0
Visualização
Acesso aberto Revisado por Pares
ARTIGO ORIGINAL

Prevalência e fatores associados aos acidentes de trabalho em uma indústria metalmecânica

Prevalence and factors associated with work accidents in a metal-mechanic company

Steffani Bez Batti Gonçalves; Thiago Mamoru Sakae; Flavio Liberali Magajewski

DOI: 10.5327/Z1679443520180086

RESUMO

INTRODUÇÃO: Os acidentes de trabalho vitimam mais de 700 mil trabalhadores anualmente no Brasil. Dos três setores econômicos o maior responsável pelos acidentes de trabalho no país é o industrial. Dentro desse setor, a indústria metalúrgica e a metalmecânica se destacam pela proporção de afastamentos decorrentes de acidentes e agravos relacionados ao trabalho.
OBJETIVO: Analisar os riscos ocupacionais existentes e o perfil associado aos acidentes de trabalho ocorridos em uma indústria do setor metalmecânico no período 2007 a 2015.
MÉTODOS: Estudo transversal, realizado em indústria a partir das análises dos dados das comunicações de acidentes de trabalho (CAT) emitidas pela empresa.
RESULTADOS:
O perfil sociodemográfico e ocupacional predominante dos acidentados na indústria estudada foi o trabalhador do sexo masculino, entre 18 e 29 anos, caucasiano, casado ou em união estável, com nível superior incompleto, soldador/montador e com menos de 5 anos de serviço. As lesões mais frequentes produzidas pelos acidentes ocorridos no período estudado foram: fraturas, luxações, distensões, contusões, escoriações, cortes e amputações; e os agentes causadores mais comuns foram peças de metal. As maiores taxas de acidentes de trabalho ocorreram nos anos de 2008 e 2012, anos associados a períodos de recessão econômica que atingiram o setor metalmecânico.
CONCLUSÃO: Os registros de acidentes estudados, no qual predominaram os afastamentos por mais de 15 dias, para além da indicação de um setor com perfil de riscos de acidentes graves, podem expressar uma estratégia seletiva patronal, que optou pela omissão do registro dos acidentes de menor gravidade.

Palavras-chave: medicina do trabalho; traumatismos ocupacionais; saúde do trabalhador.

ABSTRACT

BACKGROUND: Work accidents affect more than 700,000 workers in Brazil each year. Among the three economic sectors, industry is the one that contributes with most work accidents in the country. Metallurgical and metal-mechanic companies stand out within this sector as a function of the frequency of leaves resulting from work-related accidents and illnesses.
OBJECTIVE: To analyze the occupational profile and hazards associated with work accidents at a metal-mechanic company for the period from 2007 to 2015.
METHODS: Cross-sectional study that analyzed data available in work accident report forms issued by the employer.
RESULTS: The sociodemographic and occupational profile predominantly associated with work accidents at the investigated company included: male gender, age 18 to 29 years old, white people, married or in stable union, with incomplete higher education, welders/assemblers and less than 5 years of work at the company. The most frequent types of injuries caused by accidents were fractures, dislocations, strains, contusions, excoriations, cuts and amputations. The most common causative agents were metal parts. The highest accident rates corresponded to 2008 and 2012, in which years economic recession hit the metal-mechanic segment.
CONCLUSION: In addition to pointing to an economic sector with a high-risk work accident profile, the analyzed work accidents — the predominant consequence of which was leave for more than 15 days — might express a selective strategy from the company, which chose not to record less serious accidents.

Keywords: occupational medicine; occupational injuries; occupational health.

INTRODUÇÃO

Os acidentes de trabalho (AT) e as suas consequências causam inúmeras vítimas anualmente, e além de atingirem a atividade laboral, produzem impactos significativos sob o ponto de vista econômico, social e ambiental1. No entanto, a falta de dados e de discussão em âmbito mundial e especialmente no Brasil faz com que a segurança e a saúde dos trabalhadores não tenham a prioridade que merecem2.

