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ARTIGO ORIGINAL

Formação, Educação Continuada e Certificação em Medicina do Trabalho: Uma Proposta Orientada pelas Competências Requeridas para o Exercício Profissional

Training, continuous education and certification in Occupational Medicine: a proposal based on required competencies for professional practice

Elizabeth Costa Dias1; Eliane Dias Contijo2; Raquel Bonesana de Oliveira3

RESUMO

Este trabalho identifica as competências básicas requeridas para o exercício da Medicina do Trabalho, com a finalidade de orientar os processos de formação, educação continuada e certificação na especialidade. Adotou-se o conceito de competência proposto por Abrahão: um saber agir responsável que é reconhecido pelos outros. Implica saber como mobilizar, integrar e transferir os conhecimentos, recursos e habilidades, num contexto profissional determinado". A partir da caracterização das atividades desenvolvidas nos diferentes campos de prática da Medicina de Trabalho foram identificados cinco grupos de competências básicas: 1) estudo do trabalho; 2) atenção integral à saúde dos trabalhadores (nível individual e coletivo); 3) formulação e implementação de Políticas e Gestão da Saúde no Trabalho; 4) produção e divulgação de conhecimentos técnico-científicos, estabelecimento de protocolos e de normas de procedimentos e 5) educação permanente: saber estudar e aprender. Posteriormente, cada um destes grupos foi desdobrado em um elenco de competências específicas. Finalizando, são apresentadas considerações sobre as questões éticas em Medicina do Trabalho e indicados alguns desdobramentos possíveis ou desejáveis deste trabalho. O estudo contou com o apoio do Centro de Estudos Avançados sobre as Práticas da Medicina do Trabalho, da Associação Nacional de Medicina do Trabalho.

Palavras-chave: Medicina do Trabalho; Educação Médica; Competência Profissional; Capacitação.

ABSTRACT

This paper summarizes the initial results of a research conducted by the “Centro de Estudos Avançados sobre as Práticas da Medicina do Trabalho" (CEAMT) (Center for Advanced Studies of Occupational Medicine Practices), which is part of the National Association of Occupational Medicine (ANAMT), and its main purpose is to orient the training and on-going educational process of physicians with specialization in Occupational Medicine, based on the definition of the required skills for performing this specialty. After the characterization of the activities developed in the different fields of Occupational Medicine, the basic required competencies for practicing this specialty, in Brazil, may be summarized in five groups: 1) the study of work: 2) comprehensive attention to the health of workers, on both individual and collective levels; 3) formulation and implementation of health pondes and occupational health management; 4) production of technical and scientific knowledge, establishment of protocols and procedural norms; 5) permanent on-going education: know how to study and learn.

Keywords: Occupational Medicine; Training; Professional skills; Medical education.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este artigo condensa os resultados da investigação conduzida pelo Centro de Estudos Avançados sobre as Práticas da Medicina do Trabalho (CEAMT) da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT) com o apoio de professores e médicos residentes da Área de Saúde & Trabalho do Departamento de Medicina Preventiva e Social, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Tem por objetivo identificar as competências básicas requeridas para o exercício da especialidade, com a finalidade de orientar a formação, as atividades de educação continuada e os processos de certificação em Medicina do Trabalho.

O texto inicia com a apresentação do conceito e caracterização da Medicina de Trabalho o de seus campos de prática. A seguir, introduz o conceito de competências requeridas, que fundamenta o estudo, descreve a metodologia adotada, apresenta o elenco das competências básicas requeridas para o exercício da especialidade. Finalizando, são indicados possíveis desdobramentos do estudo, referentes aos processos de educação continuada e de certificação.

 

A MEDICINA DO TRABALHO E SEUS CAMPOS DE ATUAÇÃO NA ATUALIDADE

A Medicina do Trabalho é a especialidade médica que lida com as relações entre homens e mulheres trabalhadores e seu trabalho, visando não somente a prevenção dos acidentes e das doenças relacionadas ao trabalho, mas a promoção da saúde e da qualidade de vida.

Clasicamente, a Medicina do Trabalho está construída sobre dois pilares: a Clínica e a Saúde Pública. Entretanto, cada vez mais, compartilha responsabilidades com outras especialidades médicas e profissões de outros campos do conhecimento, entre elas, a Ergonomia, a Toxicologia, a Higiene Ocupacional, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, a Engenharia de Segurança no Trabalho e a Saúde Ambiental.

No escopo dessas responsabilidades estão incluídas: a mediação de uma interação positiva entre os trabalhadores e o seu trabalho; a articulação entre as necessidades individuais e coletivas dos trabalhadores e as necessidades sociais, econômicas e administrativas da produção; a promoção da saúde e a prevenção da doença; a assistência aos acidentados ou vítimas de agravos relacionados ao trabalho, incluindo os cuidados de emergência e a reabilitação física e profissional.

Assim, as práticas da Medicina do Trabalho agregam valor social, traduzido em saúde e qualidade de vida para os trabalhadores, e valor econômico, por contribuir para a melhoria da produtividade o da qualidade dos produtos, como mostrado na Figura 1.

 


Figura 1. Representação esquemática do papel da Medicina do Trabalho à Sociedade.

 

 

Como consequência, estabelece-se um conflito inevitável de interesses, que preside o cotidiano do exercício da especialidade. Assim, é muito importante reconhecer este duplo compromisso e preparar os profissionais para lidar com as situações dele decorrentes. O conhecimento técnico-científico orienta as práticas, porém, a resolução ou negociação desses conflitos deve estar submetida aos preceitos éticos.

A partir desta compreensão é possível definir as atribuições da Medicina do Trabalho e as ações esperadas dos profissionais, que vão orientar os processos de capacitação e educação continuada. Assim, os médicos do trabalho deverão estar preparados para identificar e tipificar as relações Trabalho-Saúde-Doença, restaurar a saúde, evitar que o trabalho determine ou contribua para o adoecimento, facilitando, na medida do possível, que ele se torne uma oportunidade de melhoria da saúde e da qualidade de vida.

O exercido da Medicina do Trabalho tem sido substancialmente modificado na atualidade, em decorrência dos processos de reestruturação produtiva. As mudanças rápidas e radicais no "mundo do trabalho", sustentadas pelas inovações tecnológicas e novas formas de organizar e gerenciar o trabalho, repercutem, de forma dramática, sobre as condições de vida e a saúde dos trabalhadores, exigindo dos médicos do trabalho competência técnica e posturas éticas para lidar com essas questões.

Muitos autores têm estudado as mudanças contemporâneas nos processos de produção e consumo denominadas reestruturação da economia, que se baseiam na chamada acumulação flexível, ou flexibilização da produção - flexibilização dos processos de trabalho, dos mercados, dos produtos e do consumo - em oposição à rigidez do processo produtivo inspirado no modelo fordista. Entre outras consequências, podem ser observadas: a acelerada redução dos postos de trabalho, configurando o chamado desemprego estrutural e a precarização do trabalho1. A intensificação do trabalho é conseguida à custa da diminuição dos "poros" e à múltipla funcionalidade do trabalhador. São inauguradas novas práticas de controle dos espaços da produção e do processo de trabalho promovendo o trabalhador a "guardião" de si mesmo, seduzido pelos apelos da co-participação, como um "sócio" do Capital. A acirrada competição pelos postos de trabalho desestimula ou impede o exercício da solidariedade entre os trabalhadores2,3.

