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ARTIGO ORIGINAL

Trabalhadores da saúde: risco cardiovascular e estresse ocupacional

Health workers: cardiovascular risk and occupational stress

Fernanda Oliveira Ulguim1; Jane Dagmar Pollo Renner1; Hildegard Hedwig Pohl1; Caio Fernando de Oliveira1; Guilherme Cassão Marques Bragança2

DOI: 10.5327/Z1679443520190302

RESUMO

INTRODUÇÃO: A atividade laboral pode trazer consigo profundo estresse físico associado à sobrecarga emocional sobretudo em trabalhadores no ambiente hospitalar.
OBJETIVO: Buscou-se identificar os fatores de risco para doenças cardiovasculares e estresse ocupacional em profissionais de um hospital de ensino.
MÉTODO: Trata-se de um estudo transversal, realizado com 45 trabalhadores de uma instituição de saúde filantrópica da região central do Rio Grande do Sul. A coleta de dados seguiu com base na premissa de avaliar variáveis antropométricas, pressão arterial, marcadores bioquímicos, indicadores de saúde e estresse ocupacional.
RESULTADOS: Dos participantes, 60,0% autorreferiram-se sedentários. A avaliação dos fatores de risco não modificáveis mostrou que 55,6% dos participantes apresentavam histórico familiar (pai e mãe) com hipertensão, 22,2% com infarto e acidente vascular cerebral e 13,3% com diabetes. Houve predominância dos indivíduos com sobrepeso ou obesidade no quesito índice de massa corporal (55,5%): 73,4% apresentaram relação cintura-quadril de moderado a alto risco para a saúde e 73,3% estavam com percentual de gordura acima do normal e tendência à obesidade. 71,1% dos avaliados apresentaram pressão arterial entre ótima e normal. Os marcadores bioquímicos apontaram 88,9% dos participantes apresentando colesterol total nas faixas limítrofe ou alta. Na avaliação do estresse ocupacional, 55,5% dos trabalhadores encontram-se no grupo de exposição intermediária.
CONCLUSÃO: Os resultados encontrados ressaltam a importância de políticas de saúde que incentivem a mudança do estilo de vida dentro e fora do trabalho, com impacto direto nas condições de saúde física e mental dos trabalhadores.

Palavras-chave: riscos ocupacionais; saúde do trabalhador; fatores de risco; doenças cardiovasculares; pessoal de saúde.

ABSTRACT

BACKGROUND: Work might cause severe physical stress associated with emotional overload, especially among hospital employees.
OBJECTIVE: To identify risk factors for cardiovascular diseases and occupational stress among employees of a teaching hospital.
METHOD: Cross-sectional study conducted with 45 employees of a philanthropic health institution in the central area of Rio Grande do Sul, Brazil. Data collection was performed to analyze anthropometric variables, blood pressure, biochemical markers and indicators of health and occupational stress.
RESULTS: 60.0% of the participants reported sedentary behavior. Analysis of non-modifiable risk factors showed that 55.6% of the sample had family history (mother and father) of hypertension, 22.2% of myocardial infarction and stroke and 13.3% of diabetes. Body mass index categories overweight and obesity predominated (55.5%); 73.4% of the sample was categorized as with moderate-to-high risk to health based on the waist-to-hip ratio; the body fat percentage was above normal or indicated tendency to obesity for 73.3% of the participants. About 71.1% of the sample exhibited excellent or normal blood pressure. Total cholesterol was high or borderline for 88.9% of the sample. On assessment of occupational risk, 55.5% of the participants were categorized as with intermediate degree of exposure.
CONCLUSION: The results point to the relevance of health policies to promote lifestyle changes in and outside the workplace with consequent impact on the physical and mental state of workers.

Keywords: occupational risks; occupational health; risk factors; cardiovascular diseases; health personnel.

INTRODUÇÃO

Importantes alterações na saúde da população mundial ocorreram nas últimas décadas, acentuando o impacto epidemiológico das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). Acrescentam-se a esse grupo as doenças cardiovasculares e seus fatores de risco associados, responsáveis pelo aumento significativo da morbimortalidade nas populações brasileira e mundial, ocasionando perdas nos segmentos individual e coletivo. Cerca de 16,7 milhões de mortes/ano no mundo são decorrentes das doenças cardiovasculares (DCV) e, no Brasil, 30,0% dos óbitos registrados em indivíduos a partir dos 20 anos são resultantes desse mesmo mal1,2.