De acordo com estimativas da Organização Internacional do Trabalho, anualmente ocorrem 317 milhões de AT em todo o mundo. Diariamente, os acidentes e doenças relacionadas ao trabalho produzem 6.300 vítimas fatais, o que significa que 2,3 milhões de trabalhadores morrem em decorrência do trabalho todos os anos3. Como acidentes e mortes no âmbito do trabalho podem ser evitados com medidas preventivas e maior segurança, esses números dão uma ideia do tamanho da iniquidade social que caracteriza as relações de trabalho em escala global4.

No Brasil, a população economicamente ativa, em agosto de 2015, era constituída por aproximadamente 100 milhões de brasileiros. Os homens representavam cerca de 58% e as mulheres, 42% do conjunto da força de trabalho que desenvolvia atividades em distintos setores da economia5. Do total de trabalhadores inseridos na economia do país, estima-se que cerca de 18,7 milhões são trabalhadores informais, não possuindo qualquer proteção social e trabalhista6. A subnotificação de AT no Brasil é um fenômeno já confirmado e atinge proporção significativa dos trabalhadores formalizados7. Dados de recente pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base em ocorrências de 2013, indicaram que para cada acidente notificado ou reconhecido pela Previdência Social brasileira, outros sete ocorreram sem qualquer registro8.

É necessário reconhecer que o crescimento do número absoluto dos AT registrados no Brasil foi acompanhado, ao mesmo tempo, pela redução das taxas de incidência de acidentes e doenças ocupacionais na última década9. Porém, comparativamente com outros países, ainda estamos com estatísticas alarmantes, mostrando a precariedade das condições de trabalho, a baixa efetividade da fiscalização e a impunidade decorrente da pequena responsabilização dos empregadores pela segurança dos ambientes de trabalho10.

Entre os três setores da economia, o maior responsável pelos AT no país é o industrial. Dentro desse setor, a indústria metalmecânica é responsável por contribuição importante nos indicadores de AT9. Dados divulgados em janeiro de 2015, pelo Anuário Estatístico do Ministério da Previdência e Assistência Social correspondentes ao ano de 2013, indicaram que no Brasil foram registrados cerca de 717,9 mil AT no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)11. Quase a metade desses acidentes relacionados com o trabalho (45,1%) ocorreu no setor secundário da economia. A taxa de incidência de acidentes na indústria (28,8/mil trabalhadores) foi duas vezes maior do que a observada entre os trabalhadores de todos os setores (14,8/ mil trabalhadores)9.

O setor metalmecânico apresentou maior crescimento nos últimos anos, em especial nas Regiões Sul e Sudeste12. Esse complexo representa um terço do total do segmento industrial, e 35,2 % do produto interno bruto industrial do Brasil13. Apesar da crise econômica mundial de 2008 ter afetado negativamente o setor, com redução do número de empregos e diminuição das exportações em 2009, ele contribuiu no mesmo ano com 24,4% das exportações do estado de Santa Catarina. A crise mais recente, de 2015, também repercutiu negativamente na dinâmica do setor, mas seu impacto ainda não foi exatamente dimensionado14.

Os fatores de risco para a segurança e saúde dos trabalhadores do complexo metalmecânico possuem forte relação com as diferentes modalidades de gestão de trabalho e de produção. As exigências físicas, cognitivas e psíquicas no ambiente de trabalho podem, quando superada a capacidade de recuperação dos trabalhadores, expressar-se como doença12. A falta de uma organização laboral padronizada e relacionada com a capacidade de produção e com os recursos disponíveis, que em geral é influenciada pelas exigências do mercado, normalmente alteram o ritmo de produção, determinando mudanças na organização do trabalho, com ampliação dos riscos ambientais e psicossociais relacionados ao labor15.

Partindo dessas premissas, que dão uma dimensão da relevância desse setor econômico para o desenvolvimento do estado e do país, assim como da magnitude dos riscos existentes nos processos produtivos e que ameaçam a saúde e a segurança dos trabalhadores ali inseridos, esse estudo foi elaborado com o propósito de analisar os principais fatores de risco associados aos AT em uma indústria metalmecânica de grande porte e os seus impactos sobre a saúde dos trabalhadores.

 

MÉTODOS

Estudo observacional com delineamento transversal, com análise de dados secundários cujas fontes foram as comunicações de AT emitidas pela empresa estudada e obtidas por consulta aos arquivos e documentos da própria corporação. A pesquisa foi realizada em uma indústria do setor metalmecânico localizada na macrorregião sul do estado de Santa Catarina, Brasil, que foi considerada pela Revista Exame uma das mil maiores empresas do Brasil, sendo a terceira em seu segmento no país.

