3843
Visualizações
Acesso aberto Revisado por Pares
ARTIGO ORIGINAL

Fatores associados ao uso de equipamentos de proteção individual por profissionais de saúde acidentados com material biológico no Estado do Maranhão

Factors associated with use of personal protective equipment by health care professionals who suffered accidents with biological materials in the State of Maranhão, Brazil

Luciana Barroso Dias Corrêa1; Sâmea Cristina Santos Gomes2,3; Thais Furtado Ferreira3; Arlene de Jesus Mendes Caldas1,3

DOI: 10.5327/Z1679443520170089

RESUMO

CONTEXTO: Os profissionais da área de saúde estão expostos ao risco de acidentes de trabalho; por isso, equipamentos de proteção individual (EPIs) atuam como barreira e promovem proteção sempre que haja possibilidade de exposição ao material biológico.
OBJETIVO: Analisar os fatores associados e determinar a frequência de adesão ao uso de EPI por profissionais de saúde que sofreram acidentes ocupacionais com material biológico no Estado do Maranhão.
MÉTODOS: Realizou-se um estudo epidemiológico, transversal, tipo analítico baseado em dados secundários do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) entre os profissionais de saúde acidentados com material biológico no período de 2010 a 2015. Primeiramente, foi realizada a análise não ajustada; na segunda fase, foi adotada a análise ajustada do tipo hierarquizada, tendo como variável resposta a adesão ao uso de EPI. Foram consideradas associadas à variável resposta aquelas que apresentaram p<0,05.
RESULTADOS: A frequência de utilização de EPI foi de 41% e, ao final da análise hierarquizada, mantiveram-se associados a não utilização de EPI: ter 12 anos ou menos de estudo; trabalhar na capital/região metropolitana; sofrer exposição percutânea, por sangue, por agulha e por descarte inadequado de perfurocortantes.
CONCLUSÃO: A frequência de adesão ao uso de EPI foi relativamente baixa entre os profissionais de saúde que sofreram acidentes no Estado do Maranhão. Os profissionais com 12 anos ou menos de estudo, não utilizando EPI e que realizaram descarte inadequado de materiais perfurocortantes podem estar contribuindo para a ocorrência de acidentes ocupacionais nas instituições de saúde.

Palavras-chave: acidentes de trabalho; equipamento de proteção individual; exposição a agentes biológicos.

ABSTRACT

BACKGROUND: Health professionals are at high risk for work accidents; within this context, personal protective equipment (PPE) acts as a barrier and affords protection in any situation of potential exposure to biological materials.
OBJECTIVE: To analyze associated factors and determine the frequency of adherence to use of PPE by health professionals who suffered occupational needle stick injuries in the State of Maranhão.
METHODS:
An epidemiological, cross-sectional, analytical study based on secondary data from the Information System on Notifying Diseases (SINAN) was performed with health professionals who suffered needle stick injuries from 2010 to 2015. Unadjusted analysis was performed first, and hierarchical adjusted analysis in a second stage, with adherence to use of PPE as response variable. Only variables with p < 0.05 were considered to exhibit association with the response variable.
RESULTS: The frequency of use of PPE was 41%; at the end of hierarchical analysis, not using PPE remained associated with: having 12 or less years schooling; working in the capital/metropolitan region; and percutaneous exposure to blood by means of needles or improper disposal of sharps.
CONCLUSION:
The frequency of adherence to PPE was relatively low among health professionals who suffered accidents in the State of Maranhão. Twelve years or less of schooling, not using PPE and improper disposal of sharps might contribute to the occurrence of occupational accidents at health institutions.

Keywords: accidents, occupational; personal protective equipment; exposure to biological agents.

INTRODUÇÃO

O trabalho é uma atividade social e desempenha um papel essencial nas condições de vida do homem. No entanto, dependendo da forma como é realizado, pode expor o trabalhador aos riscos presentes em seu ambiente de trabalho, interferindo na sua condição de saúde e originando múltiplos agravos1.

A biossegurança no trabalho em saúde deve se iniciar com a adoção das precauções padrões (PPs), entre as quais citamos: lavagens de mãos, uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) e de proteção coletiva (EPCs), manejo adequado de resíduos dos serviços de saúde e imunização, a fim de proteger clientes e profissionais de saúde contra a exposição aos fluídos biológicos2-4.