As DCV caracterizam-se por alterações no sistema cardiovascular que, por sua vez, repercutem no transporte de oxigênio e nutrientes às células. Tais doenças representam atualmente a principal causa de morte da população adulta e, segundo o Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, os maiores gastos com atenção médica no Sistema Único de Saúde correspondem às doenças não transmissíveis1. São diversos os fatores associados ao desenvolvimento de DCV, aos quais se incluem hiperlipidemia, tabagismo, etilismo, hiperglicemia, obesidade, sedentarismo, estresse e alimentação inadequada decorrentes de fatores modificáveis e histórico familiar, idade, sexo e etnia como fatores não modificáveis; dessa forma, quanto maior a ocorrência e a gravidade dos fatores de risco, maiores são as chances de aparecimento dessas doenças3,4.

Embora estudos realizados em países desenvolvidos como os Estados Unidos apontem tendência de queda na mortalidade por doenças com as características mencionadas, no Brasil, a carência de informações epidemiológicas relativas aos riscos dessas doenças crônicas dificultam a detecção precoce e o controle adequado desses agravos5. Identificar os fatores de risco para as DCV potencializa o encaminhamento dos indivíduos para estratégias preventivas e educativas com protocolos específicos e, com isso, os indivíduos não serão somente categorizados, e sim tratados corretamente6,7.

Com relação aos fatores de riscos cardíacos em trabalhadores, é importante destacar que a ocupação profissional deve ser levada em consideração nessa análise, pois alguns ambientes de trabalho são caracterizados pelo elevado nível de estresse. Além do estresse ocupacional, o perfil socioeconômico representa importante preditor de risco à saúde quando se trata de estudos com trabalhadores8. Nesse sentido, a saúde do trabalhador representa um campo do conhecimento que correlaciona as interfaces de trabalho, saúde, doença e suas repercussões, evidenciando-se assim como uma questão de saúde pública. Mais do que cumprir a legislação vigente, o empregador tem o dever moral de oferecer um ambiente de trabalho seguro e saudável, firmando, dessa maneira, o compromisso de colaboração mútua entre os envolvidos, diminuindo as interrupções no processo de trabalho9,10.

As doenças cardiovasculares são responsáveis, no Brasil, por elevado número de pedidos de aposentadoria precoce, seja por invalidez, seja por licença-médica. Acredita-se que o ambiente de trabalho influencie decisivamente na saúde como possível causador de estresse psicoemocional, aumentando o risco de aparecimento de doenças cardiovasculares. Além disso, o tempo de exposição à alta exigência das atividades durante o trabalho merece especial atenção. Ainda que com poucas evidências epidemiológicas, entre os japoneses, cresce o fenômeno chamado de karoshi, que associa a morte repentina ao excesso de trabalho11.

Nesse sentido, boas práticas de saúde e segurança no trabalho significam importantes aliados no combate às doenças ocupacionais, aos acidentes de trabalho e também aos fatores de risco para DCV. Todavia, a melhoria contínua dessas práticas representa um desafio operacional para as organizações em que não basta levantar indicadores, mas planejar ações por meio da visão sistêmica do processo, inter-relacionando segurança ao bem-estar ocupacional, tornando esses indicadores ferramentas para a gestão dos riscos9.

Embora as questões voltadas à saúde do trabalhador venham ganhando espaço no meio científico, ainda são restritos os estudos que abordem as questões que permeiam a saúde do trabalhador hospitalar focando o risco cardiovascular causado pelo estresse a que são submetidos esses trabalhadores. Nessa perspectiva, este artigo tem o objetivo de identificar os fatores de risco para DCV presentes nos trabalhadores de um hospital de ensino buscando informações que possam contribuir com o planejamento e a execução de estratégias de promoção da saúde dentro do ambiente de trabalho.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal, realizado no principal centro de saúde hospitalar do Vale do Rio Pardo, que possui cerca de 23 mil metros quadrados de área construída, 234 leitos e aproximadamente 940 funcionários distribuídos em quatro turnos de trabalho. É uma instituição de saúde filantrópica, sem fins lucrativos, reconhecida como referência em traumatologia/ortopedia e em partos na região do Vale do Rio Pardo (RS), Brasil. A coleta de dados aconteceu entre os meses de abril e maio de 2017, nas dependências da referida instituição de saúde.

