463
Visualizações
Acesso aberto Revisado por Pares
ARTIGO ORIGINAL

Perfil dos registros clínicos em prontuários de fumicultores em Alagoas

Profile of clinical information in medical records of tobacco farmers in Alagoas, Brazil

Ana Caroline Melo dos Santos1; Imaculada Pereira Soares2; Josino Costa Moreira3; Maria Betânia Monteiro de Farias4; Renise Bastos Farias Dias4; Karol Fireman de Farias4

DOI: 10.5327/Z1679443520170045

RESUMO

INTRODUÇÃO: O estudo do perfil dos registros clínicos em prontuários de fumicultores favorece a discussão do estabelecimento do diagnóstico e do nexo causal com o trabalho.
OBJETIVO: Identificar o perfil dos registros clínicos em prontuários de fumicultores.
MÉTODO: Trata-se de um estudo descritivo de campo e documental com abordagem quantitativados registros em 149 prontuários de fumicultores que frequentaram Unidades Básicas de Saúde da Família de comunidades rurais do município de Arapiraca, Alagoas, no período de 2008 a 2013.
RESULTADOS: Foi identificado que 66% dos usuários são do sexo feminino, com média de idade de 58,6 anos (desvio padrão – DP±16,4). As queixas clínicas mais expressivas registradas nos prontuários estavam relacionadas à cefaleia (16,71%), seguida por dor lombar (10,20%), disúria ou outros problemas urinários (8,90%) e epigastralgia (8,30%). Quanto aos diagnósticos médicos, destacaram-se gastrite/epigastralgia (15,1%), depressão (7,1%), ansiedade (7,1%), mialgia (7,1%) e artrite/artralgia (5,3%). A correlação das queixas clínicas como trabalho desenvolvido pelos fumicultores foi registrada em apenas um prontuário.
CONCLUSÃO: O perfil clínico dos fumicultores apresentado nos prontuários poderia estar associado às condições sociais e de trabalho e inter-relacionado com a intoxicação por agrotóxicos e nicotina. Porém, a escassez de registros contextualizando o ambiente e os riscos ocupacionais torna limitante o nexo causal. Pela relevância do quadro clínico-ocupacional desses trabalhadores, faz-se necessária a melhoria dos registros, o que poderia justificar os sintomas apresentados levando em consideração as relações temporais entre a exposição e o desfecho.

Palavras-chave: praguicidas; saúde do trabalhador; vigilância em saúde pública; registros médicos.

ABSTRACT

BACKGROUND: The study of the profile of medical records of tobacco farmers contributes to discussions on the establishment of diagnosis and its causal correlation with work.
OBJECTIVE: To investigate the profile of clinical information in medical records of tobacco farmers.
METHODS: The present was a descriptive field and documentary study, with quantitative approach, of 149 medical records of farmers who visited basic health units in rural communities in the municipality of Arapiraca, Alagoas, Brazil, from 2008 to 2013.
RESULTS: About 66% of the investigated population was female, with average age 58.6 years old (standard deviation – SD±16.4). The most significant clinical complaint found in the records was headache (16.71%), followed by low back pain (10.20%), dysuria or other urinary problems (8.90%) and epigastric pain (8.30%). Medical diagnoses included gastritis (15.1%), depression (7.1%), anxiety (7.1%), myalgia (7.1%) and arthritis/arthralgia (5.3%). Correlation between clinical complaints and work performed by tobacco farmers was registered in one single medical record.
CONCLUSION: The clinical profile of tobacco farmers described in the medical records might be associated with their social and work conditions and related to pesticide and nicotine poisoning. However, the scarcity of information on the environmental and occupational risk context limits the establishment of a causal link. As a function of the relevance of the occupational-clinical conditions of this population of workers, improvement of medical records is necessary, as the temporal relationship between exposure and outcomes might account for the occurrence of the reported symptoms.

Keywords: pesticides; occupational health; public health surveillance; medical records.