No Brasil, a biossegurança no trabalho em saúde é assegurada pela Norma Regulamentadora nº 32 (NR 32)5. Esta recomenda a adoção de medidas preventivas para cada situação de risco com o objetivo de promover a segurança dos trabalhadores nos serviços de saúde; dentre essas medidas, destaca-se o uso de EPI.

A NR 6 define EPI como todo dispositivo ou produto de uso individual utilizado pelo trabalhador destinado a prevenir riscos que podem ameaçar a segurança e a saúde no trabalho6.

O uso de EPI não elimina todos os riscos aos quais os trabalhadores estão expostos, porém reduz a possibilidade de ocorrer acidentes. Os meios de exposição dos profissionais de saúde incluem o manuseio de perfurocortantes, bem como a exposição cutânea e de mucosas ao sangue e às secreções corpóreas contaminadas durante a realização de alguma atividade. Esse contato e os ferimentos provocados por materiais perfurocortantes são considerados extremamente perigosos por serem potencialmente capazes de permitir a veiculação de mais de 20 tipos de patógenos diferentes, sendo os vírus da imunodeficiência humana (HIV), da hepatite B (HBV) e da hepatite C (HCV) os agentes infecciosos mais frequentes7.

Entretanto, o mais importante é a adesão ao uso de EPI com adoção de atitudes proativas pelos profissionais no sentido de cumprir as medidas de prevenção de acidentes, bem como buscando a proteção dos pacientes, dos outros profissionais e de si próprio. Embora estudos evidenciem a gravidade dos acidentes que envolvem materiais biológicos e apontem o uso do EPI como melhor meio para a prevenção, foi observado que, na prática, muitos profissionais ainda subestimam os riscos, razão para a baixa adesão, uso e manuseio incorreto desses equipamentos4,8,9.

Entre os fatores contribuintes para a não adesão às medidas preventivas estão: a resistência do profissional em mudar de rotina quanto aos procedimentos, a falta do material para proteção e a falta de apoio de gestores4. Torna-se necessário identificar quais fatores influenciam a adoção de medidas preventivas, para possibilitar e direcionar práticas de educação continuada e treinamentos para profissionais de saúde, a fim de que a adesão às PPs, e consequentemente o uso de EPI, aconteça em todas as situações necessárias, assegurando ao profissional segurança no ambiente de trabalho4.

Dessa forma, conhecer as circunstâncias que determinam e influenciam a ocorrência dos acidentes com exposição a material biológico nas instituições de saúde, sobretudo investigando a não adesão às medidas preventivas, como o uso de EPI, pode oferecer subsídios para o planejamento de ações para prevenir esses eventos.

Assim, este estudo objetivou analisar os fatores associados e determinar a taxa de adesão ao uso de EPIs por profissionais de saúde que sofreram acidentes ocupacionais com material biológico no Estado do Maranhão, no período de 2010 a 2015.

 

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal tipo analítico de série histórica dos acidentes com material biológico entre os profissionais de saúde no Estado do Maranhão, no período de 2010 a 2015.

O Maranhão faz parte da Macrorregião Nordeste do Brasil. Atualmente, apresenta população de 6,9 milhões de habitantes, ocupa uma área de 331.936,955 km2 e tem densidade demográfica de 20,80 hab./km2. Possui 5.118 estabelecimentos de saúde cadastrados — hospitais, unidades básicas, entre outros — com aproximadamente 50.000 profissionais de saúde10,11.

A população do estudo incluiu a totalidade dos profissionais de saúde que sofreram acidentes ocupacionais com material biológico notificados no Estado do Maranhão, no período de 1º de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2015. O levantamento foi realizado em julho de 2016, portanto, a base de dados utilizada estava atualizada, visto que já havia transcorrido tempo suficiente para concluir oportunamente as notificações realizadas em 2015.

Foi considerado critério de inclusão: profissional que sofreu acidente ocupacional com material biológico em instituições de saúde. Entendeu-se como acidentes ocupacionais com exposição a material biológico os episódios que envolveram sangue e outros fluidos biológicos ocorridos com profissionais da área da saúde durante o desenvolvimento do seu trabalho12.