A população deste estudo incluiu dados de todos os trabalhadores da empresa com vínculo formal entre os anos de 2007 e 2015, que no período investigado sofreram AT registrados pela companhia. Para o cálculo das taxas médias de acidentalidade da indústria no período observado, foi utilizado o número médio de trabalhadores com vínculo em cada ano investigado (nMÁX=2.052 e nMín=560). Foram incluídos na pesquisa todos os trabalhadores que sofreram AT por qualquer motivo e tiveram emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) no citado período.

Este trabalho foi efetuado por censo documental em todas as CATs emitidas pela empresa de 2007 a 2015. A coleta de dados foi executada por meio de pesquisa nas bases de dados da empresa após autorização dos responsáveis pela sua guarda, e os registros de interesse para a pesquisa foram inseridos em planilha eletrônica organizada pela autora e gerada no programa Microsoft® Excel para posterior exportação e análise estatística.

Após o término da coleta, os dados foram registrados em uma planilha do Programa EpiInfo® versão 3.5.4 e analisados no Programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS)® versão 20.0. O nível de significância adotado foi menor do que 5% (p<0,05). As variáveis foram descritas por meio de médias e desvio padrão (DP) para as variáveis numéricas, e das suas frequências relativas para as variáveis categóricas. Para a associação das variáveis categóricas foi utilizado o teste do qui-quadrado. Para a comparação de médias foi utilizado o teste de análise de variância (ANOVA).

Conforme a Resolução nº 466/2012, sobre pesquisa envolvendo seres humanos, instituída pelo Conselho Nacional de Saúde, a coleta de dados foi realizada apenas após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade do Sul de Santa Catarina, ao projeto submetido sob o protocolo CAAE 55655016.4.0000.5369 e aprovado sob registro do parecer número 1.553.563.

Foi solicitada autorização da instituição, que tem guarda legal dos dados dos trabalhadores, para acesso aos arquivos e documentos pertinentes pelos pesquisadores.

Não foram utilizados dados de identificação para a produção e o armazenamento das informações coletadas, buscando-se a proteção da confidencialidade das mesmas e a preservação do anonimato dos trabalhadores. Isso foi feito de forma codificada pelos pesquisadores, reduzindo o risco de identificação dos sujeitos de pesquisa.

Os dados obtidos tiveram objetivo unicamente acadêmico e científico, e os autores se comprometeram com a empresa em manter o sigilo em relação à sua identificação e localização.

 

RESULTADOS

O número de funcionários na indústria estudada foi variável nos anos analisados, com uma média de 1.277 funcionários no período. O presente estudo foi composto de 437 trabalhadores que sofreram AT na indústria examinada entre os anos de 2007 e 2015.

A distribuição absoluta e proporcional dos acidentados segundo as variáveis sociodemográficas estudadas encontra-se na Tabela 1.

 

 

A Tabela 1 apresenta a distribuição absoluta e proporcional das variáveis sociodemográficas dos acidentados da indústria estudada. A faixa etária mais acometida foi a dos trabalhadores entre 18 e 29 anos, que concentrou 62,5% dos acidentes. Como esperado, a maioria era do sexo masculino (94,7%). Em relação à etnia, o maior número de AT ocorreu entre caucasianos (88,8%). Os AT ocorreram em maior quantidade em trabalhadores com escolaridade superior incompleta (33,6%). Quanto ao estado civil, os casados ou em união estável apresentaram maior frequência de acidentes (57,7%). A função com maior prevalência de acidentes foi a de soldador/montador (46,9%). Os AT ocorreram em maior quantidade em trabalhadores com 1 a 5 anos de tempo de serviço (51,0%), e em menor frequência nos colaboradores com mais de 10 anos de empresa (0,7%).

A Tabela 2 mostra o número total de trabalhadores da empresa por ano, e a distribuição dos AT no período estudado.

