco de infecção8.

Em geral, a transmissão de agentes biológicos ocorre por inalação, penetração por meio da pele, contato com a pele e mucosas ou ingestão. As infecções por patógenos de transmissão sanguínea são descritas como as de maior risco para os profissionais de saúde. E as doenças às quais estão expostos com maior frequência são: AIDS, hepatite B e hepatite C. Entre as infecções transmitidas por via aérea, a tuberculose é a que merece atenção especial, quando comparada a outras doenças como influenza, varicela, coqueluche e doença meningocócica, pois estudos demonstram que o risco de o profissional de enfermagem adquirir tuberculose é oito vezes maior diante de outros profissionais de saúde, por estarem mais diretamente em contato com os pacientes14.

Tratando-se de acidentes com perfurocortantes, estudos apontam sua associação com a inexperiência como um dos fatores que contribuem para a sua ocorrência, além de falta de atenção, pressa, excesso de tarefas, casos de urgência, não uso de EPI, quadro de pessoal reduzido e estresse15.

O fluido corporal mais envolvido em acidentes foi o sangue. A agulha é o material mais frequentemente envolvido em acidentes por materiais perfurocortantes contaminados com material biológico, seguido do jelco e da lâmina de bisturi16.

Os agentes mais importantes de transmissão parenteral são os vírus da hepatite B (HBV), da hepatite C (HCV) e da imunodeficiência adquirida humana (HIV). É certo que o enfermeiro da Estratégia de Saúde da Família (ESF) não tem oportunidade frequente de aplicar uma injeção endovenosa. Entretanto, ele corre o risco de contaminação parenteral ao administrar vacinas e medicamentos por via intramuscular17.

As medidas profiláticas de pré e pós-exposição desses profissionais, tais como imunizações e uso de quimioprofilaxias, associadas à implementação de medidas de biossegurança, podem ser indicadas de acordo com o tipo de exposição e o agente infeccioso envolvido, evitando que adquiram uma doença ocupacional no ambiente hospitalar14.

RISCOS ERGONÔMICOS

Os profissionais de enfermagem vivenciam situações de risco cotidianamente, deixando de se proteger e de se cuidar como se fosse uma atitude natural — na verdade, essencial para o exercício de uma profissão cujo objeto é a prática do cuidar. Observa-se que, muitas vezes, a atenção da equipe no ambiente de trabalho concentra-se no cuidar, mas no cuidar apenas dos outros18.

A fadiga é um sinal de alarme para que o organismo humano reconheça seus limites e estabeleça um período de repouso para reverter os sintomas que se instalaram. Uma vez que essa solicitação de repouso não é obedecida, ela leva o profissional a um esgotamento físico e psíquico e à manifestação de alterações no funcionamento fisiológico das funções orgânicas8.

A fadiga pode ser manifestada de várias formas: fadiga física (produzindo a incidência de dores lombares, dorsais, ombros e pescoço); fadiga mental (expresso sob a forma de cansaço mental, sensação de esgotamento) e fadiga nervosa (expresso sob a forma de manifestações de ansiedade, medo e frustração)10.

Alguns fatores são apontados como fontes de fadiga no trabalho de enfermagem: posturas penosas; deslocamentos excessivos; extensa carga de trabalho; trabalho noturno e/ou em turnos seguidos; trabalho de alta complexidade de procedimentos e exigência de atenção máxima continuada; ausência de pausas adequadas para descanso; forte cobrança por resultados e normas rígidas; condições de trabalho desafiadoras, com número insuficiente de profissionais ou maquinário com defeito; e ambiente de trabalho desagradável, relações profissionais conflituosas8,10,19-21.

Além disso, o trabalho em UTI apresenta um constrangimento de tempo — pois tudo é urgente, envolvendo alta complexidade — e implica que os profissionais sejam mais especializados e capacitados, sustentando um ciclo de rigidez, cobrança e ritmo. Todas essas características podem imprimir no trabalho custos físicos, cognitivos e afetivos capazes de gerar sofrimento e até adoecimento do profissional10. Entre as doenças ocupacionais mais referidas por integrantes da equipe de enfermagem estão cefaleias e distúrbios gastrintestinais8.