Participaram deste estudo 45 trabalhadores, que completaram as três etapas da avaliação: preenchimento e devolução do questionário, avaliação física e coleta de sangue. Foram incluídos trabalhadores dos setores administrativo e operacional da instituição. A amostra se constituiu de indivíduos de ambos os sexos, com faixa etária entre 18 e 64 anos, admitidos por meio de participação voluntária na pesquisa e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido do estudo. Foram excluídos da amostra os trabalhadores temporários; com menos de um ano de serviço na instituição; com contraindicação à coleta sanguínea; em férias; em atestado médico no período; com diagnóstico de DCV havia menos de um ano; que não aceitaram participar da pesquisa; e gestantes. O estudo foi aprovado pela coordenação da Direção Acadêmica da instituição de saúde em questão e pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade de Santa Cruz do Sul, sob o protocolo número 1.078.373.

As variáveis antropométricas foram obtidas por meio das circunferências da cintura e do quadril, mensuradas com a utilização de fita antropométrica para obtenção da relação cintura quadril (RCQ)12. Resultados de RCQ que ultrapassassem 0,80 cm para mulheres e 0,95 cm para homens foram considerados de situação de risco para doenças. Para peso e estatura, foram utilizados balança digital (Plenna) e estadiômetro portátil; para obtenção do índice de massa corpórea (IMC)13, homens e mulheres foram categorizados em baixo peso (IMC≤18,4 kg/m2), peso normal (IMC de 18,5kg/m2 a 24,9kg/m2), sobrepeso (IMC de 25kg/m2 a 29,9kg/m2) e obesos tipo I (IMC de 30kg/m2 a 34,9kg/m2), tipo II (IMC de 35kg/m2 a 39,9kg/m2) e tipo III (IMC≥40kg/m2). As medidas das dobras cutâneas para obtenção do percentual de gordura foram tomadas três vezes, em ordem rotacional, para cálculo da média dos resultados. Para os homens, foram aferidas as seguintes medidas: tríceps braquial, peito e subescapular; já para as mulheres, tríceps braquial, abdominal e suprailíaca. Os resultados foram categorizados como: abaixo do normal (até 16%), normal (16 a 25%), acima do normal (25 a 33%) e tendência à obesidade (>33%) para o sexo feminino; já para o sexo masculino: abaixo do normal (até 12%), normal (12 a 18%), acima do normal (18 a 25%) e tendência à obesidade (>25%)14.

As pressões arteriais sistólica (PAS) e diastólica (PAD) foram aferidas com o indivíduo sentado e em repouso, preferencialmente no braço direito e com manguito adequado para o perímetro braquial do adulto. Os parâmetros classificatórios foram conforme a VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão15: ótima (PAS<120 mmHg e PAD<80 mmHg); normal (PAS de 120 a 129 mmHg e PAD de 80 a 84 mmHg); normal alta (PAS de 130 a 139 mmHg e PAD de 85 a 89 mmHg); hipertensão estágio I (PAS de 140 a 159 mmHg e PAD de 90 a 99 mmHg); hipertensão estágio II (PAS de 160 a 179 mmHg e PAD de 100 a 109 mmHg); e hipertensão estágio III (PAS≥180 mmHg e PAD≥110 mmHg).

Os marcadores bioquímicos foram determinados após coleta de 5 mL de sangue efetuada por um profissional devidamente capacitado no mesmo local da intervenção e das demais coletas. Para a coleta de sangue, foi respeitado o jejum de 12 horas. O sangue foi transferido para o tubo vacutainer (com ativador de coágulo, para obtenção do soro e posterior análise de glicemia e perfil lipídico). O processamento ocorreu em equipamento automatizado Miura One (I.S.E, Roma, Itália), utilizando kits comerciais DiaSys (DiaSys Diagnostic Systems, Alemanha). O colesterol total foi considerado desejável (<200 mg/dL), limítrofe (200–239 mg/dL) ou alto (≥240 mg/dL). Os triglicerídeos foram classificados como desejável (<150 mg/dL), limítrofe (150–199 mg/dL), alto (200–499 mg/dL) ou muito alto (≥500 mg/dL). A glicemia foi classificada de acordo com o protocolo da American Diabetes Association16, considerando valores normais (até 99 mg/dL), pré-diabetes (100–125 mg/dL) e diabetes (≥126 mg/dL).

O instrumento de coleta de dados utilizado para a avaliação do estresse ocupacional foi o questionário autoaplicável na versão em português da Job Stress Scale ( JSS)17, elaborado originalmente na Suécia. Embora a JSS tenha sido aplicada na sua integralidade, foram analisados, neste estudo, apenas os itens que compõem o domínio demanda-controle (Modelo D-C) para a caracterização do processo de trabalho desses indivíduos. Trata-se de um modelo bidimensional que avalia a organização psicossocial do trabalho e a influência das demandas do ambiente externo e o nível de controle que esse trabalhador tem sobre seu trabalho. Entende-se como demanda a dimensão da carga de trabalho imposta, os conflitos pessoais e de relacionamento com colegas e chefes e o modo de execução das tarefas; e controle refere-se às oportunidades para esse trabalhador utilizar suas habilidades mentais e físicas na realização das tarefas e à autonomia que lhe é dada para a tomada de decisões na execução das tarefas.

