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ARTIGO ORIGINAL

Fatores de Estresse no Trabalho de Operadores de Centrais de Atendimento Telefônico de um Banco em São Paulo

Stressors Related to the Work of Call Center Operators of a Bank of São Paulo City

Débora Miriam Raab Glina1; Lys Esther Rocha2

RESUMO

OBJETIVO: Identificar os fatores de estresse presentes no trabalho de operadores de uma central de atendimento telefônico aos clientes de um Banco em São Paulo.
METODOLOGÍA: Foi realizada a Análise Ergonômica do Trabalho com observação sistemática do trabalho, entrevistas com gerentes, supervisores e operadores e análise documental. Foram aplicados 109 questionários.
RESULTADOS: % (88,1%) dos operadores eram mulheres e 76 (70,4%) tinham entre 19 e 23 anos de idade. O operador deveria abrir 4 contas/mês, vender produtos e atender dentro do tempo médio mensal prescrito. A jornada de trabalho era de 6 horas, com pausa de 30 minutos. Cada operador atendía de 90 a 150 ligações por día. O tempo medio de cada ligação variou de 1 a 3 minutos. Os trabalhadores permaneciam em postura estática sentada 95% do tempo, com fone de ouvido, consultando a tela e entrando com dados através do teclado. Os principais fatores de estresse identificados foram: alta demanda qualitativa e quantitativa no trabalho; falta de controle sobre o processo de trabalho; grande volume de informações a serem manipuladas; dificuldade para manter a qualidade e executar o trabalho dentro do tempo médio de atendimento; presença da fila de espera de clientes em determinados horários; relações conflituosas com os clientes; repetitiviílade e complexidade da tarefa.
CONCLUSÃO: Este estudo aponta para a existência de elevada sobrecarga emocional, cognitiva e física no trabalho dos operadores de telemarketing sendo fundamental modificar as condições e organização do trabalho visando prevenir doenças relacionadas ao trabalho.

Palavras-chave: Saúde Ocupacional; Fatores de Estresse; Fatores Psicossociais; Ergonomia; Tele-atendimento; Estresse e Trabalho.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To identify stressors associated with the ivodt oí call centre operators of a bant in São Paulo City.
METHODS: Ergonomic Work Analysis was carried out, composed of systematic observations of the work, interviews and document analysis. Self-applicable questionnaires were reSfKinded by 109 call centre operators.
RESULTS: There were 96 female operators, 76 (70,-4%) aged from 16 to 23 years. They should open 4 accounts monthly, following the prescribed monthly medium time of attendance. The working lime was of 6 hours, with one bred ft of 30 minutes. Each operator had from 90 to 150 calls/day. The medium time of each connection varied from 7 m/nute (o 3 minutes. The workers remained seated 95% of the time, typing and answering to telephone calls. The work stressors included: high quantitative and qualitative demands; lack of control over the work; a significant volume of information to be dealt with: contradictory demands for higher productivity based on average working time and service e /ua/ity; difficulties in the relationship with the customers, the pressure from the wailing queue; the contrast between the repetitiveness and the com-plexity of the task
CONCLUSIONS: The results indicate that the work of call centre operators has important emotional, cognitive and physical loads. It is necessary to modify these working conditions and the organisation of work in order to preveni diseases.

Keywords: Occupational Health; Stressors; ftychosoda/ factors; Ergpnomy; Telemarketing; Work Stress.

INTRODUÇÃO

O conceito de estresse tem sido usado com diferentes conotações. A introdução do termo ocorreu em 1936 através de Selye1, que caracterizou a natureza do estresse como uma "Síndrome de Adaptação Geral", constituída de três fases: 1) reação de alarme; 2) fase de adaptação; 3) fase de exaustão. Nesta formulação encontra-se implícita a inespecificidade das demandas ambientais e a importância da intensidade e duração da pressão como relacionadas com a resposta do organismo. Para Selye1, a palavra estresse designava todos os efeitos não-específicos de fatores que podem agir sobre o corpo. Estes agentes são chamados estressores, ciada sua capacidade de produzir estresse.