INTRODUÇÃO

A cultura do fumo é uma atividade tradicional no Nordeste brasileiro1. Em Alagoas, a região fumageiras e concentra em Arapiraca, que, em seu contexto histórico, tornou-se a principal fonte de renda e comercialização do fumo, configurando-se como um dos cultivos mais importantes do estado2. De fato, já é conhecida a chamada “doença da folha verde do tabaco”, resultante da absorção dérmica da nicotina devido ao contato dos trabalhadores rurais com a folha do fumo3. Os sintomas associados a essa patologia, geralmente, são: nervosismo, tonturas, fraqueza muscular, palidez, entorpecimento e erupções cutâneas4. Esses efeitos são mais frequentes em trabalhadores que não usam equipamentos de proteção5 e que estão associados ao uso de agrotóxicos4. Em estudo realizado no Agreste Alagoano, onde foi identificado o primeiro caso da doença da folha verde no Brasil, os sintomas observados foram: tontura, fraqueza, vômito, náusea e cefaleia6.

Assim, a elevada produção de tabaco associada ao uso de agrotóxicos resultou no aumento dos índices de intoxicação registrados nas instituições de saúde. Dessa forma, o trabalhador rural tornou-se foco de atenção para os profissionais de saúde, requerendo registros em prontuários eficazes para subsidiar ações de intervenção, acompanhar a evolução da doença, fornecer dados estatísticos do serviço de saúde ou mesmo contribuir para o avanço do processo de trabalho multiprofissional7,8. Pesquisas envolvendo análise de prontuários têm sido utilizadas para identificar evidências da necessidade de ações diante da rotina da atenção em saúde do trabalhador9,10.

Nesse contexto, surgiu uma inquietação em relação ao que está descrito nos registros em saúde dos prontuários dos fumicultores. Portanto, este estudo teve como objetivos identificar o perfil clínico dos fumicultores do município de Arapiraca, Alagoas, e caracterizar os registros dos profissionais de saúde nos prontuários dos trabalhadores em estudo.

 

MÉTODOS

Trata-se de um estudo retrospectivo por análise das anotações realizadas em prontuários de fumicultores, usuários de Unidades Básicas de Saúde da Família (UBSFs) do Sistema Único de Saúde (SUS), que atendem a quatro comunidades rurais com predominante cultivo do fumo, no município de Arapiraca, Alagoas, Brasil. O critério de seleção do presente trabalho foi um levantamento, realizado em 2012 pelas UBSFs, do número de fumicultores da região. Foram disponibilizados por essasinstituições de saúde somente os prontuários dos trabalhadores com idade acima de 40 anos.

A população rural de Arapiraca é composta por aproximadamente 32.525 habitantes, com extensiva cultura de fumo11. As comunidades do presente estudo localizam-se na periferia do município, nos povoados de Pau D’arco, que atende a 1.467 famílias, totalizando 5.077 pessoas; Batingas, que atende a 2.615 famílias, com 8.308 pessoas; Capim, que atende a 1.212 famílias, com 3.603 pessoas; e Canaã, com 1.290 famílias atendidas, em um total de 4.193 pessoas12. A Figura 1 representa cartograficamente a disposição das regiões utilizadas para este estudo.

 


Figura 1. Localização geográfica das comunidades do estudo. Arapiraca, Alagoas, 2017.

 

Os fumicultores dessa região são, em sua maioria, agricultores familiares, cujo fumo é o de galpão — colhe-se cerca de 4.560 toneladas de fumo por ano em 3.800 hectares produzidos, atividade avaliada em R$ 5.472,00. Frutas e hortaliças também são plantadas na região11. Os principais agrotóxicos usados na cultura do fumo, identificados em 2012, são: Deltamethrin (Decis), Imidacloprido (Confidor), Lambda-Cialotrina (Karatê), Metamidofós (Tamaron) e Azoxistrobina (Amistar)13.