As informações foram coletadas no banco de dados do . Sistema deInformaçõessobreAgravosde Notificação (SINAN) da Secretaria de Estado de Saúde do Maranhão e exportadas para o Programa Microsoft Excel 2010. Em seguida, foram excluídas todas as variáveis que pudessem identificar os indivíduos, resguardando-se a confidencialidade dos dados de identificação de cada caso, bem como retiradas as inconsistências (informações imprecisas), incompletudes (informações incompletas) e duplicidades (dois ou mais registros para o mesmo caso). Foram selecionadas as variáveis relacionadas ao perfil sociodemográfico e ocupacional dos profissionais de saúde acidentados e às características dos acidentes com material perfurocortante.

Para o ajuste do modelo de regressão, foi considerada como variável dependente o uso de EPI durante a ocorrência do acidente com exposição a material biológico, categorizada em sim e não.

Considerou-se adesão ao uso de EPI quando os profissionais de saúde utilizavam três ou mais equipamentos (luvas, máscara, óculos, proteção facial e bota) que constam na ficha de investigação de acidentes do SINAN, os quais devem ser utilizados de acordo com os procedimentos executados e a região do corpo que necessita de proteção13.

As variáveis independentes foram agrupadas em três níveis (Figura 1).

 


Figura 1. Modelo teórico de análise hierarquizada para a utilização de equipamentos de proteção individual entre profissionais da saúde.

 

Nível distal:

• sociodemográficas (faixa etária, em anos) – 18–30, 31–40, 41–50, 51–60, >60;
• sexo – masculino, feminino; e
• escolaridade (em anos) ≤12, >12.

Nível intermediário:

• ocupação – médico, enfermeiro, farmacêutico, dentista, fisioterapeuta, técnico de enfermagem, técnico em análises laboratoriais, entre outras;
• situação de trabalho – formal: carteira assinada, servidor público; não formal: cooperativado, não registrado, trabalho temporário, entre outros;
• tempo de serviço (em anos) – <1, 1–5, 6–10, 11–20, >20; e
• local do acidente – capital/região metropolitana; outros municípios.

Nível proximal:

• características dos acidentes – circunstância do acidente, tipo de acidente, material biológico envolvido e agente causador.

Inicialmente, realizou-se uma análise descritiva dos dados, por meio de cálculos das frequências absolutas e dos percentuais para representar as características da população estudada, bem como a adesão ao uso de EPIs.

A variável resposta (dependente) foi a adesão ao uso de EPIs; as características demográficas, ocupacionais e relacionadas aos acidentes foram adotadas como variáveis explicativas (independentes). Em um primeiro momento, foi realizada análise univariada, em que foi testada a associação de todas as variáveis em relação ao desfecho. No entanto, para identificar os fatores associados recorreu-se ao modelo de regressão de Poisson, com variância robusta, visando atenuar possível superestimação de erro padrão, uma vez que a variável dependente é binária e sua frequência (ou prevalência) foi superior a 10%14. Sendo, então, estimados os valores das razões de prevalência (RPs), tendo como categoria de referência RP=1, construídos os intervalos de confiança de 95% (IC95%) e determinados os valores p. Foram mantidas para a análise ajustada aquelas variáveis que apresentaram p<0,20.

Para a segunda fase, utilizaram-se as análises de regressão de Poisson com variância robusta, com modelagem hierarquizada dos dados, a fim de estimar RPs entre as variáveis independentes e o desfecho15. A análise do tipo hierarquizada propõe o agrupamento das variáveis em níveis segundo a sua influência no desfecho; dessa forma, classificou-se em distais as variáveis demográficas, em nível intermediário as variáveis de características ocupacionais e em nível proximal as variáveis relacionadas aos acidentes, de acordo com o fluxograma (Figura 1). As estimativas de associação foram ajustadas para as variáveis do mesmo nível hierárquico e dos níveis anteriores, possibilitando a permanência daquelas mais intensamente associadas ao desfecho de interesse16.