 

 

A Tabela 2 indica que as maiores taxas de AT ocorreram em 2012 (n=97), envolvendo 55,7% dos trabalhadores empregados na indústria analisada; em 2008 os AT envolveram 53,0% dos trabalhadores. Considerando-se o percentual de acidentes em relação ao total de trabalhadores empregados em cada ano, houve tendência de redução do risco de acidentes nos três últimos anos examinados.

A Tabela 3 mostra a distribuição absoluta e proporcional das características dos AT ocorridos na indústria pesquisada.

 

 

Em relação ao tipo/motivo dos acidentes registrados, o típico foi o mais comumente encontrado, com taxa de 301,48 em relação ao total de empregados. A consequência mais frequente foi o afastamento por mais de 15 dias, com 59,5% do total (n=259). Houve afastamento permanente em dois casos (0,5%).

Considerando o resultado dos cruzamentos realizados entre as variáveis de interesse para a pesquisa, foi possível estabelecer que a função exercida apresentou significância estatística quando associada com o tipo de acidente registrado.

O tempo de serviço também obteve significância estatística quando cruzado com as consequências dos acidentes, indicando que os trabalhadores menos experientes tiveram mais chances de envolvimento em acidentes mais graves.

Analisando a Tabela 4, observamos que a razão de prevalência (RP) e o intervalo de confiança de 95% (IC95%) indicaram que os trabalhadores com tempo de serviço menor do que 1 ano tiveram risco 30% maior de afastamento por mais de 15 dias, quando comparados com trabalhadores com tempo de serviço superior a 1 ano (RP=1,29; IC95% 1,11–1,50; p=0,0015). Os trabalhadores do sexo masculino tiveram uma prevalência 50% maior de afastamentos com tempo superior a 15 dias (RP=1,53; IC95% 0,93–2,56; p=0,048).

 

 

 

DISCUSSÃO

Com os resultados apresentados, observamos que os trabalhadores do sexo masculino sofreram mais AT em relação ao sexo feminino (94,70% versus 5,30%, respectivamente). Um fator que contribuiu para tal achado foi o fato de a grande maioria dos trabalhadores da indústria metalmecânica analisada ser do sexo masculino. Segundo estudo que analisou AT ocorridos na indústria metalúrgica e metalmecânica do Rio Grande do Sul entre os anos de 1996 e 1997, os homens participaram de 90,30% dos acidentes, enquanto o sexo feminino respondeu por 9,38% dos acidentes investigados. O Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco chegou a números semelhantes aos encontrados, utilizando análise de CATs. Nesse estudo, 90,45% dos acidentes ocorreram com o sexo masculino16.

No trabalho aqui apresentado, os colaboradores de etnia caucasiana acidentados apresentaram forte predominância em relação aos não caucasianos (88,8% e 11,2%, respectivamente). A explicação para tal fato advém da localização da indústria estudada, onde predominou a colonização europeia, principalmente a italiana e a alemã. Estudos semelhantes, em outros estados como a Bahia, apresentaram resultados praticamente inversos, caucasianos representando 12,1% e não caucasianos, 87,9%17.

A faixa de idade dos trabalhadores que mais sofreram AT no estudo foi a de 18 a 29 anos (62,5%). Uma pesquisa feita em metalúrgicas de Presidente Médici, Rondônia, revelou dados parecidos: a maioria dos acidentes ocorreu com jovens entre 23 e 30 anos18. Outro trabalho envolvendo indústrias metalmecânicas do Rio Grande do Sul encontrou acidentados com média de idade entre 26 e 30 anos16. Entre os fatores que podem contribuir para a maior incidência de acidentes em trabalhadores mais jovens estão a inexperiência profissional e o relativo destemor dos jovens quando colocados em situações de risco.

Neste artigo, os AT aconteceram mais com colaboradores casados ou em união estável (57,70%), resultado semelhante ao encontrado entre os trabalhadores do setor metalmecânico do Rio Grande do Sul, em que casados participaram de 64,32% dos acidentes registrados16. O nível de escolaridade mais prevalente entre os acidentes examinados foi o superior incompleto (33,60%). Resultados diferentes foram achados em artigos semelhantes, que encontraram a predominância de escolaridade baixa (ensino fundamental incompleto) entre os acidentados (50,00%)17. O resultado descoberto aqui pode ser explicado pelo fato de a indústria investigada possuir um programa reconhecido nacionalmente de incentivo à alfabetização, com aulas na própria indústria e a oferta de bolsas de incentivo para os trabalhadores com interesse em cursar o ensino superior, além do período mais recente de coleta, que expressou o aumento da escolaridade geral ocorrido na última década no país.