A amostragem do presente estudo foi fornecida pela equipe dos Programas de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e do Programa Saúde da Família (PSF), que possuíam 100% de cobertura da área rural do município, permitindo acesso a todos os prontuários de fumicultores que fizeram parte do último levantamento nessas regiões. Assim, foram fornecidos 149 prontuários, com registros de atendimentos no período de 2008 a 2013.

As anotações dos profissionais de saúde, registradas em impressos próprios, anexadas ao prontuário dos fumicultores, foram transcritas para um instrumento de coleta de dados elaborado para esta pesquisa. Com base no conteúdo transcrito, procedeu-se à análise, à categorização e à classificação das anotações. Para a análise dos dados, foram considerados os aspectos de identificação, as características dos registros e a descrição das evoluções. Após a classificação das informações, os dados foram submetidos à análise estatística descritiva por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas (CEP/UFAL) sob parecer nº 468.827/2013.

 

RESULTADOS

Foram analisados 149 prontuários, identificando as seguintes variáveis, conforme ilustrado na Tabela 1: a maioria dos usuários (66%; n=98) era do sexo feminino e idoso, com idade acima de 60 anos (50,5%; n=75) e atividade efetiva na fumicultura. A faixa etária entre40 e 49 anos compreendeu 34,8% (n=52) da amostra, e 30,8% (n=49) dos indivíduos tinham entre 80 e 89 anos. A média de idade foi de 58,6 anos (desvio padrão – DP±16,4); a idade mínima, 41 anos; e a idade máxima, 89 anos. Quanto à etnia, a maioria foi registrada como parda (56,0%; n=79), seguida por negra (28,3%; n=41) e branca (13,9%; n=20). Em 1,8% (n=9) dos prontuários não havia registro da etnia do indivíduo. Alguns dados não foram encontrados nos registros dos prontuários, tais como escolaridade e altura.

 

 

Em relação à distribuição geográfica, foram analisados os prontuários de trabalhadores da fumicultura de quatro comunidades rurais, localizadas na periferia do município de Arapiraca: Comunidade Pau D’arco, que compreendeu 53,4% (n=85) do total de prontuários; Comunidade Capim, com 34,5% (n=46); Comunidade Batingas, com 8,6% (n=11); e Comunidade Canaã, com 3,5% (n=7) dos prontuários dos indivíduos da amostra.

Sobre as características dos registros dos profissionais de saúde nos prontuários dos fumicultores, foi possível observar que 25,0% (n=37) das anotações foram realizadas pelo enfermeiro, 40,6% (n=61) pelo médico e 34,4% (n=51) por outros profissionais. Foram coletados 846 registros de atendimentos dos profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, psicólogos e técnicos de enfermagem) entre os anos de 2008 e 2013. A maioria desses registros incidiu nos meses de abril (n=71), maio (n=76), julho (n=89), agosto (n=89), setembro (n=70), novembro (n=81) e dezembro (n=68), e a maioria dos atendimentos ocorreu no ano de 2013.

Em 81,2% (n=121) dos prontuários as anotações eram objetivas e todas foram redigidas a caneta; a assinatura do profissional de saúde estava presente em 86,6% (n=129) dos registros e o carimbo foi identificado em 100,0% (n=149) das evoluções dos profissionais; entre os prontuários, 35,5% (n=53) possuíam letra legível.

O registro do exame físico em todas as evoluções (100%; n=149) foi direcionado essencialmente para a queixa do paciente, e não de forma sistemática no sentido cefalocaudal. A maioria das evoluções do exame físico estava relacionada à análise por inspeção (42,00%; n=63), seguida por ausculta (35,60%; n=53), palpação (20,54%; n=31) e percussão (1,86%; n=3). Destacam-se os registros de nível de consciência, padrão respiratório, padrão cardiovascular, tensão abdominal e integridade cutâneo-mucosa.

