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ARTIGO ORIGINAL

Desfecho dos professores afastados da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal por distúrbios vocais entre 2009-2010

Outcomes of teachers away from work for voice disorders, State Secretariat of Education, Federal District, 2009-2010

Cristine Matos de Souza; Ronaldo Campos Granjeiro; Magda Patrícia de Castro; Ricardo da Cunha Ibiapina; Glauce Maria Gomes Ferreira Oliveira

DOI: 10.5327/Z1679443520170044

RESUMO

CONTEXTO: A voz é uma importante ferramenta de trabalho para professores. Esses profissionais são frequentemente afastados da docência por distúrbios vocais, repercutindo no grande número de licença médica, restrição de função e readaptação profissional.
OBJETIVO: Avaliar o perfil epidemiológico de professores afastados por distúrbios vocais e a repercussão da disfonia na diminuição das atividades laborais, na restrição de função e na readaptação profissional.
MÉTODOS: Estudo retrospectivo realizado entre janeiro de 2009 e dezembro de 2010, a partir da coleta de dados de prontuários da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, sobre os professores afastados por período superior a 30 dias.
RESULTADOS: Foram analisados 153 professores afastados por disfonia. A maior prevalência de distúrbios vocais ocorreu no gênero feminino (96,7%). Os nódulos vocais predominam no diagnóstico, representando 40% das lesões vocais encontradas. O tempo médio de afastamento foi de 120 dias. Aproximadamente 55% dos professores em licença médica estavam em restrição de função e ficaram em média 166 dias nessa condição. Ao todo, 25,5% dos professores foram readaptados e 73,8% retornaram à sala de aula.
CONCLUSÃO: Adoecimento vocal é uma causa frequente de afastamento profissional, gerando grandes gastos anuais. Medidas preventivas e a consolidação de orientações quanto ao uso vocal reduziriam significativamente o número de professores em restrição ou readaptação de função.

Palavras-chave: disfonia; docentes; licença médica.

ABSTRACT

BACKGROUND: Voice is an important working tool for teachers. These professionals often stay away from work due to voice disorders, resulting in a high frequency of sick leave, function restriction and professional re-adaptation.
OBJECTIVE: To evaluate the epidemiological profile of teacher absenteeism due to voice disorders and the impact of dysphonia in reducing labor activities, function restriction and professional re-adaptation.
METHODS: A retrospective study of teachers away from work for more than 30 days was performed from January 2009 to December 2010 based on data collected from medical records at State Secretariat for Education, Federal District, Brazil.
RESULTS: A total of 153 teachers away from work due to dysphonia were analyzed. The highest prevalence of voice disorders was found among women (96.7%). Vocal nodules were the most prevalent diagnosis, corresponding to 40% of vocal lesions. The average time away from work was 120 days. About 55% of the teachers on sick leave exhibited function restriction and remained in that condition for 166 days, on average. In total, 25.5% of the teachers needed re-adaptation, and 73.8% were able to return to the classroom.
CONCLUSION: Voice disorders are a frequent cause of sick leave, resulting in a high annual cost. Preventive measures and vocal orientation would significantly reduce the number of teachers with function restriction or requiring re-adaptation.

Keywords: dysphonia; teachers; sick leave.

INTRODUÇÃO

A voz é a principal forma de comunicação em nossa sociedade, sendo importante na interação entre os indivíduos. Os distúrbios vocais ocupacionais têm grande participação no número de profissionais afastados diariamente por licença médica, restrição ou readaptação de função1,2.

Disfonia pode ser definida como qualquer dificuldade na emissão vocal decorrente de um dano funcional e/ou orgânico3, que se expressa de diferentes formas: rouquidão, cansaço ou falta de ar durante a fonação, pigarro, queimação, dificuldade na projeção da voz, secura na garganta, entre outras2.

Atualmente, muitos estudos demonstram a forte relação entre profissionais da voz e o surgimento de distúrbios vocais. Aproximadamente 1/3 dos empregos presentes em nossa sociedade usam a voz como ferramenta básica de trabalho4. Entre esses profissionais, os professores fazem parte do grupo mais propenso a alterações vocais5.

