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RESUMOS EXPANDIDOS DE APRESENTAÇÕES DE CONVIDADOS

LIDANDO COM AS LONGAS JORNADAS DE TRABALHO EM TURNOS NA MINERAÇÃO: DESAFIOS E POSSÍVEIS INTERVENÇÕES

DEALING WITH LONG SHIFT WORKING HOURS IN MINING: CHALLENGES AND POSSIBLE INTERVENTIONS

Frida Marina Fischer1

DOI: 10.5327/Z16794435201816S1015

O trabalho em turnos é um importante estressor biológico e social. Milhares de publicações científicas ao longo destas últimas cinco décadas não deixam dúvidas sobre as associações entre o trabalho em turnos e os efeitos negativos na saúde e no trabalho. Uma consulta à base Pubmed confirma a imensa literatura científica a respeito do tema.

O trabalhador em turnos vive em função da sua escala de trabalho. É frequentemente excluído, ainda que parcialmente, do convívio social e da sociedade ao redor. A fadiga crônica e a sonolência excessiva são frequentemente percebidas pelos trabalhadores. São decorrentes das dificuldades em não conseguir se recuperar dos esforços físicos e mentais realizados no trabalho, não conseguir dormir o suficiente e não ter boa qualidade de sono durante o dia, ou ainda, ter seu sono noturno reduzido pelo início muito cedo do trabalho no turno da manhã.

Os efeitos do trabalho em turnos se fazem notar inicialmente nas perturbações dos ritmos biológicos, na redução da duração do sono, em manifestações de distúrbios de sono e nas dificuldades em conciliar atividades de trabalho e vida sociofamiliar. Há na literatura extenso número de publicações sobre doenças crônico-degenerativas associadas ao trabalho em turnos e noturno. Há revisões sobre o assunto1-3 e muitos outros autores têm conduzido grandes estudos epidemiológicos e revisões sistemáticas sobre este assunto.

O maior tempo de exposição traz maiores riscos para o desenvolvimento e agravamento de várias doenças crônico-degenerativas. As diferenças individuais, as condições de trabalho, incluindo as escalas de trabalho em turnos, são importantes mediadores dos efeitos à saúde, do desempenho no trabalho e da ocorrência (ou não) de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho.

Agravam-se os efeitos em função das cargas de trabalho físico e mental, presença ou não de pausas e sua duração intra e interjornadas4. Ao longo das noites de trabalho, em função da redução da duração do sono ocorre uma progressiva sonolência e, frequentemente, cochilos involuntários. Este quadro pode piorar com crescentes débitos de sono, ao longo das noites de trabalho5. O risco de acidentes do trabalho associados à sonolência aumenta com o aumento do número de noites consecutivas de trabalho, com a duração da jornada e a ausência ou insuficiência de pausas. Quanto maior o número de noites, provavelmente maior o débito acumulado de sono.

Revisão sistemática publicada em 20116, comparando turnos de 8, 12 e acima de 12 horas diárias, mostrou que jornadas prolongadas e o trabalho em turnos e noturno aumentam o risco de acidentes. Recente revisão e meta-análise onde foram comparados vários estudos mostrou que os maiores riscos de acidentes do trabalho ocorrem quando há insuficientes pausas, ou quando estas são muito curtas (menores que 30 minutos), quando há jornadas prolongadas acima de 11 horas diárias e mais que 3 noites consecutivas de trabalho7.

 

JORNADAS DE TRABALHO PROLONGADAS: O EXEMPLO DA MINERAÇÃO

Jornadas com trabalho em turnos que apresentam longa duração do trabalho diário (acima de 8 h/dia) têm sido muito utilizadas em alguns segmentos produtivos na Europa, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Brasil, entre outros países.Em particular, estas jornadas têm sido implantadas em atividades de mineração, que se situam longe de áreas urbanas. É frequente que os trabalhadores realizem jornadas acima de 8 horas diárias, frequentemente 12 horas, e permaneçam em alojamentos próximos às atividades de extração/refino e transporte do minério. A semana comprimida de trabalho que inclui longas jornadas diárias pode vir a facilitar aqueles que teriam um longo tempo de transporte para chegar ao trabalho e retornar à residência.

Entretanto, há importantes controvérsias entre os autores especializados sobre a adoção de turnos de trabalho diários mais prolongados. Embora sejam atraentes por permitirem maior número de dias de folga em cada ciclo, pois a semana de trabalho fica comprimida, há necessidade de um estrito controle dos estressores ambientais e ocupacionais para impedir que os trabalhadores tenham exposições excessivas aos vários agentes nocivos presentes nos ambientes de trabalho. No caso da mineração ocorrem simultâneas exposições de várias naturezas. Fletcher (2010) comenta sobre os múltiplos estressores presentes nas operações de mineradoras associados à fadiga: as cargas de trabalho, o desconforto térmico, as dificuldades de sono, as condições de vida8.

Há uma questão importante que diz respeito aos limites de exposição ocupacional (LEOs): estes não diferenciam jornadas diurnas das noturnas. Porém, dada as modificações que ocorrem nos ritmos biológicos e, particularmente nos mecanismos de desintoxicação após exposições ocupacionais, os trabalhadores são mais vulneráveis a agentes químicos, físicos e biológicos quando trabalham em turnos não diurnos. Este problema se agrava com extensas jornadas diárias, como as que usualmente ocorrem na mineração.

A metabolização de substâncias tóxicas se faz de forma menos eficiente durante o trabalho noturno, comparado com o diurno, agravando os efeitos das exposições ocupacionais. Uma publicação recente aponta as lacunas na prática da higiene industrial e do monitoramento biológico, e de forma correta estabelecer limites de tolerância ocupacional para trabalhadores que se encontram em situação de trabalho não-diurno e em jornadas prolongadas9.