Em relação às anotações dos sinais vitais, 51,8% (n=76) dos registros apresentaram dados em relação à aferição da pressão arterial, cuja média de valores foi 120×80 mmHg — somente 24 indivíduos foram identificados como hipertensos. Quanto à verificação da altura, apenas 14,8% (n=22) dos registros apresentaram essa variável. O peso apareceu em 39,0% (n=58) das anotações. Os registros menos expressivos referiram-se ao estado emocional, compreendendo apenas 23,4% (n=35) da amostra. Entretanto,também foram observados registros sobre alimentação ou nutrição (29,5%; n=44), prática de atividade física (26,9%; n=40) e eliminações fisiológicas, sono e repouso (24,8%; n=37). A história prévia de doença do trabalhador foi registrada em 40,9% (n=61) dos prontuários.

Nos prontuários da amostra, foram totalizados 264 registros de queixas relatadas pelos fumicultores. Observou-se que a maioria dos sinais estava relacionada à cefaleia (16,7%; n=44), seguida por dor lombar (10,2%; n=27), disúria e/ ou outros problemas urinários (8,3%; n=21) e epigastralgia (8,9%; n=22), como mostra a Tabela 2. Somente em um dos prontuários o profissional registrou a associação do trabalho do fumicultor com a queixa por ele apresentada (“Relata ter trabalhado em roça”); ele foi atendido por um profissional de enfermagem e também se queixou de dor no ombro e dificuldade em realizar tarefas rotineiras; foi recomendado que ficasse em repouso, e houve a orientação para melhorar a qualidade de vida diante da queixa.

 

 

Dos 40,6% (n=61) dos registros médicos em prontuário, houve registros de diagnósticos médicos em apenas 39,8% (n=59). Na Tabela 3, pode-se observar uma relação de 56 diagnósticos médicos identificados nos prontuários, destacando-se: gastrite/epigastralgia (15,1%), depressão (7,1%), ansiedade (7,1%), mialgia (7,1%) e artrite/artralgia (5,3%). Esses desfechos clínicos podem ser condizentes com as condições sociais e de trabalho dos fumicultores.

 

 

Foram encontrados dois diagnósticos de enfermagem nos prontuários em estudo, a saber: “controle ineficaz do regime terapêutico” e “obesidade e estilo de vida sedentário”. Não foi encontrado diagnóstico confirmado para doença da folha verde do fumo ou para intoxicação por agrotóxicos. Quanto às intervenções médicas, estas descreveram medidas terapêuticas em todos os prontuários, compreendendo: prescrições e transcrições medicamentosas, solicitação de exames laboratoriais e encaminhamento para especialistas, em sua maioria da saúde mental (65,5%; n=98). As intervenções de enfermagem foram registradas em 0,67% (n=1) dos prontuários, compreendendo questões relacionadas à alimentação, à prática de exercícios físicos, a orientações sobre o uso correto da medicação e à solicitação de exames laboratoriais.

 

DISCUSSÃO

De acordo com os resultados deste estudo, os meses em que houve maior número de consultas de fumicultores registradas nos prontuários coincidiram com aqueles em que ocorrem a semeadura, o plantio e a colheita do fumo14. Na Região Nordeste, o fumo é semeado por volta do mês de maio, plantado em junho e colhido entre agosto e setembro. Depois que as mudas são semeadas, inicia-se o processo de controle de pragas e doenças, associado ao uso intensivo de agrotóxicos13. Esse período requer do profissional de saúde maior atenção quanto aos possíveis sintomas de intoxicação por exposição simultânea a agrotóxicos e à nicotina no momento do destalo.

No presente estudo observou-se que a maioria dos indivíduos atendidos era do sexo feminino, o que corrobora o resultado de pesquisas que revelam que as mulheres brasileiras, de forma geral, vão mais ao médico do que os homens15,16. Constatou-se, ainda, a prevalência de atendimento a pacientes acima de 40 anos, resultado observado, provavelmente, em razão do período integral da atividade laboral na fumicultura, o que acarreta menor procura por atendimento de saúde entre os mais jovens. Já no aspecto da etnia, considerando que a região de estudo possui fortes influências da miscigenação, prevaleceram registros de pardos ou negros, corroborando estudos que revelam que cerca da metade da população fumageira se declara negra ou parda8,13.