A postura do profissional também pode oferecer riscos ergonômicos, visto que ela é influenciada pelo dimensionamento do mobiliário e do ambiente de trabalho da equipe de enfermagem, pela organização do trabalho, bem como pela idade e pelas características antropométricas de cada profissional. Uma das causas mais frequentes da ocorrência de acidentes é o levantamento ou a transferência de peso excessivo durante a realização de banho no leito ou no transporte de equipamentos e macas8. A presença de armários posicionados em altura inadequada, incompatível com a estatura da maioria dos funcionários, ou em posição muito rebaixada, solicitando aos profissionais posturas inadequadas, também ocasiona riscos10.

Foi demonstrado em um estudo desenvolvido na Turquia que enfermeiros da UTI têm altos índices de lesões musculoesqueléticas e são muito expostos a riscos ergonômicos. Quase a totalidade dos enfermeiros (95,9%) apresentaram dor musculoesquelética, sendo as mais frequentes nos membros inferiores, nas costas, nos ombros e no pescoço17.

A equipe de enfermagem permanece em pé a maior parte do plantão, curvados sobre os leitos, mantendo-se sobre as pontas dos pés e fazendo hiperextensão dos braços e da coluna vertebral. O banho no leito deve ser realizado com a ajuda de outro colega da equipe, minimizando o esforço da mobilização dos pacientes inconscientes e incapazes de cooperar. Essas atividades, no entanto, podem levar a equipe de enfermagem a sentir dores musculares e articulares8.

Há uma alta prevalência de riscos relacionados com o trabalho de enfermeiros. Os hospitais precisam considerar esses riscos ocupacionais para melhorar o ambiente de trabalho. As estratégias devem ser desenvolvidas para diminuir esses riscos21.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudos apontam que muito já foi alcançado no campo da saúde do trabalhador. Com a implementação dos programas ambiental (PPRA) e médico (PCMSO), a emissão do atestado de saúde e a valorização da participação do trabalhador passaram a ser consideradas uma nova visão de saúde ocupacional, centrada na saúde de grupos específicos de trabalhadores, avaliando-os individual e coletivamente22. Assim, a partir da análise dos estudos compreende-se que o ambiente de trabalho da equipe de enfermagem é um espaço que esconde muitos riscos, dentre eles os físicos, químicos, ergonômicos e biológicos, como analisados, que podem comprometer a saúde desses trabalhadores. Ao se falar em UTI, esses riscos podem ser potencializados devido à dinâmica, complexidade e especialidade do setor. Nesse sentido, a saúde dos profissionais de enfermagem que atuam em UTI deve ser objeto constante de avaliação e controle.

Conclui-se que os riscos ocupacionais são consideravelmente minimizados se os profissionais de enfermagem fizerem o uso correto dos EPI. Portanto, as instituições hospitalares devem promover ações que privilegiem a saúde do trabalhador em todos os aspectos relacionados às dimensões física, psíquica e social, com o desenvolvimento de estratégias educativas efetivas, além de informar a equipe sobre todos os riscos a que estão expostos, para que compreendam o quanto isso pode afetar a sua saúde e a sua qualidade de vida.

Portanto, é de fundamental importância a realização de pesquisas que envolvam ações intervencionistas com os profissionais que trabalham em UTI, em especial os trabalhadores de enfermagem, para que eles incorporem nas suas práticas diárias ações de prevenção e manutenção da sua própria saúde.

 

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Recebido em 11 de Maio de 2017.
Aceito em 11 de Agosto de 2017.

Trabalho realizado na Universidade Federal do Piauí – Teresina (PI), Brasil.

Fonte de financiamento: nenhuma


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