A JSS assemelha-se a uma escala de Likert, na qual a demanda psicológica assume valores de 5 a 20 pontos (como mínimo e máximo) e o controle, de 6 a 24 pontos (como mínimo e máximo). Utilizou-se como ponto de corte a média da soma dos pontos atribuídos a cada resposta; em seguida, criaram-se duas categorias para cada dimensão avaliada: baixa ou alta demanda; baixo ou alto controle. Após, os níveis de demanda e controle foram dicotomizados e combinados de modo que pudessem formar quadrantes (Modelo D-C): trabalho de alta exigência (alta demanda e baixo controle); trabalho ativo (alta demanda e alto controle); trabalho passivo (baixa demanda e baixo controle); e trabalho de baixa exigência (baixa demanda e alto controle). Esse modelo pressupõe que o trabalho realizado em condições de baixo controle e alta demanda (alta exigência) é considerado prejudicial à saúde.

Foi utilizado também um questionário autoaplicável entregue aos avaliados juntamente com o questionário de estresse ocupacional para analisar diversos indicadores de saúde — entre eles sedentarismo, ingestão de bebida alcoólica e tabagismo — , selecionados para este estudo e apresentados como fatores de risco cardiovascular modificáveis. O cálculo para a determinação da população foi feito com base no universo de 940 funcionários; subtraindo-se os 125 que se enquadravam nos critérios de exclusão, obtiveram-se 815 indivíduos como população. Considerando sobre a população o nível de confiança de 95% e erro amostral (indicado para pesquisas em saúde) de 14,21%, obteve-se como amostra significativa 45 trabalhadores. Foi utilizado o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, Windows versão 20) para a criação de tabelas de frequências relativas, sendo esta realizada por meio de dados percentuais, definidos como a razão entre a frequência absoluta e o número total de observações.

 

RESULTADOS

A população estudada pôde ser caracterizada conforme Tabela 1, sendo predominantemente composta de indivíduos do sexo feminino, com maior concentração entre as faixas etárias de 20 a 29 e 30 a 39 anos, casadas e sem filhos que exercem suas funções entre um a dez anos na instituição e com escolaridade na categoria superior incompleto.

 

 

Os fatores de risco cardiovasculares modificáveis, descritos na Tabela 2, apontaram que a maioria dos participantes (60,0%) se autorreferiu sedentária, 66,7% não faziam uso ou ingeriam bebida alcoólica raramente e 77,8% nunca fumaram. Já os resultados encontrados, baseados nos fatores de risco modificáveis segundo histórico familiar (Tabela 3), apontam 55,6% dos participantes com histórico familiar (pai e mãe) com hipertensão, 22,2% com infarto e acidente vascular cerebral e 13,3% com diabetes.

 

 

 

 

Na análise de variáveis antropométricas, PAS e indicadores bioquímicos (Tabela 4), a predominância dos indivíduos encontra-se com sobrepeso ou obesidade no quesito IMC (55,5%). Além disso, 73,4% apresentaram RCQ de moderado a alto risco para a saúde e 73,3% estavam com percentual de gordura acima do normal e tendência à obesidade. Em contrapartida, 71,1% dos avaliados apresentaram pressão arterial entre ótima e normal. Já os marcadores bioquímicos triglicerídeos e glicose apresentaram resultados na faixa desejável para a saúde, com o seguinte escore, respectivamente: 88,9 e 97,8%. Ainda sobre marcadores bioquímicos, 78,9% apresentaram colesterol total na faixa limítrofe ou alta.

 

 

Pela avaliação do estresse ocupacional, estabeleceram-se os quatro grupos previstos: baixa exigência, trabalho passivo, trabalho ativo e alta exigência. Os trabalhadores expostos a uma combinação de alta demanda e baixo controle (alta exigência) foram considerados como grupo de maior risco ao estresse ocupacional (13,3%); aqueles expostos à alta demanda, mas tendo alto controle (trabalho ativo), ou a baixo controle e baixa demanda (trabalho passivo) foram considerados como grupo de exposição intermediária (55,5%); como grupo de referência foram considerados aqueles com alto controle e baixa demanda (baixa exigência), classificados como não expostas (31,1%), conforme Quadro 1.