Em setores considerados de "ponta" da economia ou da produção, e possível identificar melhorias nas condições de trabalho, com eliminação ou mitigação da carga física, substituição de processos "sujos" e perigosos, emprego de "tecnologias limpas" e automação de fases responsáveis por grandes riscos para a saúde. Em contrapartida, aumentam a carga psíquica e as exigências cognitivas das tarefas. Entre o Litros aspectos, as consequências dos processos de reestruturação produtiva para a saúde e segurança dos trabalhadores podem se manifestar por:

• mudanças no perfil de morbidade e mortalidade dos trabalhadores, com introdução de novas patologias, pouco conhecidas e o aumento da importância das doenças relacionadas ao trabalho, como o sofrimento mental e os transtornos musculo-esqueléticos, dificultando o diagnóstico e tratamento, o estabelecimento do nexo com o trabalho e os procedimentos de prevenção;

• sucessivas alterações no arcabouço jurídico-institucional da área, acarretando novas exigências legais e administrativas que sobrecarregam os médicos, deixando-os por vezes meio "perdidos" no emaranhado de normas, portarias, e leis, algumas delas conflitantes e superpostas;

• novas modalidades de relações e contratos de trabalho, que na maioria dos casos desconsideram conquistas históricas dos trabalhadores, relativas à estabilidade, remuneração, condições de trabalho, traduzidas no desemprego estrutural, trabalho informal, precarização do trabalho;

• novas modalidades de organização e gestão do trabalho que dificultam a organização dos trabalhadores e os processos de vigilância da saúde e de fiscalização dos lotais de trabalho;

• mudanças nas expressões do conflito Capital versus Trabalho, entre os interesses da produção e da qualidade de vida e de saúde dos trabalhadores sobre o qual se assenta a prática da especialidade, criando dilemas éticos para os profissionais que querem manter íntegros os princípios hipocrálicos, norteadores da profissão médica;

• necessidade de reordenar as ações de saúde direcionadas aos trabalhadores no marco da Promoção da Saúde, que não se restringe a um aglomerado de programas e campanhas de controle do tabagismo, sedentarismo, obesidade, preparação para a aposentadoria, ou aconselhamento conjugal e prevenção das DST;

• exigências crescentes dos movimentos sociais organizados, de mais qualidade de vida e exercício dos direitos humanos básicos;

• novas exigências impostas pelos programas de qualidade, de certificação e de gestão integrada de Saúde, Segurança e Meio Ambiente;

• valorização e/ou exigência de novas habilidades como o trabalho em equipes interdisciplinares, "team work", de negociação de conflitos e formação de consenso; domínio de ferramentas da informática e dos meios eletrônicos de informação e comunicação;

Nesse cenário, o exercício da Medicina do Trabalho acontece em campos ou áreas de atuação diversas, que podem ser classificados segundo a natureza das atividades desenvolvidas, o local ou instituição e as relações de trabalho. De modo esquemático, no Brasil, a Medicina do Trabalho desenvolve o cuidado da saúde dos trabalhadores nos seguintes espaços ou organizações sociais;

• empresa ou unidade de produção, por delegação dos empregadores, através de contratos diretos, prestação de serviços ou assessoria técnica, realizando as ações previstas na legislação e normas técnicas especializadas;

• rede pública e privada de serviços de saúde, realizando de ações de promoção, proteção, assistência, reabilitação e de vigilância da saúde;

• organizações sociais e sindicatos de trabalhadores, em atividades de assessoria técnica em saúde;

• instituições públicas e organizações privadas responsáveis pela normalização, auditoria e inspeção das condições de saúde e segurança no trabalho;

• seguradora pública e entidades de seguro privado, realizando a avaliação de capacidade/incapacidade para o trabalho e a reabilitação profissional;

• assessoria ao sistema judiciário e promotoria pública, como perito técnico, produzindo laudos técnicos ou prova pericial para os processos para a avaliação de danos à saúde relacionadas às condições de trabalho;

• instituições públicas e privadas de formação e capacitação profissional e produção do conhecimento, como as Universidades e outras Instituições de ensino e pesquisa.

Além desses espaços tradicionais, é possível que médicos do trabalho estejam trabalhando individualmente ou em equipes interdisciplinar, em outros espaços sociais, ainda não reconhecidos como campo de atuação da especialidade.

O recente reconhecimento da Medicina do Trabalho como especialidade médica, pelo Comitê Misto formado pelo Conselho Federal de Medicina, Associação Médica Brasileira e Comissão Nacional de Residência Médica, em fevereiro de 2002, implica a necessidade de repensar os processos de formação profissional, incluindo a implementação da Residência em Medicina do Trabalho e de concessão do Título de Especialista e da Re-certificação4,5.

Assim, em meio à perplexidade imposta pelas mudanças, algumas perguntas sobre o exercício da Medicina do Trabalho exigem respostas do aparelho formador, dos organismos de controle do exercício profissional e das associações profissionais, entre elas:

— Quem são os Médicos do Trabalho hoje no Brasil?

— Como e onde trabalham? Em que condições e sob que relações de trabalho?

— Que competências são requeridas desses profissionais, nesses tempos de reestruturação produtiva, economia globalizada, precarização do trabalho, programas de qualidade, enfoques interdisciplinares e gestão integrada das questões de Saúde, Segurança e Meio Ambiente?

— Como preparar os Médicos do Trabalho habilitando-os a responder, de forma competente, a essas exigências, garantindo qualidade técnica, compromisso ético e responsabilidade social?

— Como prover educação continuada para os profissionais já formados e inseridos no mercado de trabalho?

Para fazer frente aos desafios, a atual diretoria da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), no triênio 2001-2004, entre outras iniciativas, criou o Centro de Estudos Avançados sobre as Práticas da Medicina do Trabalho (CEAMT), orientado por dois eixos: a identificação dos principais problemas que a especialidade enfrenta e a proposição de soluções e encaminhamentos na esfera de atuação da ANAMT. Considerando a importância da formação e da educação continuada em Medicina do Trabalho e a reorientação do processo de concessão do Título de Especialista, foi estabelecida, como primeira tarefa do CEAMT, a definição das competências básicas requeridas dos médicos do trabalho para o exercício da especialidade.

Assim, a pergunta que orienta o desenvolvimento deste trabalho é; — Que competências os médicos do trabalho devem ter ou desenvolver para conhecer e melhorar as condições laborais, promover e cuidar da saúde dos trabalhadores?

 

A ESCOLHA DO REFERENCIAL DAS COMPETÊNCIAS REQUERIDAS PARA NORTEAR A FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO DOS MÉDICOS DO TRABALHO

A preparação dos Médicos do Trabalho no Brasil teve início, de modo mais sistemático, em 1973, para atender às exigências definidas na Portaria do Ministério do Trabalho No 3.237/72, que tornou obrigatória a organização dos Serviços Especializados em Medicina do Trabalho nas empresas. Naquele momento, um esforço conjunto dos profissionais dedicados à especialidade, coordenado pela Fundacentro, permitiu que, em um curto espaço de tempo, fosse preparado um expressivo número de médicos capacitados a implementar as novas prescrições legais6.

A avaliação desse trabalho e a busca do aperfeiçoamento dos processos de formação e reciclagem profissional tem sido objeto de discussão e pesquisa, como por exemplo, o de Assunção e Dias7 sobre a experiência da UFMG; a descrição do perfil profissional dos egressos dos cursos de especialização realizada por Montanaro e Fedetighi8; Silveira9 e Ribeiro e colaboradores10. Também, multiplicaram-se, no período, os livros e textos relacionados à especialidade.

Com base nessas experiências e nos enfoques recentes, que orientam a formação médica, a equipe responsável pela condução deste estudo optou por trabalhar com o referencial das competências requeridas, que tem sido crescentemente utilizado para orientar os processos de formação, capacitação e certificação do exercício profissional.

Nos anos 80, o Colégio Hrasileiro de Cirurgia patrocinou um estudo para definir as competências requeridas para um cirurgião, com a finalidade de orientar o processo de formação e a concessão do título de especialização11.