Para Levi2 os estímulos psicossociais se originam em um processo social, inserido em uma estrutura social e afetam o organismo através da mediação da percepção e da experiência. Os fatores psicossociais do trabalho representam a interação entre oportunidades e demandas ambientais, de um lado e necessidades, habilidades e expectativas individuais, de outro. Quando há uma defasagem entre os dois, o organismo reage através de vários mecanismos patogênicos.

Neste estudo o conceito de estresse adotado foi o proposto por Kalimo1, que define o estresse como uma relação de desequilíbrio entre o ambiente e o indivíduo, entendendo-se, entretanto, que o cérebro necessita de determinado nível de estímulo do ambiente para trabalhar bem.

Os fatores de estresse no trabalho podem ser divididos para efeitos de identificação nas situações de trabalho em fatores associados ao ambiente, à organização e aos fatores psicossociais do trabalho. Este conjunto de fatores aparecem associados, integrados e interdependentes. As reações a estes fatores dependem da personalidade, experiência individual e expectativas em relação ao trabalho4.

Marmot e Wilkinson5 analisam dois modelos teóricos sobre fatores de estresse no trabalho: o modelo da demanda-controle de Karasek e Theorell e o do equilíbrio esforço-recompensa de Siegrist.

Para Karasek e Theorell a relação de causa-efeito do estresse dá-se através de um esquema complexo, que envolve a interação de múltiplos sistemas. O estresse representa o desequilíbrio do sistema como um todo, em particular o sistema de controle, que inclui um nível biológico, um nível psicoendocrinológico, bem como um nível cognitivo e um nível de funcionamento interpessoal. Por essa razão o modelo proposto pelos autores envolve um enfoque tridimensional, cobrindo os seguintes aspectos: demanda/controle; tensão/aprendizagem e apoio social. Quanto maiores as demandas impostas ao trabalhador e menor a sua latitude de decisão, maior o risco à saúde. A essa hipótese foi incluída uma segunda dimensão, que diz respeito à aprendizagem de novos padrões de comportamento e habilidades com base na experiência psicossocial no trabalho. A situação ativa está associada com o desenvolvimento de um sentimento de domínio sobre o trabalho que inibe a percepção de tensão durante períodos de sobrecarga. Mais recentemente, o conceito original de demanda/controle foi modificado para incluir o apoio social no trabalho como uma terceira dimensão.

O modelo de Siegrist de equilíbrio esforço-recompensa enfoca mais explicitamente as ligações entre tarefas no trabalho e a dinâmica do mercado de trabalho. O modelo defende que o papel no trabalho define uma ligação crucial entre necessidades auto-reguladoras de uma pessoa e a estrutura de oportunidade social. O status ocupacionaI está associado a opções de contribuir e desempenhar, de ser recompensado ou estimado e de pertencer a algum grupo significativo. A falta de reciprocidade entre custos e ganhos define um estado de estresse.

Marmot & Wilkinson5 afirmam que ocorreram mudanças profundas na natureza do trabalho em economias estabelecidas de mercado, entre as quais aumentaram as demandas psicológicas e emocionais nas atividades, cresceram as ocupações no setor de serviços, acompanhado de um crescente desemprego estrutural. Esse é o cenário em que as centrais de atendimento telefônico aos clientes apareceram e tiveram seu crescimento.

Os call centres ou centrais de atendimento telefônico dizem respeito a qualquer atividade por meio de sistemas de informação e múltiplas mídias, com o objetivo de desenvolver ações padronizadas e contínuas de marketing ou favorecer a comunicação com clientes, público ou agências governamentais. Trata-se de usar os sistemas de telefonia, informática e dados.

Os call centres são cada vez mais comuns em empresas de vários ramos de atividade: indústria, comércio, prestação de serviços e financeiras. No Brasil, de acordo com o Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing o número de call centres cresceu 30% nos últimos 20 anos. Estimativas apontam para a existência de 284 mil operadores no país e 120 mil apenas no Estado de São Paulo.6

Entretanto, apesar do crescimento do número de centrais de atendimento telefônico, não houve uma proporcional atualização dos processos de projeto e planejamento organizacional nestes novos ambientes de trabalho, o que ocasionou um aumento da rotatividade, absenteísmo e doenças ocupacionais.7

O objetivo desse estudo foi identificar os fatores de estresse no trabalho de operadores de uma central de atendimento telefônico a clientes de um banco visando apontar aspectos do trabalho que poderiam ser modificados para melhorar a saúde dos trabalhadores.