As variáveis foram incluídas por etapas hierarquizadas em três níveis, conforme a influência no desfecho. Primeiramente, foram incluídas, de uma só vez, as variáveis do nível distal que na análise não ajustada apresentaram p<0,20. No modelo ajustado para esse nível, permaneceram somente aquelas que tiveram nível de significância de 0,05. Mantidas as variáveis do nível distal, o passo seguinte foi incluir as variáveis do nível intermediário, que apresentaram p<0,20 na análise não ajustada. Estas foram introduzidas no modelo simultaneamente, independentemente do nível de significância estatística das variáveis do nível distal que estavam no modelo, permanecendo as variáveis do nível intermediário que mantiveram nível de significância de 0,05.

Por fim, foram introduzidas as variáveis do nível proximal que apresentaram p<0,20 ao lado das variáveis dos níveis anteriores que foram significativas em seus respectivos níveis hierárquicos. Permaneceram no modelo ajustado para o nível proximal apenas aquelas que obtiveram significância de 0,05, sem retirar nenhuma das variáveis dos níveis distal e intermediário, independentemente do nível de significância apresentado por elas. O resultado foi um modelo final de análise ajustada com três níveis hierárquicos.

Em cumprimento aos requisitos exigidos pela Resolução nº 466/12, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HUUFMA), sendo aprovado sob o Parecer nº 327.795/2013.

 

RESULTADOS

Entre de janeiro de 2010 e dezembro de 2015, o total de profissionais de saúde que sofreram acidente de trabalho com exposição a material biológico (ATEMB) no Estado do Maranhão foi de 1.919; desses, as maiores frequências ocorreram em 2011 (18,31%) e em 2015 (18,64%). Por outro lado, a frequência estimada de utilização de EPI entre os profissionais de saúde foi de 41,34%; sendo que as mais elevadas ocorreram em 2010 (44,03%), 2013 (45,82%) e 2014 (46,82%) (Figura 2).

 


Figura 2. Percentual de acidentes de trabalho com exposição a material biológico e prevalência da utilização de equipamentos de proteção individual entre profissionais de saúde, segundo o ano de ocorrência no Estado do Maranhão, 2010-2015 (n=1.819).

 

Quanto ao perfil sociodemográfico e ocupacional dos profissionais de saúde acidentados, observou-se predominância:

• na faixa etária de 31 a 40 anos (37%), seguida de 18 a 30 anos (35,73%);
• no sexo feminino (85,05%);
• de 12 anos de estudo (89,72%);
• de situação de trabalho formal (82,35%), entre 1 e 5 anos de trabalho (41,51%); e
• de categoria profissional de técnico em enfermagem (73,83%).

Em relação aos acidentes ocupacionais, observou-se maior ocorrência nos profissionais de saúde que trabalhavam na capital/região metropolitana (73,56%), por descarte inadequado de perfurocortantes (42,44%), por exposição percutânea (83,40%), por sangue como material biológico envolvido (79,77%) e por agulha (66,19%).

Na análise não ajustada, as variáveis que demostraram significância estatística (p<0,05) quanto a não utilização de EPI foram (Tabelas 1 e 2):

 

 

 

 

• faixa etária de 18 a 30 anos (RP=0,96; p=0,046);
• 12 anos de estudo (RP=1,04; p=0,043);
• trabalhar na capital/região metropolitana (RP=1,05; p=0,002);
• exposição percutânea (RP=1,08; p<0,001);
• por sangue (RP=1,03; p<0,050);
• por agulha (RP=1,05; p=0,002); e
• administração de medicação (RP=1,04; p=0,007).

Na análise ajustada, as variáveis do nível distal que permaneceram com significância estatística (p<0,05) após ajuste com as demais variáveis desse nível foram:

• faixa etária de 18 a 30 anos (RP=0,96; p=0,040); e
• escolaridade =12 anos ou menos de estudo (RP=1,04; p=0,043).

As variáveis do nível intermediário foram introduzidas no modelo e, após ajuste, também mantiveram significância estatística a escolaridade de 12 anos de estudo (RP=1,04; p=0,038) e trabalhar na capital/região metropolitana (RP=1,04; p=0,011).

No modelo final ajustado da análise hierarquizada após introdução das variáveis do nível proximal, mantiveram associação estatisticamente significativa com a não utilização de EPI:

• faixa etária de 18 a 30 anos (RP=0,96; p=0,040);
• 12 anos de estudo (RP=1,04; p=0,043);
• trabalhar na capital/região metropolitana (RP=1,04; p=0,011);
• exposição percutânea (RP=1,02; p=0,010);
• por sangue (RP=1,01; p=0,016);
• por agulha (RP=1,01; p=0,003); e
• por descarte inadequado de perfurocortante (RP=1,05; p=0,004).