O American College of Occupational and Environmental Medicine (ACOEM) definiu, em 1992, as competências esperadas dos profissionais que atuam nesse campo, nos EUA, de modo a orientar os processos de capacitação e acreditação12. MacDonald e colaboradores13 utilizaram o método Delphi para identificar os requisitos básicos necessários ao treinamento em Medicina Ocupacional na Europa. Goldman e colaboradores14 sugerem conteúdos básicos para a formação em saúde ocupacional e ambiental.

Na administração e gestão de recursos humanos, o conceito de competência tem orientado as práticas empresariais na preparação de pessoas para lazer face aos desafios da reestruturação produtiva15. A Organização Internacional do Trabalho e a Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional (SEFOR) do Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil também adotaram a definição das competências na orientação dos processos de formação profissional e certificação16,17.

No campo da formação médica, a Resolução do Conselho Nacional de Educação, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Medicina, define, no artigo 4º que a formação do médico tem por objetivo dotar o profissional rios conhecimentos requeridos para o exercício de competências e habilidades18. Entre outras disposições, a Resolução define o perfil do formando egresso; as competências e habilidades gerais requeridas dos profissionais, além dos conteúdos essenciais previstos para o Curso de Graduação, a organização curricular e procedimentos pedagógicos.

 

O CONCEITO DE COMPETÊNCIA E A METODOLOGIA ADOTADA NO ESTUDO

Segundo o educador Perrenoud19 competência é "a capacidade de, em situações e de trabalho, mobilizar, com discernimento e dentro de um prazo definido, múltiplos recursos, entre os quais, saberes teóricos, profissionais e experiência".

Para Abrahão20, competências profissionais são características de comportamento profissional que contribuem para que o indivíduo atinja o desempenho esperado. As competências representam o conjunto de habilidades, conhecimentos técnicos e comportamentos a serem praticados no exercício do trabalho. A competência não é um estado do indivíduo, não se reduz a um conhecimento ou know-how específico. Ela resulta da intersecção de três eixos formados pela sua pessoa (sua biografia e socialização); sua formação educacional e sua experiência profissional. É um saber agir responsável que é reconhecido pelos outros. Implica em saber como mobilizar, integrar e transferir os conhecimentos, recursos e habilidades, num contexto profissional determinado20.

Segundo Mendes21, competência é um conjunto de saberes: saber-fazer, saber ser e saber agir, necessários para o exercido de uma profissão. É a capacidade do indivíduo desenvolver atividades de maneira autônoma, planejando-as, implementando-as e avaliando-as; utilizando os conhecimentos e as habilidades adquiridas para o exercício de uma situação profissional ou papel social.

A partir deste referencial teórico foi desenhado o estudo com o objetivo de definir as competências requeridas para o exercício da Medicina do Trabalho. Inicialmente, foi preparada uma lista das atribuições, atividades e atitudes esperadas dos médicos do trabalho, baseada nas normas e prescrições inscritas na legislação brasileira, estrangeiras, internacionais e nas competências definidas pela ACOEM. Deste trabalho resultou a Lista 1 das Competências Básicas Requeridas para o exercício da Medicina do Trabalho (LCBRMT- versão I), que foi submetida à apreciação e discussão em reunião de trabalho, patrocinada pela ANAMT e realizada em Belo Horizonte em setembro de 2001, que contou com a participação de 12 médicos do trabalho inseridos nas distintas áreas da atuação da especialidade, no setor público e privado.

A partir das críticas e sugestões recebidas dos participantes dessa reunião, foi redefinida a metodologia do estudo, tomando por base a identificação e análise das práticas e ações desenvolvidas pelos profissionais no cotidiano de trabalho, de modo a estabelecer o elenco das competências julgadas essenciais, constitutivas do corpo da profissão. Foram cumpridas as seguintes etapas:

• Descrição das atividades dos médicos do trabalho e das ações básicas desenvolvidas pelos profissionais em cada um dos campos de exercício profissional, identificados anteriormente;

• Preparação de uma matriz das ações dos Médicos do Trabalho, nas distintas formas de inserção profissional;

• Identificação e sistematizado das competências básicas em cinco grandes grupos, cada um deles detalhados nas competências específicas requeridas para o desempenho dessas atividades e preparação da LCBRMT-versão II;

• Apresentação e discussão da LCBRMT-versão II na reunião da Diretoria da ANAMT e divulgação em rede virtual nacional de colaboradores do Projeto, para discussão e aperfeiçoamento da proposta;

• Análise das contribuições recebidas, consolidação e elaboração da versão final da Lista das Competências Básicas Requeridas para o Exercício da Medicina do Trabalho e divulgação.

A definição da Lista de Competências fechou a primeira fase do trabalho e dou início ao segundo ciclo da atividade, voltado para a definição de algumas diretrizes que devem nortear os processos de formação e educação continuada e certificação na especialidade.

 

COMPETÊNCIAS BÁSICAS REQUERIDAS PARA O EXERCÍCIO DA MEDICINA DO TRABALHO

As competências básicas requeridas para o exercício da Medicina do Trabalho, no Brasil, podem ser sumariadas em cinco grupos:

I. Estudo do Trabalho

II. Atenção integral à saúde dos trabalhadores (níveis individual e coletivo)

III. Formulação e implementação de Políticas e Gestão da Saúde no Trabalho

IV. Produção e divulgação de conhecimentos técnico-científicos, estabelecimento de protocolos e de normas de procedimentos

V. Educação permanente: saber estudar e manter-se atualizado

A partir deste elenco de competências consideradas básicas foram definidas as competências específicas de cada grupo

I - Estudo do trabalho

— Reconhecimento dos fatores de risco presentes nos ambientes e processos de trabalho capazes de lesar a saúde e o bem-estar dos trabalhadores, causar ou contribuir para o adoecimento, utilizando metodologias que considerem a variabilidade humana e tecnológica, quantitativas e qualitativas;

— Definição da necessidade do estudo do trabalho e estabelecimento dos "termos de referencia"; definição da metodologia e análise crítica dos resultados e decisão sobre sua aplicabilidade nas decisões sobre a implementação das mudanças nos ambientes e condições de trabalho.

O estudo do trabalho é uma competência básica requerida de todos os médicos do trabalho, independente do local ou área em que exerce a especialidade. O conhecimento dos aspectos técnicos e organizações do trabalho é essencial para que o profissional estabeleça as relações com a saúde dos trabalhadores e o meio ambiente.

Assim, os resultados desses estudos orientam o estabelecimento do nexo ou da relação entre a doença e a atividade desempenhada pelo trabalhador e as intervenções de prevenção, da vigilância da saúde e correção dos fatores de risco presentes nos ambientes e processos de trabalho que podem afetar a saúde e o bem-estar dos trabalhadores. A experiência mostra que tão importante quanto o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades necessários ao estudo do trabalho é a atitude de busca da informação e da sua valorização.

A rigor não se espera ou se exige que o médico seja capaz de fazer uma análise detalhada do trabalho, utilizando, por exemplo, as referências e o instrumental da Ergonomia, da Higiene ou da Segurança do Trabalho ou da Sociologia. Porém é fundamental que seja capaz de fazer uma vistoria ou levantamento prévio das condições e ambiente de trabalho, para que tenha os elementos necessários para subsidiar sua prática e assessorar a gerência na tomada de decisões sobre aspectos preventivos e assistenciais.

Do medico do trabalho se espera que saiba indicar a realização de estudos técnicos dos processos, justificá-los perante a gerência ou os tomadores de decisão na empresa, discutir as metodologias a serem utilizadas, se abordagens qualitativas e quantitativas, com técnicos e especialistas da empresa ou contratados para a atividade, acompanhar sua execução e analisar os resultados de modo a aproveitá-los ou gerenciá-los para a implementação de melhorias que venham contribuir para resguardar ou restaurar a saúde dos trabalhadores.