De acordo com Sliwinska-Kowalska et al.6 e Angelillo et al.7, os distúrbios vocais são duas a três vezes mais frequentes em professores e mais comuns no gênero feminino. Esses autores destacam, ainda, que esses problemas representam 25% das doenças ocupacionais e apontam como importantes os seguintes fatores de risco: esforço vocal, técnica incorreta durante a fonação e o aspecto psicológico/emocional8. Outros agentes contribuem diretamente para o surgimento da disfonia em professores, entre eles a carga horária semanal intensa, o ruído em sala de aula, a acústica ruim, a angústia e a exposição inadequada à temperatura e à umidade.

Em 2009, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP) contabilizou os professores no Brasil, chegando ao número de quase 2 milhões somente no setor público. O Consenso Nacional sobre Voz Profissional (2004) refere que 2% dos professores em atividade são afastados da sala de aula por licença médica, restrição de função ou readaptação profissional, tendo sido atribuído aos distúrbios da voz um gasto anual superior a 200 milhões de reais9. A consolidação de um programa de prevenção vocal10 permitiria atuar precocemente na detecção da disfonia, a partir da integração de uma equipe multidisciplinar e da orientação especializada desses profissionais.

Em 2014, o Distrito Federal (DF) contabilizou a emissão de mais de 29 mil atestados médicos, sendo o número total de servidores na Secretaria de Educação do DF de aproximadamente 35 mil. Segundo publicação do Conselho Nacional de Secretários de Estado de Administração (CONSAD), o índice de absenteísmo-doença nos servidores do DF, em 2011, foi de aproximadamente 48%11. O investimento em medidas educativas, preventivas ou curativas reduziria significativamente os custos gerados pelo afastamento desses profissionais da sala de aula.

Assim, este estudo avaliou o perfil dos professores afastados da regência, considerando principalmente as alterações vocais mais prevalentes, a idade média no momento do afastamento e o tempo médio de licença médica, restrição e readaptação de função.

 

MÉTODOS

Realizou-se um estudo retrospectivo, a partir da coleta de dados do prontuário funcional, na Secretaria de Estado de Educação do DF, de professores afastados por mais de 30 dias das atividades laborais por disfonia (CID R49), no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2010.

O projeto de n° 17032713.7.0000.5553 foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS).

O levantamento de dados foi realizado por um formulário objetivo, no qual foram registrados parâmetros como: idade, gênero, carga horária semanal, data de admissão, diagnóstico, data do início e do término da licença médica, data do início e do término da restrição de função, data de retorno à regência e readaptação profissional.

O diagnóstico das alterações laríngeas baseou-se na análise de laudos de videolaringoscopia emitidos por diferentes médicos otorrinolaringologistas assistentes. O estudo teve acesso apenas aos laudos de exames que se encontravam no prontuário médico, e não às suas imagens. Assim, diferentes câmeras para registro da imagem foram utilizadas na emissão desses laudos, visto que os servidores poderiam realizar o exame de videolaringoscopia em diferentes serviços de otorrinolaringologia disponíveis no DF.

Todos os dados foram analisados por meio do programa de estatística IBM SPSS Statistics 20 (2011). Inicialmente realizou-se a estatística descritiva a partir de gráficos e tabelas de frequência das variáveis. Posteriormente verificou-se a normalidade das variáveis numéricas (idade atual, idade no momento do afastamento, tempo de afastamento, tempo de restrição de função e tempo de readaptação) por meio do teste de Lilliefors. Essas variáveis foram avaliadas pelos testes não paramétricos. A avaliação da correlação das variáveis numéricas foi feita pelo teste de correlação não paramétrica de Spearman. Em todos os testes, o nível de significância aplicado foi de 5%, ou seja, considerou-se o efeito significativo quando p<0,05.

 

RESULTADOS

O estudo avaliou 153 servidores, professores da Secretaria de Estado de Educação do DF, de ambos os gêneros e de diversas disciplinas, sendo 148 (96,7%) do gênero feminino e 5 (3,3%) do masculino, com idade média de 41 anos (mínima de 28 e máxima de 62 anos). Aproximadamente 90,2% dos professores apresentavam carga horária de 40 horas semanais. O grupo de 20 horas semanais representava 1,3% dos professores, e 8,5% não apresentavam os dados colhidos.