Convém ressaltar que as variáveis 12 anos ou menos de estudo, trabalhar na capital/região metropolitana e acidentar-se por exposição percutânea, por sangue, por agulha e/ ou por descarte inadequado de perfurocortantes associaram-se com a não utilização de EPI durante a ocorrência de acidentes (Tabela 3).

 

 

DISCUSSÃO

A frequência do uso de EPIs no presente trabalho foi de 41,34%, inferior aos estudos desenvolvidos na China17 (55,5%), nos Estados Unidos18 (62%) e nos Estados de São Paulo19 (78,07 %) e Mato Grosso (79,7%), no Brasil20, e superior à encontrada em estudo desenvolvido em Minas Gerais (36,6%).Essas diferenças podem ser explicadas pelas particularidades metodológicas de cada estudo, relativas à investigação do uso de EPI restrita a categorias profissionais ou instituições de saúde, diferentes métodos de coleta de dados e tamanho da amostra. Entre outras explicações para a prevalência encontrada, temos a resistência de muitos profissionais de saúde ao uso de EPIs e as falhas relativas à sua disponibilidade nas instituições de saúde. Alguns estudos3,21 relatam que, embora esses profissionais reconheçam a presença dos riscos em seu ambiente de trabalho, diversas vezes ignoram a possibilidade de contaminação e a importância da proteção durante as atividades laborativas.

A disponibilidade de EPIs nos serviços de saúde constitui condição essencial para que os profissionais de saúde os utilizem na prestação dos cuidados. A NR 6 recomenda que os EPIs sejam oferecidos pelos empregadores aos profissionais que executam atividades de risco em número suficiente, bem como seja garantido seu imediato fornecimento ou reposição7.

Observou-se que os anos de 2011 e 2015 tiveram as maiores proporções de ATEMB e percentuais mais baixos de uso de EPIs, sugerindo que o aumento de acidentes ocupacionais com exposição a material biológico possa estar relacionado à baixa adesão aos EPIs. Ressalta-se o que foi relatado em outros estudos22,23 sobre o EPI atuar como barreira protetora para o trabalhador, contribuindo para a redução dos riscos e evitando acidentes com maiores proporções.

No tocante ao perfil dos profissionais de saúde, a faixa etária de 31 a 40 anos foi a mais acometida por ATEMB. Resultados semelhantes foram encontrados no Ceará24 e em São Luís25, cuja faixa etária variou entre 20 e 39 anos.

Alguns autores26-28 relatam a necessidade de cursos de capacitação e disponibilidade de tempo suficiente para adaptação às atividades laborais e às rotinas dos serviços de saúde, visto que muitos profissionais de saúde têm ingressado no mercado de trabalho sem conhecer adequadamente os cuidados para evitar a exposição aos riscos do ambiente hospitalar e permanecem sem treinamentos e orientações a respeito dos riscos ocupacionais e precauções a serem tomadas.

O sexo feminino foi o mais acometido pelos ATEMB, corroborando alguns estudos3,17,21,27,28 cujos resultados variaram de 71,2 a 86,5%. Esse achado pode estar relacionado ao número consideravelmente maior de mulheres nas instituições de saúde e a sua participação nas profissões da saúde, frequentemente associada a outras atividades (serviços domésticos e familiares) que prolongam a jornada de trabalho e resultam em desgaste físico e mental, contribuindo para a ocorrência de acidentes no ambiente de trabalho29.

Por outro lado, não se encontrou associação entre o sexo e a não utilização de EPI. Embora haja diferenças numéricas substanciais entre homens e mulheres que podem refletir na saúde e na segurança do trabalho, acredita-se que, como profissionais de saúde, ambos apresentaram posturas semelhantes quanto ao enfrentamento do risco de exposição ao material biológico e às medidas de proteção.

Observou-se, ainda, que profissionais que apresentaram 12 anos ou menos de estudo (ensino médio ou fundamental) sofreram mais acidentes, com destaque para a categoria de técnico de enfermagem, apontada como a mais suscetível. Dados semelhantes foram encontrados em outros estudos25,27.