 

METODOLOGIA

Este estudo foi realizado em uma central de atendimento telefônico de um banco multinacional, localizada na cidade de São Paulo, na qual trabalhavam 181 operadores de telemarketing.

Trata-se de um estudo basicamente qualitativo, não representativo no sentido estatístico do termo, mas cuja significação é alcançada através da diversificação das situações vivenciadas pelos operadores priorizando a escolha dos sujeitos e situações que permitam uma aproximação do fenômeno estudado8.

Foi realizada a Análise Ergonômica do Trabalho dos operadores de telemarketing. Neste estudo adotou-se a metodologia desenvolvida por Guerin et al.9 que analisa as situações reais do trabalho. Leva em tonta a diversidade das pessoas e das situações, procurando detectar as estratégias operativas construídas para poder desenvolver o trabalho e fazer frente às variabilidades, incidentes, panes. Aborda também o ambiente de trabalho (ruído, iluminação, temperatura), as características e dimensões dos postos de trabalho, o conteúdo e a organização do trabalho.

Nesse estudo o ponto de partida foi o esclarecimento da demanda inicial, que se originou do Departamento de Treinamento de Pessoal, que apontava para o elevado índice de Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT) dos operadores. O estágio seguinte foi a análise da tarefa envolvendo a tarefa prescrita (aspecto formal do trabalho) e a tarefa real (modificação feita pelo trabalhador em função das especificidades de cada situação de trabalho). Dados sobre a tarefa foram obtidos principalmente através de entrevistas e observações.

Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com a gerente e supervisoras com a finalidade de conhecer a estrutura organizacional do banco, os objetivos do setor, os cargos e número de funcionários em cada cargo, o fluxograma do processo de trabalho, os produtos e serviços oferecidos pelo banco, a descrição da tarefa dos operadores e supervisores, a forma de realização da monitorização, as políticas e práticas de pessoal, os incidentes críticos mais comuns.

As entrevistas com os operadores foram semi-estruturadas e visavam obter uma descrição da tarefa; levantar as exigências e constrangimentos relacionados ao posto de trabalho (mobiliário, equipamentos, instrumentos, sistema), ao ambiente de trabalho, a organização do trabalho, os relacionamentos (colegas, chefia, clientes e outros setores) e políticas de pessoal; os aspectos positivos e negativos do trabalho e as sugestões para melhorar o trabalho.

As observações ocorreram no posto de trabalho dos operadores, acompanhando as telas utilizadas e ouvindo como "carona" as ligações atendidas. Durante as observações solicitava-se que os operadores explicassem o que estavam fazendo e a finalidade de cada operação, bem como que demonstrassem algumas situações. Foram observados e entrevistados dez operadores, escolhidos em conjunto com o gerente e os supervisores, levando em conta: o tempo de serviço (mais antigo ou mais recente), a idade (mais velho ou mais novo), o turno (manhã ou tarde). Gravações de monitorização eletrônica de cinco operadores foram ouvidas na mesa de um dos supervisores.

A terceira etapa foi a análise da atividade, ou seja, a análise dos comportamentos de trabalho: posturas, ações, gestos e comunicações, através de observações sistemáticas. Durante essas observações os operadores foram monitorados eletronicamente através de "carona" no próprio posto de trabalho, com a finalidade de obter dados sobre a quantidade de atendimentos no período de uma hora e meia de observação, duração das chamadas, número e tipo de informações dadas em cada ligação, telas utilizadas, situações mais comuns, incidentes críticos, necessidade de comunicação com colegas, supervisor ou outras seções, necessidade de consultar material escrito.

No total ocorreram 24 visitas à central de atendimento, com duração média de seis horas, em diferentes horários para a coleta dos dados. Foram realizadas 25 entrevistas (com informantes-chave e operadores).

Na análise documental foram analisados os seguintes documentos: manual de produtos e serviços oferecidos pelo banco, relatórios preenchidos pelos supervisores (monitorização, avaliação de desempenho, tempo fora de atendimento, reclamações dos clientes) e organogramas do banco.