O diagnóstico de nódulos vocais foi a alteração vocal mais frequente descrita nos laudos de videolaringoscopia, correspondendo a 40% da amostra, dos quais 27% representavam a associação de nódulos com fenda em ampulheta; nos outros 13% verificou-se a presença de nódulos vocais associados a outras alterações estruturais da laringe em menor frequência de distribuição (Gráfico 1).

 


Gráfico 1. Distribuição dos distúrbios vocais encontrados em laudos de videolaringoscopia nos prontuários de professores da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal.

 

Todos os professores selecionados estavam em licença médica por distúrbios vocais há 30 dias. Na avaliação médica inicial, os desfechos seriam: retorno à função, manutenção da licença médica ou retorno à atividade laboral com restrição para regência. Já a avaliação final teria como desfechos: retorno à função ou readaptação profissional (após um período de afastamento de 12 meses). Durante o estudo, um servidor foi encaminhado para aposentadoria por tempo de trabalho atingido durante o processo.

Assim, foram 153 professores em licença médica, dos quais 113 (73,8%) retornaram à sala de aula, 39 (25,5%) foram readaptados e 1 foi aposentado por tempo de serviço. Considerando o número total de docentes (n=153), 84 professores (54,9%) foram encaminhados para restrição de função, sendo, posteriormente, 23 profissionais readaptados e 61 encaminhados para retorno à função (Figura 1).

 


Figura 1. Distribuição inicial e desfecho para os professores de licença médica por disfonia na Secretaria de Estado e Educação do Distrito Federal.

 

O diagnóstico de nódulos associados à fenda em ampulheta foi responsável pelo maior número de dias de afastamento, considerando o número total de servidores. Essa alteração vocal foi a mais prevalente da amostra (27%), totalizando 4.534 dias de afastamento. Em média, cada indivíduo ficou em licença médica por 113 dias.

Dos 153 professores, 7 foram afastados das atividades laborais por paralisia de prega vocal e 2, por neoplasia laríngea. Essas alterações foram responsáveis pelo maior número de dias de afastamento por indivíduo, considerando a maior morbidade envolvida (277 e 413 dias em média, respectivamente). Desses nove profissionais, dois retornaram à sala de aula e sete foram readaptados.

Dos 39 servidores readaptados (25,5% da amostra), a média da licença à readaptação foi de 319 dias. Para os professores em restrição de função (54,9%), o tempo médio para o desfecho foi de 166 dias (readaptação ou retorno à função). A média de afastamento da atividade laboral dos professores com distúrbio vocal foi de 120 dias (Tabela 1).

 

 

Considerando o tempo de licença médica desses profissionais, constatou-se que 86% estiveram afastados da atividade laboral por um período de até 6 meses (Gráfico 2).

 


Gráfico 2. Distribuição do percentual de professores por tempo de afastamento de licença médica, segundo o sintoma de disfonia, na Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal.

 

DISCUSSÃO

A voz é considerada um importante instrumento de trabalho para os professores10, sendo a principal forma de expressão do ser humano. A disfonia representa uma causa frequente de afastamento das atividades laborais, principalmente em virtude do abuso vocal e das condições de trabalho em sala de aula. Esse sintoma é responsável pelo grande número de dias de licença médica, restrição e readaptação à função1,2.

Este estudo demonstrou a maior prevalência de disfonia em professores do gênero feminino, estando de acordo com o relatado nos artigos de Sliwinska-Kowalska et al.6 e Angelillo et al.7. Muitos fatores estão relacionados a essa maior propensão, entre eles: proporção glótica de 1:1, maior ângulo na comissura anterior — levando ao maior impacto das pregas vocais durante a fonação —, menor concentração de ácido hialurônico na camada superficial da lâmina própria5 e maior frequência fundamental quando comparada ao gênero masculino12. Além dos fatores anatômicos, os aspectos ambientais (carga horária semanal exacerbada, ruído ambiental intenso, acústica da sala ruim, condições inadequadas de temperatura e umidade) e psicoemocionais estão relacionados à geração de distúrbios vocais.