Os AT foram mais frequentes em trabalhadores com tempo de serviço de 1 a 5 anos (51%). Resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos. Na região de São José do Rio Preto, São Paulo, análise concretizada entre 2008 e 2013 verificou que os trabalhadores com tempo de serviço entre 1 e 5 anos fizeram parte do grupo mais prevalente entre os acidentados (25,9%)19, semelhante ao exame realizado em Fortaleza, Ceará, que identificou o grupo de trabalhadores com 2 a 7 anos de trabalho como o envolvido em 24,0% dos acidentes20. A função com maior número de AT na indústria pesquisada foi a de soldador/montador, representando 46,9% do total. O processo de soldagem é de grande importância na indústria metalmecânica e considerado de grande risco para os trabalhadores nessa função, que a executam às vezes em condições de estresse físico e emocional, além da pressão exercida pela exposição a outros riscos, caso dos agentes físicos, químicos, biológicos e ergonômicos21.

O dia da semana em que ocorreram mais acidentes foi a quinta-feira (22,2%), fato que pode ser explicado pela aproximação com o fim de semana e pelo efeito cumulativo do estresse emocional e físico decorrentes da atenção e do ritmo de trabalho aumentados desde o início da semana. Essa hipótese é reforçada pela frequência elevada (19,0%) de acidentes nas sextas-feiras, apesar da implantação, pela indústria analisada, de jornada de trabalho reduzida em uma hora em comparação com outros dias da semana.

O motivo de acidente com maior frequência no presente estudo foi o típico (88,0%). Este ocorre no exercício da atividade profissional desempenhada pelo colaborador. Pesquisa realizada na região de São José do Rio Preto, São Paulo, evidenciou que muitos dos acidentes ocorridos foram acidentes típicos (65,8%)19. Outro exame, elaborado a partir de registros oficiais do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) de Botucatu, São Paulo, entre os anos de 2009 e 2011, mostrou resultados semelhantes, em que 98,3% dos acidentes com CAT registrada foram classificados como típicos22. Neste artigo, as lesões mais frequentemente encontradas foram as contusões, escoriações, cortes e amputações, responsáveis por 43,1% dos acidentes registrados no período, seguidas pelas fraturas, luxações e distensões, com 42,7%. As contusões mais observadas entre os acidentados no setor metalmecânico do estado do Rio Grande do Sul, segundo os dados levantados das CATs, também foram os ferimentos corto-contusos (23,6%), enquanto as fraturas representaram 9% das lesões no período21. Nas indústrias do setor metalúrgico no município de Presidente Médici, Rondônia, as queimaduras tiveram maior destaque (45,0%), seguidas pelos cortes (32,0%)18.

As partes do corpo mais atingidas na investigação feita no sul de Santa Catarina foram as mãos e dedos (43,0%). Estudo, realizado em Fortaleza, Ceará, de 2008 a 2012, mostrou as mãos como a parte do corpo mais atingida, em 63,2% dos casos20. Em outro exame, realizado em São José do Rio Preto, São Paulo, sobre AT entre 2008 e 2013, as mãos também foram mais afetadas (22,7%), seguida pelos membros superiores, com 20%22. Investigação efetuada em Curitiba, Paraná, sobre retorno ao trabalho de colaboradores que sofreram lesão em dedos, revelou que a maioria foi reinserida na função que exercia anteriormente, porém apresentou dificuldades na execução das atividades23. A situação geradora de quase metade dos acidentes estudados em Santa Catarina foi o impacto (46,0%). Um estudo analisando os AT na indústria metalmecânica do Rio Grande do Sul também apresentou os impactos (29,3%) como a situação geradora mais frequente19.