Acredita-se que a ocorrência de acidentes ocupacionais nesses profissionais esteja relacionada à deficiência de capacitação sobre os riscos ocupacionais e também à negligência na adesão ao uso de EPIs. Pois estudos22,24,25,27,30 verificaram que profissionais de saúde com menos tempo de estudo, como técnicos e auxiliares de enfermagem, sofreram mais acidentes ocupacionais e apresentaram baixos percentuais de adesão à utilização de EPIs. Sendo importante ressaltar que, conforme a análise hierarquizada, ter 12 anos ou menos de estudo aumentou em 1,04 vez a chance de se acidentar com material perfurocortante.

As maiores proporções de ATEMB ocorreram em profissionais que trabalham na capital/região metropolitana. Tal achado pode estar relacionado ao grande número de estabelecimentos de saúde localizados nessa região geográfica, que incorpora grande contingente de trabalhadores. Assim como em um estudo conduzido na Bahia31, cujo número de ATEMB foi mais frequente na região urbana — em especial na capital e na região metropolitana —, por esta ser a maior provedora de trabalho do Estado, principalmente na área de saúde, e abrigar hospitais e clínicas.

A análise hierarquizada demonstrou associação significativa entre trabalhar na capital/região metropolitana e a não utilização de EPI, aumentando em 1,04 vez a chance de ocorrer ATEMB. Esse achado talvez esteja relacionado à indisponibilidade dos EPIs e/ou resistência em não usá-los e ao baixo investimento em cursos de capacitação nas instituições de saúde dessa localidade.

Em relação aos acidentes estudados, a principal circunstância foi o descarte inadequado de perfurocortantes, o que pode ser atribuído ao fato de, frequentemente, os recipientes destinados para o descarte receberem materiais além de sua capacidade, facilitando a exposição. Esse resultado também foi encontrado em uma pesquisa realizada em 50 municípios de Minas Gerais29.

Assim como na literatura pesquisada17,20-24 houve maior frequência de acidentes por exposição percutânea, provavelmente pelo fato de a dimensão da superfície corporal cutânea ser maior que a mucosa e estar diretamente envolvida no manuseio de instrumentos durante a realização dos procedimentos23. O sangue foi o material biológico de maior predominância nos acidentes em estudo, causados principalmente pelo uso de agulhas, instrumento que mais contribuiu para os acidentes com exposição percutânea.

Na análise hierarquizada encontrou-se associação estatisticamente significativa entre os acidentes por descarte inadequado de perfurocortantes, por exposição percutânea, por sangue e por agulha e a não utilização de EPI, sugerindo que profissionais de saúde que não aderem ao uso desse tipo de equipamento ficam mais vulneráveis aos acidentes que envolvem perfurocortantes. Tais dados corroboram, dessa forma, outro estudo28, que encontrou 78% de profissionais que negligenciaram as normas de biossegurança, incluindo o uso de EPI.

Entretanto, cabe ressaltar que o risco de exposição por acidentes com perfurocortantes não está completamente eliminado com a utilização dos EPIs32. É necessário também, de acordo com o anexo III da NR 32 Plano de Prevenção de Riscos de Acidentes com Materiais Perfurocortantes (PPRAMP), o uso de dispositivos de segurança para o manuseio de perfurocortantes5. Pois a utilização de EPIs e o emprego de práticas seguras contribuem significativamente para a redução do risco de acidentes ocupacionais e infecções33.

Uma das dificuldades encontradas neste estudo referese ao banco de dados do SINAN, pois diversas informações são ignoradas e espaços são deixados sem preenchimento, o que compromete a caracterização real da situação dos ATEMB e da utilização dos EPIs. Os dados não preenchidos foram entendidos como resultado de uma atividade de rotina nos serviços de saúde que, apesar dos esforços da vigilância epidemiológica dos municípios, ainda não é realizada eficazmente. As informações disponibilizadas indicam a necessidade de melhor qualificação, o que pode ser conquistado pela capacitação dos profissionais envolvidos e pelo estabelecimento de uma busca periódica dos possíveis erros.