O diagnóstico mais prevalente foram os nódulos vocais (isoladamente ou em associação com outras alterações laríngeas), totalizando 40% da amostra. Esses achados reforçam que as lesões fonotraumáticas são mais frequentes entre os profissionais da voz, pois decorrem, principalmente, do mau uso ou do abuso vocal13. Os dados encontrados neste estudo demonstram que a associação de nódulos vocais e fenda em ampulheta levou, em média, a 113 dias de afastamento da atividade laboral de regência. Essa alteração vocal ocorre frequentemente na junção do terço médio-anterior das pregas vocais, onde a amplitude da vibração é maior, sendo uma região de grande atrito durante a fonação5. Esse tipo de lesão pode ser evitado ou reduzido a partir da orientação específica de uma equipe multiprofissional.

Um limitante do estudo foi o acesso apenas aos laudos dos exames. A videolaringoscopia foi realizada por diferentes profissionais otorrinolaringologistas, expondo-nos a uma análise subjetiva dos laudos em cada exame. Assim, diferentes tipos de fendas e lesões estruturais foram relatados, sendo mais prevalente a associação de nódulo e fenda em ampulheta (27%).

Os professores ficaram em média 120 dias em licença médica, independentemente do distúrbio vocal envolvido. Aproximadamente 86% desses professores foram afastados por um período menor do que 6 meses. Dos 153 professores, 84 apresentaram restrição para a regência, levando em média 166 dias nessa condição, até serem readaptados ou retornarem à função. Assim, 113 professores retornaram para sua atividade laboral e 1 se aposentou durante o processo. O número total de readaptados foi de 39, representando 25,5% dos profissionais em licença médica, com tempo médio da licença à readaptação de 319 dias.

Diante desses dados, percebemos o grande impacto gerado pelo afastamento14 dos professores da docência. O Brasil gasta aproximadamente 200 milhões de reais por ano com licenças para esses profissionais por distúrbio vocal9. A prevenção é a melhor forma de reduzir significativamente as lesões fonotraumáticas e, com isso, diminuir os gastos anuais decorrentes do mau uso da voz.

 

CONCLUSÃO

Este foi o primeiro estudo a traçar o perfil epidemiológico dos professores da Secretaria de Estado de Educação do DF afastados da docência por distúrbios vocais em um período superior a 30 dias.

O elevado índice de absenteísmo entre os professores gera altos gastos anuais, que poderiam ser reduzidos com investimentos em medidas educativas, preventivas e/ou curativas.

 

REFERÊNCIAS

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5. Smith E, Lemke J, Taylor M, Kirchner LH, Hoffman H. Frequency of Voice problems among teachers and other occupations. J Voice. 1998;4:480-8.

6. Sliwinska-Kowalska M, Noebudeck-Bogusz E, Fiszer M, Los-Spychalska T, Kotylo P, Sznurowska-Przygocka B, et al. The prevalence and risk factors for occupational voice disorders in teachers. Folia Phoniatr Logop. 2006;58:85-101.

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9. Academia Brasileira de Laringologia e Voz. 3º Consenso Nacional sobre Voz Profissional. Voz e trabalho: uma questão de saúde e direito do trabalhador. Vox Brasilis. 2004;68.

10. Granjeiro RC. Manual de Saúde e Segurança do Trabalho. Brasília: SEAP; 2012. p.127-33.

11. Araújo L, Ribeiro MVR. Absenteímo: doença entre Servidores Estatutários estaduais. 2014 [cited on 2015 Dec 10]. Available from: http://consad.org.br/wp-content/uploads/2013/08/Consad_ Relat%C3%B3rio_Final_Consolidado_Revisado-08.2014.pdf

12. Smith E, Kirchner HL, Taylor M, Hoffman H, Lemke JH. Voice Problems Among Teachers: Differences by Gender and Teaching Characteristics. J Voice. 1998;12:328-34.

13. Fuess VLR, Lorenz MC. Disfonia em professores do ensino municipal: prevalência e fatores de risco. Rev Bras Otorrinolaingol. 2003;69:807-12.

14. Daniel E, Koerich CRC, Lang A. O perfil do absenteísmo dos servidores da prefeitura municipal de Curitiba, de 2010 a 2015. Rev Bras Med Trab. 2017;15:142-9.

Recebido em 11 de Junho de 2017.
Aceito em 22 de Agosto de 2017.

Trabalho realizado na Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEE/DF) – Brasília (DF), Brasil.

Fonte de financiamento: nenhuma


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