O agente causador mais frequente dos acidentes registrados foi o metal/ferro (33,6%), seguido por equipamentos manuais (15,3%). Pesquisas em outras indústrias metalmecânicas no estado do Rio Grande do Sul, entretanto, apresentaram o ruído e as lesões por esforços repetitivos/ distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (LER/ DORT), seguidos por lesões por barras de ferro, máquinas e ferramentas (29,82%) como os agentes causadores mais frequentes dos acidentes ocorridos16. Uma característica comum a ambos os estudos foi a grande quantidade de elementos causadores dos acidentes presentes no ambiente de trabalho, demonstrando que o local de labor na indústria metalmecânica é de alto risco. Entretanto, as diferenças mais significativas entre os dois estudos foram o caráter de observação independente do estudo gaúcho, enquanto o estudo de Santa Catarina se ateve à análise dos registros patronais, cujo resultado foi a constatação da hipervalorização dos acidentes e traumas em relação às doenças ocupacionais, uma característica regressiva associada ao padrão de subnotificação predominante, quando somente são registrados os acidentes mais graves.

A consequência mais frequentemente encontrada aqui foi a de afastamento por período maior do que 15 dias, responsável por 59,5% de desfechos dos acidentes, seguido pelos com afastamento menor do que 15 dias (26,4%). Os desligamentos permanentes ocorreram em 0,5% dos casos. Uma análise de AT realizada em Botucatu, São Paulo, entre 2009 e 2011, verificou a necessidade de distanciamento do trabalho em 73,1% dos casos, porém, a necessidade de internação ocorreu somente em 1,9% dos casos22. Estudo efetivado em indústrias metalmecânicas do Rio Grande do Sul verificou números semelhantes, com a necessidade de afastamento em 74,31% dos casos19. Outro exame realizado com trabalhadores de frigoríficos submetidos ao Programa de Reabilitação Profissional, entre 2007 e 2008, apresentou tempo de desligamento médio maior do que 15 dias. Esse estudo evidenciou que o tempo de afastamento foi coerente com o grau de incapacidade apresentado, ou seja, quanto maior o tempo de distanciamento do trabalho, maior foi a impossibilidade de retorno ao mesmo24. A predominância dos afastamentos mais prolongados em Santa Catarina, de certa forma, confirma o caráter seletivo dos registros, já que o achado mais razoável, no caso de registro fidedigno dos acidentes ocorridos, seria a preponderância dos acidentes sem ou com afastamento por poucos dias.

As crises econômicas geram inúmeros prejuízos, não somente na esfera econômica, mas também na qualidade de vida da população em geral. Mesmo sem a possibilidade de uma associação inequívoca, não é descabida a hipótese de que há uma relação inversa entre as condições macroeconômicas e a saúde25. A crise econômica, provocada pelo estouro de uma bolha especulativa no setor imobiliário nos Estados Unidos da América, em 2007, atingiu rapidamente todo o mercado em escala global. Estudo realizado na Espanha, durante o período de 2000 a 2009, verificou que no período de desaceleração econômica o índice de incidência do número de lesões nesse país diminuiu, diferentemente do presente trabalho26. Esse fato pode ser explicado, na Europa, pelo aumento da taxa de desemprego e diminuição do número de trabalhadores assalariados, com redução da exposição ao risco. Porém, o aumento da informalidade pode ter elevado a subnotificação dos AT, e a certeza de proteção social eficaz de certa forma reduz o estresse dos trabalhadores ameaçados de demissão. Aqui observou-se o aumento da taxa de AT em 2012 e 2008, sendo esses também os anos que se caracterizaram por crises econômicas com impacto significativo sobre a indústria metalmecânica brasileira. Esse fato pode estar relacionado ao aumento do estresse relacionado à instabilidade no emprego. Estudo realizado no Uruguai também correlacionou os AT, a diminuição na qualidade de vida do trabalhador e a síndrome de Burnout27 aos níveis de estresse decorrentes do medo da perda do emprego entre outros aspectos da crise econômica.

As maiores limitações encontradas durante a execução desta pesquisa foram as referentes à qualidade das bases de dados analisadas, com o preenchimento incompleto de campos de interesse para a investigação, obrigando a exclusão de alguns participantes. Esse achado reforça a necessidade de conscientização dos profissionais notificantes quanto à importância do preenchimento correto da CAT, considerando a indiscutível relevância desses registros para o conhecimento da realidade da saúde e da segurança no trabalho.