Apesar das limitações, o estudo apresenta pontos fortes ao evidenciar um diagnóstico da situação dos acidentes ocupacionais e da adesão ao uso dos EPIs pelos profissionais de saúde no Estado do Maranhão, o perfil desse profissional e os fatores associados a não utilização de EPIs durante a realização de atividades laborais.

 

CONCLUSÃO

Encontrou-se uma frequência relativamente baixa de adesão ao uso de EPI (41,39%) entre os profissionais de saúde que sofreram acidentes no Estado do Maranhão. Os profissionais com baixa escolaridade (<12 anos de estudo), que não utilizam EPI e que fazem o descarte inadequado de materiais perfurocortantes podem estar contribuindo para a ocorrência de acidentes ocupacionais nas instituições de saúde.

Em vista desses resultados, é extremamente importante que, considerando a realidade de cada serviço, os profissionais de saúde recebam capacitação e treinamentos específicos sobre a importância dos EPIs e da sua utilização adequada, além de orientações quanto as demais normas de biossegurança.

 

REFERÊNCIAS

1. Tibães HB. Análise dos dados referentes aos acidentes de trabalho por exposição a material biológico com contaminação por hepatites virais “B” e “C”, em uma capital brasileira [Dissertação de Mestrado]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2012.

2. Marziale MH, Valim MD. Notificação de acidentes do trabalho com exposição a material biológico: estudo transversal. OBJN. 2012;11(1):53-67.

3. Ribeiro LC, Souza AC, Neves HC, Munari DB, Medeiros M, Tripple AF. Influência da exposição a material biológico na adesão ao uso de equipamentos de proteção individual. Cienc Cuid Saude 2010;9(2):325-32. DOI: 10.4025/cienccuidsaude.v9i2.8282

4. Suarte HA, Teixeira PL, Ribeiro MS. O uso dos equipamentos de proteção individual e a prática da equipe de enfermagem no centro cirúrgico. Rev Cient do ITPAC. 2013;6(2):1-8.

5. Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria nº 485, de 11 de novembro de 2005. Aprova a Norma Regulamentadora nº 32. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego; 2005.

6. Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. Norma Regulamentadora 6 – NR 6: Equipamento de proteção individual – EPI. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego; 2006.

7. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Exposição a materiais biológicos. Brasília; 2006.

8. Neves HC, Ribeiro L, Souza AC, Munari DB, Medeiros M. A influência das relações interpessoais na adesão aos equipamentos de proteção individual. Sau & Transf Soc. 2011;1(2):84-93.

9. Barbosa AS, Diogo GA, Salotti SR, Silva SM. Subnotificação de acidente ocupacional com materiais biológicos entre profissionais de enfermagem em um hospital público. Rev Bras Med Trab. 2017;15(1):12-7.

10. Cnes Net. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde [internet]. Ministério da Saúde: 2016 [citado 10 fev 2016]. Disponível em: http://cnes2.datasus. gov.br/Mod_Ind_Unidade.asp

11. Datasus. Cadernos de informações de saúde Maranhão [internet]. Ministério da Saúde: 2010 [citado 10 fev 2016]. Disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/tabdata/cadernos/ma.htm

12. Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria nº 1.748, de 30 de agosto de 2011. Plano de prevenção de riscos de acidentes com materiais perfurocortantes. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego; 2011.

13. Sarquis LM, Miranda FM, Amaral PM. Biossegurança e exposição a fluidos biológicos. In: Felli VE, Baptista PC. Saúde do Trabalhador de Enfermagem. Baueri: Manole; 2015. p. 86-101.

14. Papaléo CL. Estimação de risco relativo e razão de prevalência com desfecho binário [Dissertação de Mestrado]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2009.

15. Hirakata VN. Estudos transversais e longitudinais com desfechos binários: qual a melhor medida de efeito a ser utilizada? Ver HCPA. 2009;29(2):174-6.

16. Fuchs SC, Victora CG, Fachel J. Modelo hierarquizado: uma proposta de modelagem aplicada à investigação de fatores de risco para diarreia grave. Rev Saúde Públ. 1996;30(2):168-78. DOI: 10.1590/ S0034-89101996000200009

17. Hu X, Zhang Z, Li N, Liu D, Zhang L, He W, et al. Self-reported use of personal protective equipment among Chinese critical care clinicians during 2009 H1N1 influenza pandemic. PLoS One. 2012;7(9):e44723.