Competências Específicas do Grupo I

- Estudo do Trabalho

Conhecimentos, Habilidades e Atitudes — saber ser e fazer

• Valorizar o estudo do trabalho como meio para o reconhecimento dos fatores de risco para a saúde e o bem-estar dos trabalhadores, presentes nos ambientes e processos de trabalho;

• Conhecer as bases históricas e conceituais, sociais e técnicas dos meios de produção e das formas de organização do trabalho;

• Conhecer os instrumentos e as metodologias de abordagem e estudo do trabalho, considerando a variabilidade humana e tecnológica;

• Indicar a realização de estudos e análises do trabalho, discutir a metodologia a ser adotada, suas possibilidades e limites e acompanhar sua execução;

• Analisar criticamente os resultados dos estudos do trabalho e aproveitá-los nos processos de decisão quanto às ações de proteção e restauração da saúde dos trabalhadores; o estabelecimento da relação causa da doença com o trabalho e outros procedimentos decorrentes.

Exemplos de Competências Específicas Grupo I:

- Estudo do Trabalho

• Compreender a contribuição dos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho - físico, social e organizacional - sobre a saúde humana.

• Reconhecer a presença de fatores de risco para a saúde presentes nas situações de trabalho e operação de equipamentos, utilizando metodologias simplificadas, como por exemplo; inquéritos preliminares, check-list básico de Segurança no Trabalho, "árvore de causas", selecionando os meios e recursos mais adequados para sua avaliação.

• Definir a necessidade de consultorias especializadas e estabelecer os termos de referência para os estudos a serem contratados, considerando as indicações e limites das metodologias qualitativas e quantitativas utilizadas pela Higiene Ocupacional, pela Ergonomia, pela Segurança do Trabalho e pela Epidemiologia.

• Acompanhar e analisar os resultados de auditorias ambientais e de saúde e segurança; estudos ergonômicos e psicossociais; avaliações toxicológicas; levantamentos ambientais de higiene do trabalho, realizados nos ambientes e condições de trabalho.

• Valorizar o saber do trabalhador sobre as condições de trabalho e suas conseqüências sobre a saúde.

• Participar de atividades de gerenciamento dos riscos para a saúde da população e dos trabalhadores resultantes dos processos de trabalho, considerando parâmetros técnicos e científicos, organizacionais, éticos, legais e políticos, trabalhador em equipe multidisciplinar.

• Orientar as medidas de controle de condições de risco, segundo o tipo ou natureza, como por exemplo, a exposição ocupacional ao ruído, poeiras fibrogênicas, agentes biológicos, fatores da organização do trabalho, e/ou segundo o ramo de atividade, como por exemplo, na indústria petroquímica, construção civil, transporte, serviços de saúde, agroindústria etc.

• Propor, orientar, implementar e avaliar programas de intervenção nos ambientes e processos de trabalho destinados a promover a saúde dos trabalhadores e prevenir danos, como por exemplo: modificação das linhas de produção, substituição de produtos e de tecnologias, modificação na concepção ergonômica dos postos de trabalho etc.

• Orientar, implementar e avaliar a utilização dos equipamentos de proteção coletiva e se necessário, indicar o uso de equipamentos de proteção individual como luvas, máscaras, avental, capacetes.

• Conhecer e saber aplicar a legislação vigente no campo da saúde e segurança dos trabalhadores, na esfera do Trabalho, Saúde, Previdência Social e Meio Ambiente.

• Realizar ou acompanhar avaliação pericial dos fatores de risco para a saúde presentes no trabalho, envolvendo: a análise direta de situações e fatos estabelecidos e documentados apresentados à pericia; a observação qualitativa (exame, vistoria ou inspeção); o estudo quantitativo, incluindo avaliações, medições e cálculos; investigação de situações e fatos direcionadas para o esclarecimento das circunstâncias e de relações temporais, de causa-efeito e responsabilidade e a análise e avaliação da proteção dispensada pelo empregador ao trabalhador.

• Elaborar laudo técnico ou prova pericial com base no conhecimento técnico específico em higiene, segurança e medicina do trabalho incluindo a legislação e da matéria jurídica processual.

• Participar das equipes responsáveis pela avaliação das condições de trabalho e elaboração de laudos referentes à concessão de adicionais de periculosidade e insalubridade.

II - Atenção integral à saúde dos trabalhadores, no plano individual e coletivo

— Promoção e proteção da saúde;

— Prevenção da doença;

— Assistência, envolvendo procedimentos de diagnóstico, tratamento e reabilitação.

Os médicos do trabalho, independentemente da área de atuação profissional, devem estar aptos a desenvolver ações de promoção e proteção da saúde, vigilância, prevenção das doenças, assistência e reabilitação da saúde dos trabalhadores, tanto em nível individual, quanto coletivo.

Essa prática deve ser realizada de forma contínua e integrada com as demais instâncias do sistema de saúde e de outras organizações sociais que têm atribuições equivalentes ou complementares na esfera do Trabalho, Previdência Social e Meto Ambiente. Exige pensamento crítico, capacidade de análise dos problemas que envolvem as relações saúde-trabalho e uma postura ética, considerando o conflito latente e os interesses contraditórios da produção e da saúde e bem estar dos trabalhadores.

A responsabilidade do Médico do Trabalho não se enterra com o ato técnico da assistência médica, mas envolve as ações de vigilância e a busca de transformações nos processos de trabalho que levem à solução possível do problema de saúde, tanto em nível individual, como coletivo.

É interessante observar que, dependendo do local de exercício da especialidade, as exigências quanto à complexidade das ações de atenção à saúde dos trabalhadores são bem distintas. O relacionamento com os profissionais de outras especialidades e com os responsáveis pela realização da propedêutica complementar requer, muitas vezes, que o médico do trabalho desempenhe um papel pedagógico e de orientação, explicitando claramente suas hipóteses diagnósticas, subsidiando os colegas com informações e literatura especializada, de modo a contribuir para ampliar o conhecimento e o diálogo sobre as relações trabalho-saúde-doença.

Outro componente que necessita ser bem desenvolvido nos processos de formação e capacitação profissional se refere à comunicação dos procedimentos, resultados e encaminhamentos ao próprio trabalhador, ao empregador, muitas vezes representado pelas instâncias e setores de Recursos Humanos das organizações, instituições públicas na esfera do Trabalho, Saúde e Previdência Social e às organizações de trabalhadores, Os médicos do trabalho devem estar preparados para fazê-lo, obedecendo aos preceitos éticos que regulam essas relações. Considerando sua importância e especificidade, essas competências estão detalhadas, em separado, no item Comunicação.

Competências Específicas do Grupo II — Atenção integral à saúde dos trabalhadores, nos planos individual e coletivo

Conhecimentos, Habilidades e Atitudes — saber ser e fazer:

• Saber desenvolver ações de promoção e proteção da saúde.

• Propor e orientar as ações de Vigilância da Saúde,

• Orientar e prover assistência integral à saúde dos trabalhadores, envolvendo cuidados preventivos e assistência, incluindo a reabilitação.

• Estabelecer relação causai entre a doença e o trabalho e adotar os procedimentos decorrentes.

• Definir o grau e o período de incapacidade para o trabalho (parcial ou total, temporária ou permanente) resultante da doença.

• Indicar e acompanhar os procedimentos visando a reabilitação profissional.

Exemplos de Competências Específicas do Grupo II: — Atenção integral à saúde dos trabalhadores, nos planos individual e coletivo

• Conhecer a legislação brasileira vigente na esfera do Trabalho, da Saúde e da Previdência Social referente à atenção à saúde do trabalhador e os padrões clínicos, laboratoriais, e limites de exposição adotados por agencias estrangeiras e internacionais como a OSHA (Occupational Health and Safety Administration), NIOSH (National institute for Occupational Safety and Health), ACGIH (American Conference of Governmental Industrial Hygienists), EPA (Environmental Protection Agency - USA), entre outros critérios de avaliação de exposição a agentes químicos e físicos perigosos para a saúde.