 

CONCLUSÃO

Com o estudo realizado ficou evidenciado que o perfil do acidente predominante nessa indústria foi o de acidente típico, com fratura, entorse, contusão, escoriação ou distensão, atingindo as mãos e dedos ou os membros inferiores, causados por impacto de peças de metal e ferro, ocorrido em uma terça ou quinta-feira e que teve como consequência mais frequente o afastamento por mais de 15 dias.

O tempo de serviço menor que um ano foi associado ao risco de acidentes mais graves e a função exercida ligada estatisticamente ao tipo de acidente sofrido. Os trabalhadores do sexo masculino tiveram 50% mais chances de se acidentar do que as trabalhadoras.

Os resultados obtidos indicaram que o predomínio de acidentes mais graves e com tempo de afastamento do trabalho maior do que 15 dias pode estar associado a opções patronais pela subnotificação de acidentes de menor gravidade, situação que não é um fenômeno circunscrito à empresa estudada e que só poderá ser revertido em curto prazo com a fiscalização mais efetiva dos ambientes laborais.

 

REFERÊNCIAS

1. Gonçalves CGO, Dias A. Three years of work-related accidents in a metallurgic plant: ways to its understanding. Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Tuiuti do Paraná. Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista. Ciênc Saúde Colet. 2011;16(2):635-46. http://dx.doi.org/10.1590/ S1413-81232011000200027

2. Galdino A, Santana VS, Ferrite S. Workers’ health referral centers and reporting of work-related injuries in Brasil. Cad Saúde Pública. 2012;28(1);145-59. http://dx.doi.org/10.1590/ S0102-311X2012000100015

3. Organizacion Internacional del Trabajo. Seguridad y salud en el trabajo [Internet]. [acesso em 28 abr. 2015]. Disponível em: http://www.ilo. org/global/topics/safety-and-health-at-work/lang--es/index.htm

4. Mascarenhas DE, Freitas MG, Monteiro RA, Da Silva MMA, Malta DC, Gómez CM. Emergency room visits for work-related injuries: characteristics and associated factors – Capitals and the Federal District, Brazil, 2011. Ciênc Saúde Colet. 2015;20(3);667-78. http:// dx.doi.org/10.1590/1413-81232015203.16842014

5. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Diretoria de Pesquisas. Coordenação de Trabalho e Rendimento. Pesquisa Mensal de Emprego [Internet]. [acesso em 24 out. 2015]. Disponível em: https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/ trabalhoerendimento/pme_nova/default.shtm

6. Mesquita EC. Mapa da ilegalidade: as relações de trabalho sem carteira assinada. Fortaleza: IDT; 2015. 81 p.

7. Brasil. Ministério da Saúde. Trabalhar, sim! Adoecer, não! Relatório da III Conferência Nacional em Saúde do Trabalhador [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde, 2011 [acesso em 26 out. 2015]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/Relatorios/ trabalhar_sim_adoecer_nao.pdf

8. Lorenzi RL, Maia ALS, Saito CA, Oliveira JA, Bussacos MA, Maeno M, et al. Accidents at work in Brazil in 2013 – comparison between selected data within two data sources: IBGE National Household Health Survey and Statistical Yearbook of the Social Security (by Ministry of Social Welfare). Brasília, 2015. DOI: 10.13140/ RG.2.1.2333.4886

9. Serviço Social da Indústria. Panorama em Segurança e Saúde no Trabalho na Indústria: Brasil e Unidades da Federação 2004: setor de metalurgia básica e metalmecânica [Internet]. Brasília, 2011 [acesso em 1º nov. 2015]. Disponível em http://www.sesipr.org.br/ uploadAddress/Serie%20panorama%20da%20seguranca%20e%20 saude%20no%20trabalho%20no%20brasil_setor_de_metalurgia_ metal_arquivo[33366].pdf

10. Almeida FS, Morrone LC, Ribeiro KB. Trends in incidence and mortality due to occupational accidents in Brazil, 1998‑2008. Cad Saúde Pública. 2014;30(9):1957-64. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00009213

11. Brasil. Ministério da Previdência Social. Anuário estatístico de acidentes de trabalho [Internet]. 2013 [acesso em 26 out. 2016]. Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/?p=63362

12. Veiga RAR, Xavier EA, Lenzi FC. Uma análise do processo produtivo e das condições ergonômicas do trabalho na Mefaro Indústria Metalmecânica. Rev Ciênc Exatas Tecnol. 2012;7(7):97-106.

13. Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul. Indicadores industriais Rio Grande do Sul [Internet]. 2013 [acesso em 17 out. 2016]. Disponível em http://www.fiergs.org.br/sites/default/files/08_ boletim_dos_indicadores_industriais_do_rs_agosto_2013.pdf

14. Grapeggia M, Ferreira C, Douglas L. Santa Catarina em Números: metalmecânico / Sebrae/SC. Florianópolis: Sebrae/SC; 2010.

15. Fernandes RCP, Assunção AA, Carvalho FM. Mudanças nas formas de produção na indústria e a saúde dos trabalhadores. Ciên Saúde Colet. 2010;15(suppl. 1). http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232010000700068

16. CF Goldman. Análise de acidentes de trabalho ocorridos na atividade da indústria metalúrgica e metalmecânica no estado do Rio Grande do Sul em 1996 e 1997. Breve interligação sobre o trabalho do Soldador. Porto Alegre: UFRGS; 2002.

17. Santana VS, Xavier C, Moura MCP, Oliveira R, Espírito-Santo JS, Araújo G. Severity of occupational injuries treated in emergency services. Rev Saúde Pública. 2009;43(5):750-60. http://dx.doi. org/10.1590/S0034-89102009005000061

18. Nascimento JKM. Riscos ambientais causadores de acidentes de trabalho no setor produtivo de metalúrgicas em Presidente Médici [trabalho de conclusão de curso] [Internet]. Cacoal: Universidade Federal de Rondônia; 2016 [acesso em 17 abr. 2017]. Disponível em: http://www.ri.unir.br/jspui/handle/123456789/1471

19. Cardoso MG, Romero LO, Bacchi ZC, Eid VRT, Beretta D, Jericó MC. Caracterização das ocorrências de acidentes de trabalho graves. Arq Ciênc Saúde. 2016;23(4);83-8.

20. Monteiro PP. Perfil clínico-epidemiológico dos trabalhadores que sofreram acidentes de trabalho graves notificados no município de Fortaleza [dissertação]. Fortaleza: Universidade de Fortaleza; 2013.

21. Dias TMA, Araújo GV. Percepção dos trabalhadores de soldagem em relação à exposição aos riscos de acidentes no local de trabalho. Rev Enferm Contempor. 2015;4(1):49-55. http://dx.doi. org/10.17267/2317-3378rec.v4i1.468

22. Molina AC, Lima MAF, Fressatti WL, Pilan Neto CA, Caldas Junior AL, Lima SAM. Notificações de Acidentes de Trabalho em CEREST de Botucatu-SP. R. Laborativa. 2016;5(1):64-79.

23. Simonelli AP, Jackson Filho JM, Schneider BRL, Machado DE. Retorno ao trabalho de trabalhadores com amputação de dedos. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2016;27(2):138-45. http://dx.doi.org/10.11606/ issn.2238-6149.v27i2p138-145

24. Sardá Junior JJ, Kupek E, Cruz RM. Preditores biopsicossociais de incapacidade física e depressão em trabalhadores do setor de frigoríficos atendidos em um programa de reabilitação profissional. Acta Fisiatr. 2009;16(2):76-80. http://dx.doi. org/10.5935/0104-7795.20090002

25. Ruhm CJ. Are recessions good for your health? Quart J Econ. 2000;115;617-50. DOI: 10.3386/w5570

26. Fuente VS, López MA, González IF, Alcántara OJ, Ritzel DO. The impact of the economic crisis on occupational injuries. J Safety Res. 2014;48;77-85. https://doi.org/10.1016/j.jsr.2013.12.007

27. Tomasina F. Los problemas en el mundo del trabajo y su impacto en salud. Crisis financiera actual. Rev Salud Pública. 2012;14:56‑67. https://doi.org/10.1590/S0124-00642012000700006

Recebido em 24 de Agosto de 2017.
Aceito em 5 de Fevereiro de 2018.

Fonte de financiamento: nenhuma


© 2024 Todos os Direitos Reservados