Em relação ao perfil clínico, de acordo com a anamnese e o exame físico, observou-se que o registro desse exame foi focado na queixa principal do paciente. No entanto, a anamnese, ao relembrar os acontecimentos referentes às condições de saúde, será tanto mais autêntica quanto mais for relatada pelo próprio paciente. O exame físico é atingido de forma sistematizada, preferencialmente no sentido cefalocaudal, comum à revisão criteriosa de todas as frações corporais17.

Identificou-se, ainda, que a maioria das queixas relatadas pelos profissionais da presente pesquisa e registradas em prontuário tem desfecho clínico que pode ser condizente com as condições sociais e de trabalho dos fumicultores, inclusive associando os fatores que favorecem o estresse térmico18. Assim, é necessário incluiressas informações nos prontuários, uma vez que os sintomas são comuns a outras doenças, inclusive intoxicação por agrotóxicos ou nicotina. Estudo prévio realizado no Agreste Alagoano evidenciou o mesmo perfil sintomatológico6,8,19, o que reforça a necessidade de os profissionais de saúde levarem em consideração a avaliação das condições de trabalho e de exposição ocupacional dos fumicultores. Além disso, deve-se considerar a idade avançada de muitos desses trabalhadores, e que diversas patologias e sintomas são mais frequentes em pacientes mais idosos.

A sintomatologia das intoxicações humanas agudas é pouco conhecida, o que prejudica a efetivação do diagnóstico e do tratamento do paciente. Contudo, o trabalhador estáexposto a múltiplos produtos ao mesmo tempo, ao longo de vários anos e por vias distintas: absorção dérmica, inalação e ingestão, tanto no campo quanto em casa20. No que tange à saúde mental, a depressão foi identificada nos registros dos prontuários; estudos têm sugerido que a exposição acumulativa a pesticidas pode contribuir para o desenvolvimento do quadro clínico da depressão em aplicadores desses produtos21, tornando-se necessário o desenvolvimento de estudos de coorte para identificar uma possível relação causal.

Foi identificada deficiência em relação aos registros com foco em saúde do trabalhador. Porém, é necessário destacar que, quanto maior for o engajamento das equipes de Saúde da Família nas ações de vigilância à saúde22, melhores serão o monitoramento, a identificação, o acompanhamento e a prevenção de danos à saúde do trabalhador de fumicultura e ao ambiente. Essas são ações indispensáveis, principalmente quando se relaciona tal prática à qualidade de vida e ao ambiente23. Dessa forma, busca-se contribuir para a compreensão de que os agravos relacionados ao trabalho devem fazer parte do grupo de condições indicadas como prioritárias para acompanhamento ocupacional22.

Entretanto, deve-se ponderar os resultados deste estudo, considerando o reduzido tamanho amostral, principalmente quando se procedeu à categorização das variáveis obtidas dos prontuários. A ausência de dados na disposição da avaliação clínica não possibilitou uma visão holística do paciente, o que prejudicou a apreciação em relação ao atendimento prestado.

Uma abordagem essencial para esse fim é a educação continuada das equipes de Estratégia de Saúde da Família que atendem em área rural, considerando, sobretudo, a comum rotatividade de seus integrantes, com vistas ao reconhecimento e ao manejo dos casos de intoxicação por agrotóxicos e também à difusão de orientações de como prevenir/reduzir os efeitos da exposição aos agrotóxicos e à nicotina ou, ainda, a estimular a discussão sobre uma mudança no modelo de produção agrícola, em abordagem integrada com multiprofissional na perspectiva ocupacional.

No decorrer da avaliação clínica, o exame físico é de extrema importância para a identificação-chave de consequências à saúde do trabalhador rural que manipula agrotóxicos e possui contato com a nicotina do fumo colhido. Propõe-se que a avaliação atente ao sistema neurológico, às funções sensoriais, especificamente a avaliação audiológica, força/tônus e movimento muscular, sensibilidade, coordenação motora, palpação de nervos periféricos e reflexos, avaliação do abdome e avaliação do humor, bem como os aspectos que envolvem a saúde mental.