A aplicação de questionário ocorreu no local de trabalho, na época em que estavam sendo realizadas as observações. Os aspectos coletados foram: dados demográficos, descrição da tarefa e características percebidas do trabalho (monotonia, rapidez, controle sobre o próprio trabalho, apoio recebido de colegas e chefia). O tempo médio de preenchimento foi de 15 minutos. A análise dos questionários iniciou-se com a digitação e codificação dos dados. Foi realizada uma análise descritiva, incluindo freqüências simples e porcentagens dos aspectos mais importantes.

Todos os participantes foram informados dos objetivos e participaram voluntariamente da pesquisa. Após validação dos dados com gerente, supervisores e operadores, foi realizada uma intervenção, que não será objeto deste artigo, embora as recomendações iniciais sejam apresentadas.

 

RESULTADOS

Dados demográficos

Do total de 109 operadores que responderam ao questionário, 96 (88,1%) eram mulheres, sendo 76 (70,4%) na faixa etária de 18 a 23 anos, configurando um predomínio de uma população feminina extremamente jovem. Do conjunto de operadores, 19,6% tinham filhos. Na distribuição do tempo na função, observa-se que 30,5% dos operadores tinham menos que um ano de trabalho e 54,3% com um a dois anos de trabalho.

 

 

O trabalho dos operadores de telemarketing

A Central atendia em média 60.000 ligações/dia. O objetivo era tirar o cliente das agências bancárias realizando 99% dos serviços. Existiam no setor: 181 operadores, oito supervisores e um gerente.

O operador deveria abrir quatro contas/mês, vender produtos e atender dentro do tempo médio mensal prescrito. A jornada de trabalho era de seis horas, com uma pausa de 30 minutos.

O perfil do cargo de operador exigia: dicção; estar cursando uma faculdade; idade entre 18 a 25 anos e desembaraço. Existia também a contratação de algumas senhoras entre 30 e 45 anos. A exigência de habilidades para vendas passou a existir apenas no último ano. O salário era de 550 reais e também recebiam ticket alimentação, ticket refeição e auxílio creche.

O treinamento dos operadores de teleatendimento durava dois meses e era composto das seguintes etapas: inicialmente observação do atendimento (três dias), depois ocorria um treinamento teórico (telas, produtos e serviços) durante um mês sendo quatro horas por dia em sala de aula e duas horas por dia acompanhando ligações de outro operador, a seguir começava o atendimento com acompanhamento. Após esse treinamento inicial recebiam ainda treinamento sobre qualidade no atendimento, prevenção no uso da voz, prevenção de DORT e técnicas de vendas.

Cada operador atendia de 90 a 150 ligações por dia. O tempo médio de atendimento (TMA) ou tempo de "expedição" prescrito era de dois minutos. Esse era o tempo estabelecido para ouvir a demanda do cliente, buscar a informação correta no sistema ou material escrito, ou dos colegas, e comunicar essa informação ao cliente. O tempo médio real de cada ligação variou de um a três minutos, dependendo do número de informações ou procedimentos solicitados e de se oferecer ou não algum produto, para o qual estivesse ocorrendo uma campanha. Em 70% das ligações os clientes solicitavam informações sobre o saldo em conta e/ou diferentes tipos de investimentos financeiros.

Ocorriam "picos" de ligações às segundas e sextas feiras, na primeira quinzena, no final do mês, na véspera e pós-feriados, no vencimento de contas, de manhã e no final da tarde. Durante os "picos" existia fila o tempo todo.

Os trabalhadores permaneciam em postura estática sentada 95% do tempo, com fone de ouvido para escutar e falar com os clientes, consultando a tela e entrando com dados através do teclado.

No trabalho havia grande exigência da memória de curto e longo prazo acompanhada de atenção concentrada e intensa responsabilidade por manipular valores financeiros. Um pequeno erro poderia causar muitos transtornos para os clientes, levar o Banco a prejuízos e obrigar a uma série de ações corretivas.

A avaliação dos operadores ocorria mensalmente, levando em consideração o desempenho durante o monitoramento feito através da escuta dos atendimentos. O monitoramento eletrônico do desempenho corresponde a uma coleção computadorizada com armazenamento, análise e relatório de informações sobre as atividades do trabalhador10.