• Fazer a anamnese ocupacional, incorporando os achados no raciocínio clínico e relacionando-os à história clínica e resultados de exames complementares.

• Diagnosticar e orientar as condutas adequadas às doenças relacionadas ao trabalho, tendo como referência a lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (Portaria MS 1,339 de 18/11/1999)22; bem como, outras doenças previentes em uma dada população, considerando parâmetros como idade, sexo, e exposição a fatores de risco; de relevância epidemiológica, com base na prevalência, gravidade e a eficácia da ação médica, considerados segundo uma perspectiva regional.

• Otimizar os recursos propedêuticos, valorizando o método clínico e epidemiológico, correlacionando os resultados com as informações das avaliações ambientais e ergonômicas.

• Desenvolver atividades de promoção e proteção da saúde, por meio da orientação e incentivo à adoção de estilos de vida saudáveis, articulando o atendimento das necessidades dos trabalhadores, da comunidade e da produção.

• Propor e orientar as medidas de prevenção de danos e de proteção da saúde, por meio da eliminação, mitigação ou controle dos fatores de risco presentes no trabalho, privilegiando as medidas de proteção coletiva.

• Propor, orientar, supervisionar e avaliar programas de vacinação adequados ao perfil epidemiológico rios trabalhadores, suas condições de trabalho e à posologia prevalente.

• Planejar, orientar, executar e avaliar o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) de modo a atender as exigências da legislação e garantir que o trabalho não cause adoecimento ou morte mas seja oportunidade de melhoria da saúde e bem-estar.

• Orientar empregadores e trabalhadores sobre a aptidão do trabalhador portador de necessidades especiais para o trabalho, buscando ampliar as oportunidades de emprego.

• Informar e orientar empregadores, trabalhadores, comissões de saúde, CIPA e representantes sindicais, fornecendo cópias de documentos, informe técnicos e avaliações sobre os riscos existentes, resguardado o sigilo profissional.

• Orientar as trabalhadoras e o empregador, opondo-se a qualquer ato discriminatório do acesso ou permanência da gestante ou de outros trabalhadores portadores de necessidades especiais, permanentes ou transitórias, no trabalho.

• Orientar a adoção de medidas de proteção do concepto contra de possíveis agravos decorrentes de exposições a fatores, de risco presentes no trabalho dos pais.

• Assessorar o empregador e os trabalhadores nas questões referentes à caracterização dos fatores de risco, medidas de proteção e restauração da saúde, cumprimento de normas legais e ações pró-ativas de prevenção e proteção da saúde dos trabalhadores.

• Propor, executar e avaliar ações de vigilância da saúde nos locais de trabalho, em instituições públicas e privadas responsáveis pela atenção à saúde dos trabalhadores, incluindo a definição dos eventos sentinela, uso de biomarcadores, com base no conhecimento técnico-científico atualizado.

• Organizar o sistema de registro e análise das informações de saúde, de modo a conhecer as condições de saúde e o perfil epidemiológico dos trabalhadores.

• Realizar ações de vigilância dos ambientes de trabalho, por meio de inspeções ou visitas periódicas para identificação e avaliação dos riscos para a saúde e investigação de denúncias dos trabalhadores e verificação do cumprimento de normas legais ou técnicas.

• Conhecer os procedimentos de orientação, advertência, notificação, intimação ou aplicação das sanções legais através da produção do termo de notificação ou auto de infração, nos casos em que for constatado o descumprimento das normas.

• Orientar os empregadores sobre possíveis danos para a saúde dos trabalhadores e da população da vizinhança, originados no processo produtivo.

• Participar de processos de discussão das normas técnicas de saúde e segurança no trabalho nos diversos fóruns sociais.

• Saber informar a opinião pública, por meio dos recursos de comunicação disponíveis, sobre temas de interesse relacionados à saúde dos trabalhadores e às repercussões ambientais dos processos de trabalho, resguardado o sigilo profissional.

• Desenvolver ações de assistência à saúde do trabalhador, incluindo o atendimento de emergência, intercorrências no local de trabalho e ações de cuidado primário, registrando cuidadosamente as observações e condutas no prontuário médico, orientando o trabalhador sobre sua doença e a relação desta com o trabalho atual ou pregresso; fornecendo atestados e pareceres médicos para o afastamento do trabalho e encaminhamentos junto ao Seguro de Acidente do Trabalho.

• Acompanhar o processo de reabilitação física e profissional, valorizando a capacidade de trabalho remanescente, com atenção especial para trabalhadores idosos e portadores de doenças crônicas.

• Fazer avaliação pericial da incapacidade decorrente de acidente ou doença relacionada ao trabalho, definindo o tempo previsível de duração, a partir da análise de documentos, provas e laudos referentes ao caso, levando em conta a natureza do trabalho desenvolvido pelo trabalhador e as condições em que o mesmo é executado.

• Elaborar o laudo pericial que subsidiará os encaminhamentos administrativos junto à seguradora, para concessão dos benefícios e comunicar ao trabalhador o resultado, orientando-o quanto à sua situação junto à seguradora e os procedimentos de reabilitação profissional.

III - Formulação e implementação de Políticas e Gestão da Saúde no Trabalho, incluindo:

— Tomada e implementação de decisões;

— Comunicação;

— Trabalho em equipe (team work);

— Negociação de conflitos e formação de consenso.

O exercício cotidiano da Medicina do Trabalho envolve atividades de gerenciamento e administração. Entre suas atividades habituais, os médicos do trabalho gerenciam e administram serviços e atividades, pessoas, recursos físicos, materiais e de informação. Muitas vezes são também empresários e empregadores, Para isto necessitam dominar conceitos e ferramentas básicas de planejamento, com ênfase nas novas modalidades de planejamento participativo, de administração e gestão de recursos.

A competência ou capacidade para o trabalho em equipe interdisciplinar e multiprofissional deve receber um cuidado especial da preparação dos médicos do trabalho. Abandonando um papel ultrapassado de liderança "natural" nas equipes de trabalho, são exigidas desses profissionais, habilidades e atitudes de cooperação, destinadas a promover e proteger a saúde e do bem-estar dos trabalhadores, bem como de assistência e reabilitação de modo compartilhado com inúmeros outros profissionais, entre eles, os enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, toxicologistas, ergonomistes, higienistas, engenheiros de segurança, além dos técnicos e profissionais diretamente vinculados à produção, Essa competência tem como características-chave, o compromisso, responsabilidade, empatia, habilidades para tomada de decisões e comunicação.

A capacidade de tomar e implementar decisões, de distintas dimensões e complexidade é essencial no exercício da Medicina do Trabalho. São decisões que envolvem diretamente os trabalhadores, como por exemplo, a conduta terapêutica, o encaminhamento a especialistas em níveis mais complexos do sistema de saúde, o afastamento ou não do trabalho, o remanejamento do posto de trabalho, além da organização da produção, a indicação e avaliação quanto ao uso apropriado, a eficácia e custo-efetividade dos recursos de saúde, medicamentos, equipamentos de proteção, procedimentos, entre outras. Em geral, esta competência é pouco desenvolvida na formação medica.

Assim, os profissionais devem possuir competência para avaliar, sistematizar, e decidir quanto às condutas mais adequadas, baseadas em evidências científicas. Além desses parâmetros que podem ser rotulados como "técnicos", os médicos do trabalho devem considerar, nas suas decisões, as necessidades sociais, econômicas e administrativas da produção. Considerando a natureza intrinsecamente conflituosa entre esses interesses e necessidades, a tomada de decisão não pode prescindir do balizamento ético.

A natureza do objeto e ações desenvolvidas pelos médicos do trabalho, em meio aos conflitos de interesses entre o capital e o trabalho, e em particular, a desigualdade e a assimetria das forças envolvidas nessa disputa obrigam a que os profissionais tenham competência no campo da negociação de conflitos e formação de consenso, sob o imperativo da ética.