Na perspectiva laboratorial, propõe-se ênfase na solicitação de exames regulares, compreendendo: hemograma completo, função hepática, função renal, proteínas totais e frações, colesterol total, HDL, LDL, triglicerídeos, glicemia eTSH. O resultado desses exames pode trazer informações importantes para o diagnóstico e a conduta dos profissionais de saúde envolvidos na assistência a esses trabalhadores, principalmente aqueles expostos a agrotóxicos.

Por fim, os registros, fontes de conhecimento do histórico devida do paciente, interferem diretamente no tipo de assistência prestada a ele. Portanto, a sensibilização dos profissionais de saúde para a realização de registros que evidenciem a condição do paciente e se associem aos seus aspectos de saúde é fundamental, mesmo que haja rotatividade da equipe, para que a investigação da existência de nexo causal com o trabalho seja fortalecida.

 

CONCLUSÃO

O perfil clínico dos fumicultores apresentado nos prontuários poderia estar associado às condições sociais e de trabalho e inter-relacionadas à intoxicação por agrotóxicos e nicotina. Porém, a escassez de registros contextualizando o ambiente e os riscos ocupacionais torna limitante o nexo causal com o trabalho. Em se tratando desse público-alvo, os registros em prontuário precisam fornecer mais informações, principalmente pela relevância do quadro clínico-ocupacional e pela necessidade de diagnósticos precisos, melhoria das notificações e orientações sobre o tratamento.

Os dados apresentados neste estudo evidenciam a necessidade de registros coerentes na avaliação da situação de saúde da população rural, o que poderia justificar os sintomas apresentados levando em consideração as relações temporais entre a exposição e o desfecho. A capacitação constante da equipe de saúde para o registro das atividades laborais é necessária para que as intervenções sejam mais efetivas para os fumicultores. Além disso, linhas de pesquisa para futuras averiguações no sentido do avanço do conhecimento científico são necessárias no que tange à avaliação clínica desses indivíduos, inclusive na padronização das consultas entre fumicultores e não fumicultores.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos colaboradores do projeto “O uso de agrotóxicos no Nordeste brasileiro e seus impactos sobre o meio ambiente e a saúde humana”, aos gerentes das UBSFs, aos agentes comunitários de saúde e à Secretaria Municipal de Saúde de Arapiraca.

 

REFERÊNCIAS

1. Vargas MA, Oliveira BF de. Estratégias de diversificação em áreas de cultivo de tabaco no Vale do Rio Pardo: uma análise comparativa. Rev Econ e Sociol Rural. 2012;50(1):175-92.

2. Souza JCO. Reestruturação urbana e interações espaciais em cidades médias: o exemplo de Arapiraca, Alagoas. Rev Geo Quest. 2009;1(2):107-17.

3. Mishra A, Chaturvedi P, Datta S, Sinukumar S, Joshi P, Garg A. Harmful effects of nicotine. Indian J Med Paediatr Oncol. 2015;36(1):24-31.

4. Saleeon T, Siriwong W, Maldonado-Pérez HL, Robson MG. Green Tobacco Sickness among Thai Traditional Tobacco Farmers, Thailand. Int J Occup Environ Med.2015 Jul;6(3):169-76.

5. Selmi GFR, Correa CL, Zambrone FAD. Avaliação da vestimentapadrão utilizada durante a colheita das folhas do tabaco e implicações na prevenção da Green Tobacco Sickness (GTS). Rev Bras Med Trab.2016;14(3):184-91.

6. Oliveira PPV, Sihler CB, Moura L, Malta DC, Torres MCA, Lima SMCP, et al. First reported outbreak of green tobacco sickness in Brazil. Cad Saúde Pública. 2010;26(12):2263-9.