Para cada atendimento eram observados os seguintes aspectos: cordialidade, esclarecimento das dúvidas do cliente, linguagem e vocabulário, objetividade, obediência aos scripts contidos nas telas, demonstrar conhecimento dos produtos e serviços solicitados. Cada um desses itens recebia de zero a dez pontos. Algodoal11 caracteriza o script como o roteiro destinado a leitura dos operadores de telemarketing em diversas empresas, com o objetivo de agilizar a interação e diminuir o tempo de duração de um telefonema.

Outros aspectos da avaliação eram: o tempo gasto fora do posto de trabalho, também chamado de tempo de bloqueio (quando respeitava 30 minutos de pausa recebia dez pontos e para cada 10 minutos acima do tempo padrão, ele perdia 5 pontos); as vendas: se não ultrapassasse o TMA ele recebia 10 pontos, para cada 10 segundos acima deste tempo ocorria a perda de 5 pontos; as ausências e os atrasos (recebiam notas de zero a dez pontos); os erros (se o erro não levasse a perdas para o banco, o operador perdia 5 pontos, caso contrário, ele perdia 10 pontos).

As conseqüências da avaliação de desempenho poderiam ser demissão (quando ruim) ou transferências (algumas com promoção) para outras seções do banco (quando boa).

 

Fatores de Estresse

Os principais fatores de estresse identificados foram:

1) A rapidez em conflito com a qualidade do atendimento

Cada cliente exigiu de 1 até 10 informações/operações por chamada. Os operadores criaram algumas estratégias operatórias para diminuir o tempo de atendimento, como direcionar o cliente a ser mais objetivo (interpretando o que ele dizia ou perguntando "algo mais?"), interrompendo a ligação quando ela estava demorando muito (teoricamente ação proibida pelo banco),

2) A grande quantidade de informações relativas a produtos e serviços do banco que era preciso conhecer

Os operadores apresentaram dúvidas sobre produtos e serviços, dadas as exigências de rapidez no atendimento, não havia tempo para procurar a informação no manual e eles acabavam consultando os colegas e/ou os supervisores. Muitas vezes o supervisor não estava disponível quando os operadores o chamavam. As vezes os clientes estavam melhor informados do que os operadores porque as informações sobre produtos novos chegavam antes aos clientes do que a central de atendimento.

Os operadores não recebiam uma cópia escrita das alterações em procedimentos e produtos do banco, eles tinham que 1er depressa, assinar e devolver o informe aos supervisores. O treinamento não ocorria com a freqüência necessária. As únicas oportunidades para tomar conhecimento e discutir os procedimentos eram nas reuniões mensais com o supervisor.

3) Proibição para escrever (usando caneta e papel) por razões de segurança.

O que aumentava a possibilidade de cometer erros e causava o uso excessivo da memória de curto prazo. As principais informações que os operadores queriam escrever eram: o número de documentos ou dados que seriam solicitados em telas subseqüentes (para evitar voltar várias telas para recuperar uma informação, acarretando perda de tempo); informações que precisavam ser checadas com outros departamentos e então devolvidas ao cliente; o tempo de bloqueio, como uma forma de controlá-lo para não ultrapassar o tempo padrão.

4) A fila de clientes em espera

Na sala de atendimento existiam dois display's eletrônicos informando o número de clientes em espera. A presença da fila levava a horas extras, intensificação do trabalho, manutenção das mesmas posturas e tensão dos operadores. A necessidade de aguardar pelo atendimento também irritava os clientes. Os supervisores ficavam anunciando a existência de fila de espera aumentando a pressão sobre os operadores.

5) A repetitividade da tarefa em contraste com a sua complexidade

Embora a tarefa tivesse características repetitivas (o tempo de atendimento tinha curta duração) era também uma tarefa complexa, demandando uma constante construção dos problemas tratados.

6) A falta de controle sobre o trabalho

Os operadores tinham que seguir todas as regras estritamente (horários, posturas, procedimentos) incluindo scripts padronizados. O que significava que os operadores tinham que dizer exatamente o que estava escrito nas telas, para todos os clientes, independente do cliente ou da situação. Além disso, o monitoramento eletrônico dos supervisores através da escuta representava um controle constante do trabalho realizado.