As diretrizes éticas prevêem que o paciente participe das decisões sobre seu tratamento e outras condutas e encaminhamentos médicos e administrativos relativos ao seu problema. Da mesma forma, espera-se que os trabalhadores participem das decisões sobre as condutas médicas e administrativas a serem adotadas para a prevenção e o manejo de seus problemas de saúde relacionados ao trabalho.

Os médicos do trabalho também desempenham um papel importante de assessoria técnica nos fóruns de discussão e decisão, nacionais e locais, sobre questões de saúde relacionadas ao trabalho. Além disso, gradativamente, a força dos preceitos legais tem sido substituída pelos acordos coletivos.

Os médicos do trabalho necessitam dominar as ferramentas de comunicação verbal, não verbal e escrita. Devem ser capazes de faíer uma leitura de textos e artigos técnico-científicos, utilizar o inglês e o espanhol instrumental e estar familiarizados com as tecnologias de comunicação e informática.

Pela natureza das tarefas que desempenham, independentemente da área na qual atuam dentro da especialidade, devem ser capazes de se comunicar bem, o que implica em escutar e dialogar com o trabalhador e seus representantes, com o empregador, gerentes e assessores, responsáveis pela produção e gerência de pessoas, com os colegas médicos e outros profissionais envolvidos nas equipes de saúde e segurança no trabalho, autoridades e profissionais do sistema de saúde, público e privado, do trabalho, da seguradora, do meio ambiente, e com a mídia, escrita, falada e televisiva. Devem estar preparados para fazer relatórios, médicos e técnicos, para diferentes finalidades, prestar informações, opinar sobre questões de saúde e segurança no trabalho resguardando os princípios do sigilo profissional e da confidencialidade das informações médicas.

Competências Específicas do Grupo III - Formulação e implementação de Políticas e Cestão da Saúde no Trabalho

Conhecimentos, Habilidades e Atitudes — saber ser e fazer:

• Assessorar empregadores, organizações de trabalhadores e instituições públicas na formulação de políticas de saúde no trabalho.

• Gerenciar e administrar serviços e atividades, pessoas, recursos físicos, materiais e informações.

• Tomar e implementar decisões, de distintas dimensões e complexidade, entre elas:

— condutas terapêuticas;

— o encaminhamento a níveis mais complexos do sistema de saúde;

— afastamento do trabalho ou remanejamento do posto de trabalho;

— indicação e avaliação da eficácia e custo-efetividade dos recursos de saúde, medicamentos, equipamentos de proteção, procedimentos, entre outras;

• Lidar com as diferenças culturais, crenças religiosas e forças sociais que influenciam na geração, percepção e correção dos fatores de risco para a saúde, presentes no trabalho.

• Trabalhar em equipe interdisciplinar e multiprofissional.

• Comunicar-se adequadamente com os trabalhadores, familiares, gerentes e responsáveis pela produção e lideranças das organizações de trabalhadores, sobre temas de saúde relacionados ao trabalho.

• Informar os pacientes, familiares e comunidade sobre temas relacionados à promoção da saúde, prevenção, tratamento e reabilitação das doenças, utilizando técnicas apropriadas de comunicação.

• Preparar relatórios, informes, laudos médicos referentes às questões de saúde-doença relacionadas ao trabalho, de forma concisa, resguardando os preceitos éticos.

• Conceder entrevistas à mídia falada e televisiva, sobre temas de interesse da comunidade.

• Dominar as ferramentas básicas de comunicação eletrônica, e de utilização dos recursos da informática.

Exemplos de Competências Específicas do Grupo III: - Formulação e implementação de Políticas e Gestão da Saúde no Trabalho

• Formular, assessorar e operacionalizar políticas de saúde no trabalho que atendam os preceitos éticos, legais e contemplem os avanços no conhecimento técnico sobre o tema, ainda não incorporado nos preceitos legais.

• Conhecer as bases conceituais filosóficas, sociais e antropológicas necessárias ao entendimento das dificuldades e limites envolvidos na percepção dos riscos no trabalho, para a intervenção e melhoria das condições de trabalho.

• Planejar, implementar e avaliar Planos e Programas de Saúde no Trabalho, de modo integrado com as ações de segurança no trabalho e gerenciamento ambiental, mantendo uma postura crítica de modo a contribuir para seu aperfeiçoamento.

• Conhecer a legislação vigente aplicada às questões de saúde relacionadas ao trabalho e outras normas e textos legais pertinentes, de modo a orientar as práticas de planejamento, gerenciamento e avaliação das ações de saúde do trabalhador.

• Saber utilizar sistemas de gerenciamento da informação para a programação e execução das ações de vigilância da saúde, documentação clínica, acompanhamento de programas de saúde, controle de custos, com a análise e divulgação dos resultados, respeitados os preceitos éticos.

• Fornecer atestados e pareceres médicos para o afastamento do trabalho, sempre que necessário, considerando que o repouso, o acesso a terapias ou o afastamento da exposição fatores de risco e determinadas condições de trabalho fazem parte do tratamento e para outros encaminhamentos necessários para benefício do trabalhador.

• Informar o trabalhador sobre suas condições de trabalho e de saúde-doença, fornecendo, quando solicitado, cópia da documentação médica.

• Acompanhar as ações de assistência médica e jurídica aos trabalhadores que sofreram acidentes ou doenças relacionados ao trabalho.

• Assessorar tecnicamente empregadores, dirigentes sindicais, autoridades de órgãos públicos, sobre temas de saúde relacionados ao trabalho e ao meio ambiente, incluindo o planejamento e a organização do trabalho; escolha e manutenção das máquinas e equipamentos e insumos utilizados; medidas de prevenção de danos e de proteção da saúde; implantação de mudanças nos processos produtivos, com adoção de novas tecnologias e novas formas de organizar e gerir o trabalho, visando a proteção da saúde dos trabalhadores.

• Participar da elaboração e implementação dos Planos de Contingência diante de catástrofes e acidentes ampliados.

• Assessorar processos de negociação de conflitos envolvendo questões relacionadas à saúde e qualidade de vida dos trabalhadores e meio ambiente, buscando formar consenso para solução ou encaminhamento das questões.

• Participar de Conselhos e Fóruns de discussão e decisão sobre as questões de saúde relacionadas ao trabalho e ao ambiente em representação própria ou institucional.

• Manter documentação clara, concisa e organizada de todos os procedimentos e contados realizados com trabalhadores, empregadores, organizações de trabalhadores e órgãos públicos.

• Informar o trabalhador sobre os fatores de riscos e os danos para a saúde, presentes no trabalho, exames realizados, direitos previdenciários, e trabalhistas e os meios para garanti-los.

• Informar e esclarecer os trabalhadores e a opinião pública, através da midia, sobre temas de interesse relacionados à saúde dos trabalhadores e repercussões ambientais dos processos de trabalho, resguardado o sigilo profissional.

• Manter diálogo com trabalhadores, gerentes, supervisores, organizações sindicais, autoridades do setor Trabalho, Previdência Social, da Saúde e do Judiciário, sobre temas de saúde relacionados ao trabalho, considerando a diversidade de aspectos culturais, educacionais e linguísticas entre os trabalhadores, gerências e técnicos, de modo a melhorar a efetividade da comunicação entre esses atores.

• Orientar e participação de campanhas sobre temas de saúde no trabalho.

• Preparar relatórios técnicos, laudos médicos, laudos periciais, boletins de notificação de forma apropriada, segundo as exigências e padrões estabelecidos pelo interessado, mas atendendo aos preceitos éticos o resguardando o sigilo médico.

• Saber utilizar ferramentas de comunicação verbal, não verbal, escrita e ter familiaridade com as tecnologias de informática, gerenciamento de informações (e-mail, redes, internet) que facilitem o contato com os colegas, clientes, gerência, chefias.