7. Possari JF. Prontuário do paciente e os registros de enfermagem. São Paulo: Érica; 2005.

8. Nascimento CA. Avaliação das condições de trabalho dos fumicultores no município de Arapiraca - AL: contribuições para estudo sobre a percepção de risco nos trabalhadores rurais expostos a agrotóxicos. [Dissertação de Mestrado]. Maceió: Universidade Federal de Alagoas; 2011.

9. Almeida GFP, Ribeiro MHA, Silva MACN, Branco RCC, Pinheiro FCM, Nascimento MDSB. Patologias osteomusculares como causa de aposentadoria por invalidez em servidores públicos do município de São Luís, Maranhão. Rev Bras Med Trab. 2016;14(1):37-44.

10. Souza AL, Mota EMCL, Santana OAM, Sá SRFC. Perfil médico-ocupacional e sociodemográfico dos portadores de discopatias ocupacionais diagnosticados pelo CESAT-BA. Rev Bras Med Trab. 2005;3(1):3-9.

11. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Panorama da cidade de Arapiraca [Internet]. [cited on Aug 31, 2017]. Available from: https://cidades.ibge.gov.br/v4/brasil/al/arapiraca/panorama

12. Arapiraca. Secretaria Municipal de Saúde de Arapiraca. Banco de Dados da Coordenação de Atenção Básica do Município. Arapiraca: Secretaria Municipal de Saúde de Arapiraca; 2017.

13. Farias KF. Caracterização do hemograma e perfil bioquímico sérico de agricultores fumageiros expostos a agrotóxicos na área rural de Arapiraca - AL [Dissertação de Mestrado]. Maceió: Universidade Federal de Alagoas; 2012.

14. Biolchi MA. A cadeia produtiva do fumo. Context Rural. 2003;(4).

15. Dilélio AS, Tomasi E, Thumé E, Silveira DS, Siqueira FCV, Piccini RX, et al. Padrões de utilização de atendimento médico-ambulatorial no Brasil entre usuários do Sistema Único de Saúde, da saúde suplementar e de serviços privados. Cad Saúde Pública. 2014;30(12):2594-606.

16. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde. Acesso e utilização dos serviços de saúde, acidentes e violências: Brasil, grandes regiões e unidades da federação. Rio de Janeiro: IBGE; 2015. 100p.

17. Patine FS, Barboza DB, Pinto MH. Ensino do exame físico em uma escola de enfermagem. Arq Ciênc Saúde. 2004;11(2):2-8.

18. Roscani RC, Bitencourt DP, Maia PA, Ruas AC. Risco de exposição à sobrecarga térmica para trabalhadores da cultura de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2017;33(3):e00211415.

19. Murakami Y, Pinto NF, Albuquerque GSC, Perna PO, Lacerda A. Intoxicação crônica por agrotóxicos em fumicultores. Saúde Debate. 2017;41(113):563-76.

20. Preza DLC, Augusto LGS. Vulnerabilidades de trabalhadores rurais frente ao uso de agrotóxicos na produção de hortaliças em região do Nordeste do Brasil. Rev Bras Saúde Ocup. 2012;37(125):89-98.

21. Beseler CL, Stallones L, Hoppin JA, Alavanja MCR, Blair A, Keefe T, et al. Depression and Pesticide Exposures among Private Pesticide Applicators Enrolled in the Agricultural Health Study. Environ Health Perspect. 2008;116(12):1713-9.

22. Bastos-Ramos TP, Santana VS, Ferrite S. Estratégia Saúde da Família e notificações de acidentes de trabalho, Brasil, 2007-2011. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(4):641-50.

23. Santos VCF, Ruiz ENF, Riquinho DL, Mesquita MO. Saúde e ambiente nas políticas públicas em municípios que cultivam tabaco no sul do Brasil. Rev Gaúcha Enferm. 2015;36(esp):215-23.

Recebido em 5 de Julho de 2017.
Aceito em 12 de Outubro de 2017.

Trabalho realizado na Universidade Federal de Alagoas (UFAL) – Arapiraca (AL), Brasil.

Fonte de financiamento: nenhuma


© 2024 Todos os Direitos Reservados