7) Relação difícil ou ameaçadora com os clientes

Os clientes muitas vezes estavam insatisfeitos com o Banco e a pessoa a que tinham acesso era o operador. A agressividade dos clientes poderia estar relacionada com: os scripts que eram difíceis para os clientes entender, os dados desatualizados sobre a conta, o sistema lento e a tentativa constante de vender produtos do banco sempre que o cliente ligava.

8) As condições de trabalho percebidas como fonte de estresse

O barulho diminuía a atenção e tomava o trabalho mais difícil. O ruído era de 80 decibéis e se devia à acústica da sala e problemas com equipamentos (headsets). Havia ainda a interferência de uma estação de rádio nos postos de trabalho próximos à janela.

Quanto à temperatura, o ar condicionado mantinha a temperatura muito quente no verão e em alguns momentos gelada. O ar condicionado era desligado após as 18:00 horas, com aumento da temperatura no local.

A iluminação era fraca à noite e havia ‘'ilhas" com iluminação deficiente. Ocorriam reflexos na tela, quando a cortina estava aberta e dependendo da localização do posto de trabalho em relação às janelas, obrigando à adoção de posturas inadequadas.

Os postos de trabalho (PAs) eram novos, ajustáveis (altura da bancada), mas como eram compartilhados por operadores de diferentes turnos, ao chegar os operadores não encontravam as estações de trabalho em ordem, perdendo aproximadamente 10 minutos para organiza-las. As cadeiras eram adaptáveis, mas existiam várias cadeiras quebradas, obrigando os operadores a "caçar" cadeiras em boas condições.

Os equipamentos apresentavam vários problemas. Por exemplo, o botão vermelho para captar chamadas encontrava-se distante da zona de alcance, levando a uma hiperextensão da mão e braço. O sistema algumas vezes estava inoperante e, nesses casos, era necessário solicitar aos clientes que ligassem posteriormente.

Na Tabela 2 sâo apresentadas as percepções tios trabalhadores sobre alguns aspectos do trabalho:

 

 

• 40,7% dos operadores referiram que o trabalho era sempre ou na maior parte do tempo muito rápido e 23,2% na metade do tempo;

• 49,1% referiram que o trabalho causava tensão/preocupação ocasionalmente, 24,1% sempre ou na maior parte do tempo e 19,4% metade do tempo;

• 35,8% referiram que podiam decidir muito pouco sobre o trabalho e 18,3% um pouco.

• 69,0% dos operadores estavam satisfeitos com o apoio dos colegas e 71,6% com o apoio do supervisor.

Recomendações

• A aquisição de headsets em número suficiente e tom boa qualidade;

• Atualização de telas e scripts, tornando-os mais objetivos;

• Negociar com o Departamento de Marketing que a informação sobre novos produtos do Banco seja passada à central de atendimento antes que aos clientes;

• Uma cópia das mudanças de procedimentos e produtos deveria ser dada a cada operador;

• Melhoria das condições de trabalho em geral (ruído, iluminação, temperatura etc.);

• Aquisição de cadeiras em número suficiente;

• Pedir que os operadores mantenham a estação de trabalho em boas condições de uso no fim da jornada;

• Rever as atribuições do supervisor e forma de gestão, incluindo treinamento em liderança;

• Tentar cancelar a proibição de anotar dentro da estação de trabalho;

• Criar formas mais acessíveis de obter informação e propiciar treinamento mais freqüente sobre modernização de produtos e serviços aos operadores;

• Estabelecer pausas curtas e freqüentes.

 

DISCUSSÃO

Neste estudo foi observado que no trabalho dos operadores da Central de Atendimento Telefônico existiam altas exigências tanto quantitativas, quanto qualitativas. Frankenhaeuser e Gardell12 associavam a presença de sobrecarga/subcarga quantitativa e qualitativa ao estresse no trabalho, A carga quantitativa representa o volume de trabalho mental exigido dentro de determinada unidade de tempo, enquanto que a carga qualitativa compreende a complexidade do trabalho e a possibilidade de aplicação, pelo trabalhador, de suas capacidades e experiências.

Os operadores relataram poucas possibilidades de influenciar o seu trabalho. A combinação entre altas demandas e baixo controle sobre o trabalho configura uma situação de estresse que pode aumentar o risco de distúrbios osteomusculares segundo Theorell13.