18. Daughert EL, Perl TM, Needham DM, Rubinson L, Bilderback A, Rand CS. The use personal protective equipament for control of influenza among critical care clinicians: a survey study. Crit Care Med. 2009;37(4):1210-6. DOI: 10.1097/CCM.0b013e31819d67b5

19. Schiesari Júnior A, Lepre AA, Scucuglia AC, Gomes NL, Fernandes VA. Epidemiologia dos acidentes com material biológico em um centro de referência do noroeste paulista. Cuid Arte Enferm. 2014;8(2):115-21.

20. Souza AC, Brune MW, Brune MF. A avaliação das notificações de acidentes com exposição a material biológico na região do Médio Araguaia/MT. Infarma. 2014;26(1):67-72.

21. Ferreira DM. Morbi-mortalidade e agravos relacionados ao trabalho em Pernambuco de 2007 a 2010 [Dissertação de Mestrado]. Recife: Fundação Oswaldo Cruz; 2012.

22. Ferreira RC, Martins AM, Mota DL, Pereira RD, Santos NC, Queiroz IO. Uso de equipamentos de proteção individual entre cirurgiões-dentistas de Montes Claros, Brasil. Arquivos em Odontologia. 2010;46(2):88-97.

23. Rondon EC, Tavares MS, Santos WL. Fatores dificultadores e facilitadores que os profissionais de enfermagem enfrentam relacionados ao uso dos EPI’s. Rev Gestão & Saúde. 2012;3(3):1045-60.

24. Pereira EM, Torres AR. Incidência de acidentes de trabalho com exposição a material biológico no Ceará, 2009 a 2012. Rev Formar Interdisciplinar. 2015;1(7): 42-55.

25. Gonçalves PM, Belfort IK, Fernandes MA, Monteiro SC, Sousa WR, Sampaio RM. Análise da estatística de acidentes com exposição de material biológico no Maranhão nos anos 2009-2010. Rev Pesq Saúde. 2014;15(3);360-3.

26. Magagnini MA, Miotto LB, Serradilha AF. Acidentes de trabalho com material biológico entre os profissionais de saúde. Cuid Arte Enferm. 2008;2(1):53-60.

27. Miranda FM. Análise dos acidentes de trabalho com fluidos biológicos entre trabalhadores brasileiros de 2007 a 2014 [Tese de Doutorado]. Curitiba: Universidade Federal do Paraná; 2016.

28. Santos SS, Costa NA, Mascarenhas MD. Caracterização das exposições ocupacionais a material biológico entre trabalhadores de hospitais no Município de Teresina, Estado do Piauí, Brasil, 2007 a 2011. Epidemiol Serv Saúde. 2013;22(1):165-70.

29. Julio RS, Filardi MB, Marziale MH. Acidentes de trabalho com material biológico ocorridos em munícipios de Minas Gerais. Rev Bras Enferm. 2014;67(1):119-26. DOI: 10.5935/0034-7167.20140016

30. Santos Junior EP, Batista RR, Almeida AT, Abreu RA. Acidente de trabalho com material perfurocortante envolvendo profissionais e estudantes da área da saúde em hospital de referência. Rev Bras Med Trab. 2015.13(2);69-75.

31. Cordeiro TM, Carneiro Neto JN, Cardoso MC, Mattos AI, Santos KO, Araújo TM. Acidentes de trabalho com exposição a material biológico: descrição dos casos na Bahia. R Epidemiol Control Infec. 2016;6(2):50-6.

32. Garcia LP, Blank VL, Blank N. Aderência a medidas de proteção individual contra a hepatite B entre cirurgiões-dentistas e auxiliares de consultório dentário. Rev Bras Epidemiol. 2007;10(4):525-36.

33. Talhaferro B, Barboza DB, Oliveira AR. Adesão ao uso dos equipamentos de proteção individual pela enfermagem. Rev Ciênc Méd. 2008;17(3-6):157-66.

Recebido em 5 de Setembro de 2017.
Aceito em 6 de Novembro de 2017.

Trabalho realizado na Universidade Federal do Maranhão (UFMA) – São Luís (MA), Brasil.

Fonte de financiamento: nenhuma


© 2024 Todos os Direitos Reservados