• Adotar de rotinas que incluam o registro do consentimento expresso e formal do trabalhador quanto aos procedimentos médicos adotados e a guarda de informações sobre sua saúde.

IV - Produção e divulgação de conhecimentos técnico-científicos, estabelecimento de protocolos e de normas de procedimentos

Num cenário de mudanças rápidas e radicais no mundo do trabalho", cujas conseqüências sobre a saúde dos trabalhadores ainda não estão bem estabelecidas ou para as quais não estão disponíveis procedimentos e condutas bem estabelecidos, os médicos do trabalho têm, como parte de suas atribuições cotidianas, o compromisso de produzir e divulgar conhecimento técnico-científico.

Entre as questões prioritárias a serem contempladas estão: a abordagem do perfil de adoecimento relacionado ao trabalho, decorrentes da utilização de novas tecnologias e novas formas de gestão; a produção de critérios para o estabelecimento do nexo com o trabalho e definição da incapacidade e a produção de normas técnicas, protocolos e rotinas para a vigilância e assistência à saúde dos trabalhadores. Considerando a responsabilidade dos médicos do trabalho no desenvolvimento de ações educativas junto com os trabalhadores, empregadores e a comunidade em geral, estes também devem estar preparados para produzir e utilizar os recursos didáticos e pedagógicos necessários à tarefa.

Competências Especificas do Grupo IV: - Produção e divulgação de conhecimentos técnico-científicos, estabelecimento de protocolos e de normas de procedimentos

Conhecimentos, Habilidades e Atitudes — saber ser e fazer;

• Produzir conhecimento técnico científico apropriado, no campo das relações Trabalho-Saúde;

• Analisar criticamente as normas técnicas, protocolos de procedimentos e padronização de rotinas sobre questões de saúde relacionadas ao trabalho existentes e quando necessário participar de sua elaboração;

• Difundir por todos os meios de comunicação disponíveis e utilizando uma linguagem apropriada a diferentes públicos os conhecimentos e observações produzidas;

• Produzir material educativo, protocolos, textos técnicos sobre as relações trabalho-saúde-doença.

Exemplos de Competências Específicas do Grupo IV: - Produção e divulgação de conhecimentos tecnico-científicos, estabelecimento de protocolos e de normas de procedimentos:

• Conhecer os princípios da metodologia científica de modo a viabilizar a produção de conhecimentos no campo das relações trabalho-saúde.

• Desenvolver a capacidade de leitura crítica de textos e artigos técnico-científicos.

• Utilizar o inglês e espanhol instrumental.

• Realizar ou acompanhar estudos e investigação de situações de risco para a saúde, presentes no trabalho, utilizando recursos e ferramentas da ergonomia, da higiene e segurança do trabalho e entrevistas com trabalhadores.

• Realizar ou acompanhar a investigação de episódios de adoecimento relacionado ao trabalho utilizando ferramentas da Clínica, da Epidemiologia, da Ergonomia.

• Produzir e divulgar conhecimento técnico especializado adequado ou adaptado à realidade brasileira, considerando as exigências e particularidades dos processos produtivos e o perfil epidemiológico do adoecimento dos trabalhadores em cada região.

• Contribuir para a revisão de normas técnicas buscando adequá-las às mudanças tecnológicas e organizacionais do trabalho e os avanços técnico-científicos na atenção à saúde dos trabalhadores.

• Preparar protocolos de condutas para a atenção a saúde dos trabalhadores em todos os níveis do sistema; analisar os padrões de referência para as ações preventivas e monitoramento biológico, coleta, armazenamento e divulgação fias informações, informação ao trabalhador sobre os fatores de riscos e dos danos fiara a saúde.

• Organizara informação sobre saúde, incluindo a produção, seleção, armazenamento, análise e divulgação de organização de bancos de dados.

V- Educação Continuada: saber estudar e manter-se atualizado

Os médicos do trabalho devem ter a atitude e a habilidade de aprender continuamente ou de "aprender a aprender" e a responsabilidade e compromisso de se manterem atualizados. Além disso, devem ter compromisso com a formação, o treinamento e a supervisão de estágios das futuras gerações de profissionais, usufruindo o benefício mútuo que esta interação propicia para os futuros profissionais e os profissionais dos serviços. Também devem ser estimuladas a formação e cooperação através de redes nacionais e internacionais.

Aspectos éticos do exercício da Medicina do Trabalho

Finalizando esta descrição sumária do elenco das competências básicas requeridas para o exercício da Medicina do Trabalho, não se pode deixar de ressaltar a importância das questões éticas. Ela não é uma competência em si, porém perpassa ou está presente em todas as demais.

As questões éticas, nos diferentes campos do conhecimento e atuação social e de modo particular na área médica e no exercício da Medicina do Trabalho, devem merecer uma atenção especial nos processos de formação e educação continuada dos profissionais, bem como no acompanhamento das suas práticas. A relevância do tema está expressa em uma expressiva e crescente produção científica e no estabelecimento de normas e instrumentos legais, entre os quais se destacam a Resolução do Conselho Federal de Medicina do Brasil, de no. 1.488 de 11 de fevereiro de 1998, que estabelece as obrigações de todos os médicos que atendem trabalhadores23; o Código de Conduta dos Médicos do Trabalho da ANAMT24; a revisão do Código de Conduta dos Médicos do Trabalho elaborado pela ICOH (International Committee on Occupational Health)25 e a Carta dos Médicos no terceiro milênio26. Além de servir como diretrizes importantes para orientar a prática médica, constituem eixos norteadores da formação dos profissionais.

É importante destacar que, no âmbito das instituições de ensino médico, tem sido valorizada a criação dos "ambientes éticos", como a estratégia pedagógica mais adequada ao ensino da ética médica. Nesta compreensão, o ensino da "Ética" não ocorre por meio de ensinamentos teóricos, em cursos e disciplinas, purém, decorre da assimilação pelo aluno das posturas éticas adotadas pelos seus mestres ou tutores, no cotidiano da prática médica, pela convivência com profissionais que pautam sua atuação segundo esses princípios. Assim, as Associações Profissionais devem ser solidárias na responsabilidade de prover e garantir esses "ambientes éticos" que formarão os novos profissionais.

Avaliação de Competências em Medicina do Trabalho

A ANAMT, enquanto departamento da Associação Médica Brasileira, tem como atribuição orientar a formação, as atividades de educação continuada e os processos de certificação em Medicina do Trabalho, no país. Assim, o exercício da definição das competências requeridas dos médicos do trabalho se completa com o estabelecimento de critérios e parâmetros de avaliação.

Uma questão fundamental para os processos de formação e educação continuada organizados a partir das competências requeridas refere-se aos procedimentos de avaliação.

Entendendo-se competência como a capacidade de mobilização, integração e transferência do conjunto de conhecimentos especializados e saberes construídos pela própria experiência, recursos e habilidades para a resolução de problemas num contexto profissional determinado, faz-se também necessário repensar a forma de avaliar, que não deve se restringir à aplicação de teste de conhecimentos, de natureza puramente intelectual. A avaliação por competências tem como referência normas pré-definidas, nas quais foram estabelecidos os atributos do desempenho comitente e os critérios para julgar a qualidade do trabalho realizado.

O ensino profissional visa ao aprendizado de competências básicas fiara o exercício da profissão. O referencial das competências é uma ferramenta de trabalho aberta e evolutiva, que propõe um eixo e uma linguagem comuns para pensar a formação e a educação continuada dos profissionais. Sua utilização ou aplicação constitui um desafio a ser superado em uma perspectiva construtivista, com muita criatividade.