O monitoramento eletrônico do desempenho foi associado a tensão psicológica, ansiedade, depressão e fadiga em operadores de empresa de telefonia em estudo de Smith et al.14

As exigências cognitivas identificadas nesse estudo estavam relacionadas ao uso excessivo da atenção, memória, responsabilidade e volume de informação a manipular. Moekstra et al.15 estudaram dois call centers de companhias seguradoras e disseram que 92% dos operadores freqüentemente sentiam-se mentalmente exaustos no final da jornada de trabalho.

Neste estudo verificou-se um conflito no trabalho dos operadores entre atender bem ao cliente e manter o tempo médio de atendimento baixo, Di Tecco et al.16 constataram que isso contribui para o estresse dos operadores.

Os clientes que podiam funcionar como fonte de prazer e reconhecimento no trabalho do operador, podiam também funcionar como fonte de sofrimento. Dificuldades no relacionamento com os clientes foram encontradas neste estudo, assim como no de Hoekstra et al.15 que observou que 96% rios operadores percebiam a existência de hostilidade e abusos pelos clientes.

Wisner17 salienta que as dificuldades percebidas no relacionamento com clientes não deveriam ser subestimadas, porque elas aumentam o esforço mental necessário e às vezes a ansiedade causada pela insegurança.

Fernandes et al.18 observam a indicação de altos níveis de estresse psicológico entre operadores de telemarketing que avaliam o seu trabalho como possuindo altas cargas, baixo controle sobre suas atividades, baixo feedback, além de identidade e variedade também reduzidas.

Nessa pesquisa a pausa no trabalho era de 30 minutos, entretanto, Kopardekar & Mital19, analisando o efeito de diferentes configurações de pausas na fadiga e no desempenho dos operadores de ajuda à lista telefônica, recomendaram a adoção de pausas de 10 minutos após 60 minutos trabalhados. Essa recomendação é consistente com os achados de Ferreira et al.20 que verificaram que pausas de 10 minutos após 50 minutos de trabalho diminuíam o número de casos de DORT.

Sznelwar & Zidan21 fizeram as seguintes recomendações para a melhoria das condições de trabalho em caII centres: mudanças no sistema (hardwares e softwares); mudanças no critério de produtividade e qualidade, valorizando mais a solução dos problemas do que a rapidez e quantidade de chamadas atendidas; substituição do monitoramento eletrônico pela auto-avaliação de desempenho; eliminação da necessidade de seguir scripts; melhorias no treinamento. Esse conjunto de recomendações é muito similar às dadas no presente estudo.

Em relação a metodologia Dewe22 nos encoraja a investigar o que podemos alcançar através do uso de diferentes métodos. Neste estudo realizou-se a análise ergonômica do trabalho, bem como entrevistas, questionários e análise documental. O uso dessas diferentes metodologias nos possibilitou uma melhor compreensão das condições, da organização do trabalho, bem como das percepções dos operadores.

Em relação aos limites deste estudo indicamos que a análise da situação de trabalho foi feita em apenas uma central de atendimento telefônico vinculada a um banco, sendo importante a análise de centrais de atendimento telefônico de empresas de diferentes ramos de atividade econômica. Entretanto, concordamos com Minayo21 que em pesquisas qualitativas existe uma preocupação menor com a generalização e maior com o aprofundamento e abrangência da compreensão seja de um grupo social, de uma organização, de uma política ou de uma representação.

Neste estudo adotamos a análise ergonômica do trabalho como indicador objetivo e as entrevistas e questionários como indicadores subjetivos dos fatores de estresse no trabalho, percebendo a importância de incluir este conjunto de instrumentos no estudo de estresse e trabalho. Esta escolha metodológica está em acordo com o proposto por Kalimo24 para estudos sobre estresse e trabalho.

 

CONCLUSÕES

Este estudo aponta a existência de elevada sobrecarga emocional, cognitiva e física no trabalho dos operadores de telemarketing, sendo fundamental rever as condições e organização do trabalho destes profissionais visando diminuir as exigências e constrangimentos de forma a prevenir doenças relacionadas ao trabalho.

 

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