Segundo esses autores:

"....devido ao lento e usualmente incompleto ajuste da estrutura temporal circadiana que ocorre entre os trabalhadores em turnos, incluindo os trabalhadores de turnos noturnos fixos, as exposições ocupacionais a agentes químicos e outros contaminantes ocorrem em diferentes momentos dos ritmos circadianos para os trabalhadores noturnos, comparados aos diurnos. E por este motivo, a proteção para alguns dos limites de tolerância ocupacional pode ser insuficiente, especialmente em locais de risco à saúde" 9.

Têm-se aí um cenário complexo, onde não se conhecem os efeitos combinados das exposições ocupacionais múltiplas e não se adotam critérios de proteção dos limites de exposição ocupacional diferenciados para trabalhadores em turnos e diurnos.

 

POSSÍVEIS INTERVENÇÕES

Várias publicações têm informado sobre as possibilidades de intervenção para reduzir os efeitos negativos do trabalho em turnos. Uma recente revisão sobre o assunto apresenta várias medidas a serem adotadas ou reforçadas pelas empresas e pelos trabalhadores10. De forma não exaustiva, cita-se algumas destas medidas mencionadas neste artigo:

• Cochilos de curta duração, que ajudam a minimizar a sonolência excessiva;

• Refeições com alimentos que tenham baixo teor de gorduras, frutas e vegetais frescos, grãos integrais, produtos com baixo teor de açúcares estão entre as principais recomendações com relação à nutrição, especialmente a realizada durante à noite;

• Exposição à luz intensa à noite, para redução da sonolência, pode levar a modificações nos ritmos circadianos. Entretanto, esta medida deve ser cuidadosamente avaliada, pois sua eficácia depende de vários fatores, tais como: intensidade luminosa, esquema de trabalho em turnos, uso de protetor da exposição à luz após a jornada de trabalho, entre outras;

• Modificações de hábitos de vida, tais como a prática da atividade física regular, evitar o uso do tabaco, bebida alcoólica, entre outros);

• Escala de trabalho em turnos é o principal fator que leva às perturbações do sono, da sonolência excessiva, das desordens biológicas e dos efeitos no sono.

Modificações na escala de trabalho a partir de uma ampla participação de todos envolvidos no trabalho (os próprios trabalhadores em turnos e seus superiores) tem mostrado que a reorganização dos turnos de trabalho leva a efeitos positivos. Particularmente em empresas de mineração que adotam turnos de trabalho com 12 ou mais horas diária, as escalas devem ter menor número de noites consecutivas, várias pausas intrajornadas, além das pausas para as refeições. Durante as pausas os trabalhadores deverão ter locais onde possam descansar, inclusive cochilar nos momentos de maior sonolência (ao longo da madrugada e em alguns horários durante o dia). Também é importante o monitoramento da saúde dos trabalhadores com exames periódicos frequentes, especialmente no que diz respeito aos aspectos ligados ao sono e à sonolência excessiva, às questões cardiovasculares e metabólicas.

Praticar a equidade nos locais de trabalho é também garantir condições de trabalho saudáveis a todos os trabalhadores (diurnos e em turnos). No caso dos trabalhadores em turnos esta equidade nem sempre é alcançada. É necessário avaliar com cuidado novas tendências que surgem no mercado, como os turnos prolongados, sem descuidar que sejam tomadas cautelas necessárias. Na mineração, setor que abrange grandes empresas, as boas políticas de gestão de recursos humanos devem também incluir em suas pautas uma especial proteção à saúde das pessoas que permitem suas operações ao longo das 24 horas ininterruptas.

 

REFERÊNCIAS

1. Costa G. Shift work and health: current problems and preventive actions. Saf Health Work. 2010;1(2):112-123.

2. Tucker P, Folkard S. Working time, health and safety: a research synthesis paper. Conditions of work and employment series (31). Geneva: International Labour Office; 2012. Disponível em: <http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/@ed_protect/@protrav/@travail/documents/publication/wcms_181673.pdf>

3. Fischer FM, Moreno CRC, Rotenberg L. Trabalho em turnos e noturno: impactos sobre o bem-estar e saúde dos trabalhadores. Possíveis intervenções. In: Mendes R. (organizador). Patologia do trabalho, 3a Edição, São Paulo: Editora Atheneu; 2013.

4. Knauth P. Innovative working time arrangements. Scand J Work Environ Health. 1998; 24:13-17.

5. Akerstedt T. Sleepiness, alertness and performance. In: Cappuccio P, Miller MA, Lockley S. (Eds). Sleep, health and society. From aetiology to public health. Oxford: Oxford University Press; 2010.

6. Fischer D, Wagstaff AS, Sigstad Lie J-A. Shift and night work and long working hours − a systematic review of safety implications. Scand J Work Environ Health. 2011;37(3):173–185.

7. Lombardi DA et al. Updating the "Risk Index": a systematic review and meta-analysis of occupational injuries and work schedule characteristics. Chronobiol Int. 2017;34(10):1423-1438.

8. Fletcher A. Staying safe in the jungles of Borneo: five studies of fatigue and cultural issues in remote mining projects. Ind Health. 2010;48;406–415. Disponível em: <https://www.jstage.jst.go.jp/article/indhealth/48/4/48_MSSW-04/_pdf/-char/en>

9. Smolensky MH, Reinberg AE, Sackett-Lundeen L. Perspectives on the relevance of the circadian time structure to workplace threshold limit values and employee biological monitoring. Chronobiol Int. 2017;34(10):1439-1464.

10. Richter K et al. Prevention of fatigue and insomnia in shift workers—a review of non-pharmacological measures. EPMA Journal. 2016;7:16.


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