Entretanto, como assinala Perrenoud19, orientar a formação profissional a partir das competências apresenta dois riscos ou dificuldades: o de perder-se nos detalhes, produzindo uma lista longa e inútil de itens ou limitar-se a (algumas) indicações abrangentes e abstratas. Uma alternativa para controlar esses riscos pode ser a de se manter a referência nas situações concretas de trabalho, suas exigências e condições reais de execução. Somente assim, é possível identificar as competências requeridas, reunindo-as em grupos que tenham características ou uma raiz comum.

Também é necessário ter-se em conta que de nada adianta construir um bom referencial utilizando as competências, se ao tomá-lo como eixo organizador da formação profissional, utilizar esquemas tradicionais de organização dos cursos, na lógica fragmentada das disciplinas. Uma formação orientada pelas competências se opõe a um currículo concebido como uma sequência de ensinamentos, em favor de uma estratégia pedagógica baseada na problematização. A resolução de problemas comuns no cotidiano do trabalho do profissional, de início, simples e gradativa mente cada vez mais complexos, é para o aprendiz, uma fonte de identificação dos recursos que lhe faltam e uma motivação para buscar conhecimentos teóricos ou técnicas para soluciona-lo.

Segundo Kuas27, analisando o mestrado modalidade profissional na área da Administração, um programa de formação organizado sobre urna base de difusão de conhecimento e informação, embora estas sejam indispensáveis, não e suficiente para gerar competência. Organizar a formação, a partir das competências significa orientar cada professor/formador e o programa de modo a capacitar o aluno para a ação. Nessa perspectiva, os formadores devem estar compromet idos com a transferência e integração dos conhecimentos para a ação.

Na perspectiva da educação continuada a avaliação de competências é um processo de levantamento de evidências sobre o desempenho do aprendiz com o objetivo de estabelecer um juízo sobre sua competência a partir de uma referência padronizada e identificar as áreas de desempenho que devem ser fortalecidas mediante programas de capacitação para alcançar o nível requerido.

O resultado pode ser definido em satisfatório ou insatisfatório. Trata-se de avaliação formativa que pretende identificar quanto do nível de competência foi conseguido, visando facilitar futuras orientações ou sugestões de como alcançá-lo. Neste sentido a avaliação objetiva identificar as lacunas entre o desempenho mostrado e o desempenho requerido, refletindo, entretanto, o progresso individual. Para elaborar o resultado da avaliação deve-se utilizar escalas com diferentes graus de cumprimento da competência. Isto facilita a especificação do nível de domínio e, mesmo a identificação das características de desempenho notável, que podem ser úteis na organização do trabalho, retroalimentando o sistema. Nos casos de indivíduos com baixo desempenho pode-se, também, estabelecer com maior precisão as necessidades de formação.

Por outro lado, segundo Lowry28, a certificação da competência é o reconhecimento publico, formal da capacidade do médico do trabalho atuar adequadamente, o que significa uma complexa mobilização de saberes e fazeres. A avaliação somativa ou terminal para verificação do grau de proficiência no domínio das competências deve ser utilizada para emissão de parecer conclusivo sobre a capacitação individual para o exercício da profissão, Esse tipo de avaliação assume, portanto, relevância especial por garantir padrões elevados da prática profissional e contribui para proteger a sociedade contra eventuais ações de profissionais inabilitados.

A certificação interessa a vários atores: o profissional que deseja uma carreira ascendente; as empresas que esperam que a contratação redunde em melhor desempenho e aumento da produtividade; as instituições de formação que esperam atender tanto às necessidades de saúde da população quanto às necessidades do mercado e às associações profissionais, que estabelecem os parâmetros e as evidências de desempenho necessárias para atestar a competência.

Segundo Whitear, citado por Vargas e colaboradores29, para ser julgado competente o indivíduo deverá mostrar sua habilidade em desempenhar atividades laborativas globais, de acordo tom normas esperadas, em ambientes reais de trabalho.

Irigoin e Vargas30 descrevem o processo de avaliação de competências em seis etapas.

 


Figura 2. Etapas do processo de avaliação de competências

 

Uma das características dos certificados de competência laborativa é que não deveriam ser permanentes, considerando que as competências a que se referem são suscetíveis de obsolescência devido às variações na tecnologia ou na organização do trabalho. Como implicam na capacidade de fazer, ser e de aprender continuamente, o certificado também deveria ser periodicamente atualizado para refletir as competências reais do avaliados.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Espera-se que os resultados da investigação conduzida pelo CEAMT/ANAMT, em parceria com a Universidade, que permitiu a construção das competências a partir da reflexão de diferentes atores sobre a prática profissional, possam subsidiar os processos de formação, as atividades de educação continuada e a concessão do Título de Especialista em Medicina do Trabalho.

Este parece ser um caminho capaz de orientar a formação, a reciclagem e a certificação dos profissionais para um exercício profissional com qualidade técnica e compromisso social, deixando para traz o tempo no qual os indivíduos deviam buscar superar suas limitações no esforço autodidata.

A divulgação deste elenco de competências requeridas para o exercício da Medicina do Trabalho pode contribuir para que os profissionais, hoje no mercado de trabalho, utilizem-nas como um "check-list" identificando os pontos ou aspectos para os quais deverão buscar uma formação complementar ou atualização, no processo de educação continuada. Também as instituições do aparelho formador poderão buscar inspiração para a organização e o oferecimento de programas e cursos.

A partir da definição da lista de competências, abre-se um novo ciclo de trabalho, que inclui a definição dos conteúdos e metodologias que devem orientar a programação dos cursos e processos de formação e capacitação em Medicina do Trabalho e a Educação Continuada. As opções são muitas e a tarefa de preparar, reciclar e certificar os médicos do trabalho exige o empenho e o melhor de todos: profissionais experientes, instituições de ensino e pesquisa e em particular da ANAMT.

 

AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas contribuíram nas distintas fases de elaboração deste trabalho. Do modo especial, queremos consignar nossos agradecimentos à Profª. Ada Ávila Assunção e Profª. Andréa Maria Silveira, professoras da Área de Saúde & Trabalho do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais; aos participantes do Encontro sobre Ensino da Medicina do Trabalho realizado durante o Congresso da ANAMT, em Belo Horizonte, em maio de 2001 e da Oficina de Trabalho para discussão da "Lista básica de competências requeridas ao exercício da Medicina do Trabalho", realizada em setembro de 2001: Dra. Ana Lúcia Muita, Assessora de Saúde do Sintel, MG; Dr. Airton Marinho, Auditor Fiscal do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego em MC; Dr, Carlos Campos, Médico do Trabalho, Diretor de Título de Especialista ANAMT, GO; Prof. Dr. Hudson de Araújo Couto, Consultor de Empresas e Diretor Científico ANAMT, MG; Dr. Julizar Dantas, Médico do Trabalho da Petrobrás, MG; Dra. Leticia Ferreira Lobato Giordano, Médica do Trabalho, Consultora de Empresas e Diretora Científica da AMIMT, MG; Prof. Márcio Lúcio Serrano, Médico do Trabalho, Coordenador de Saúde Ocupacional da UNIMED, MG; Dra. Maria da Penha Pereira de Melo, Médica do Trabalho, Gerente de Benefício rio INSS/ Belo Horizonte, MC; Prof. Dr. Salosbi Kitamura, Médico do Trabalho, Consultor e Professor da UNICAMP SP; Prof. Sergio Roberto de Lucca, Medico do Trabalho da Pirelli e Professor da UNICAMP SP e, de modo especial ao Prof. Dr. René Mendes, Presidente da ANAMT, pelo apreço, apoio e participação ativa em todas as fases do trabalho.

 

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Trabalho apresentado no Simpósio 33: "Formação e Capacitação dos Médicos do Trabalho: tendências e perspectivas", no 27º. Congresso Internacional de Sáude no Trabalho (ICOH 2003) Fox do Iguaçu, 25 de fevereiro de 2003.


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