 

 

DISCUSSÃO

Os principais resultados do presente estudo indicam quatro componentes com alterações significativas para a saúde e que denotam uma predisposição ao risco cardiovascular: sedentarismo, histórico familiar de doenças cardiovasculares, medidas antropométricas e colesterol inadequados. Fatores esses que não agem isoladamente e, quando combinados, aumentam exponencialmente a possibilidade do aparecimento de acidentes cardiovasculares8.

A predominância de sobrepeso e obesidade observada na população estudada foi semelhante aos resultados encontrados em estudos no Brasil e em países Europeus, como é o caso de uma pesquisa realizada com trabalhadores na Espanha com obesidade e risco cardiovascular18. Dessa forma, assim como a obesidade está relacionada à acentuada probabilidade de doenças cardiovasculares em trabalhadores19, o incentivo à realização de exercícios físicos associado à prática de uma alimentação saudável contribuem para a redução do excesso de gordura corporal. Apesar de o IMC ser um indicador que apresenta limitações, múltiplos estudos20-23 utilizam essa medida para averiguar a prevalência de obesidade, sobretudo em trabalhadores, pelos fatores de risco associados. Neste estudo, pela busca de maior fidedignidade, foram incluídas também as medidas de RCQ e percentual de gordura, que podem identificar a região de maior concentração de gordura corporal.

Não obstante a todo o conhecimento a respeito dos benefícios da prática regular de exercícios físicos, o maior desafio dos profissionais da área da saúde é estimular a população à adoção de hábitos saudáveis e à prática regular de atividades físicas24. De acordo com o presente estudo, 60,0% dos avaliados estavam sedentários, o que torna o cenário ainda mais preocupante, pois, conforme alguns achados apontam, indivíduos inativos fisicamente apresentam piores indicadores antropométricos, além de baixa aptidão física e número elevado de fatores de risco para doenças coronarianas, se comparados com indivíduos ativos25.

Em relação ao estresse ocupacional, 55,5% dos indivíduos avaliados neste estudo encontram-se no grupo intermediário; assim, a adoção de um estilo de vida saudável pode contribuir não só para a melhoria do bem-estar geral, mas também para o controle da ansiedade, a redução de estados depressivos e a melhora do humor24. Os resultados apresentados alocam os indivíduos na categoria de risco intermediário, ou seja, com considerável fator de tensão emocional, fator associado por outros estudos ao aumento da PA. Todavia, a elevação dessa pressão não foi um fator marcante nesta pesquisa. Outros autores acrescentam ainda que os desgastes mentais e físicos acompanhados de má alimentação e sedentarismo potencializam o aparecimento de hipertensão arterial e estresse26.

Quanto aos níveis de colesterol total, os resultados encontrados nesta pesquisa (88,9%) demonstraram-se bem acima dos obtidos com caminhoneiros (51,6%) e eletricitários (24,7%), ambos da região central do Rio Grande do Sul23,27. Estes achados corroboram investigações que identificaram a associação entre ingestão elevada de alimentos ricos em gordura saturada e colesterol e o risco para doenças coronarianas, isquemia e outras doenças cardiovasculares28.

A realização de um estudo transversal possibilita a ocorrência de causalidade reversa, repercutindo na interpretação dos resultados. A utilização de questionários autoaplicáveis é suscetível a falhas de interpretação e preenchimento. Cabe ressaltar que a falta de pesquisas realizadas com os demais trabalhadores da área hospitalar dificulta a comparabilidade entre os achados.

 

CONCLUSÃO

Os resultados encontrados ressaltam a importância de políticas de saúde que incentivem a mudança do estilo de vida dentro e fora do trabalho, podendo impactar nas condições de saúde física e mental dos trabalhadores. A saúde do trabalhador vive um novo momento, com foco na prevenção e na promoção da saúde. Todavia, para que esses objetivos sejam alcançados, faz-se necessário um planejamento estratégico. Nesse novo cenário, não basta apenas produzir indicadores, mas dar apoio à interdisciplinaridade da área, alinhando planejamentos entre os setores do trabalho, a saúde e a previdência, a fim de atuarem de maneira conjunta e complementar.

Nesse mesmo sentido, a implantação de programas com atuação multiprofissional que busquem qualidade de vida e bem-estar dentro do ambiente laboral ganha força e visa à conscientização dos trabalhadores quanto à necessidade de mudanças permanentes no comportamento e estilo de vida, dentro e fora do ambiente laboral. Trabalhadores bem informados e conscientes de que seus comportamentos podem determinar o risco maior ou menor de adoecer (ou mesmo de ficar incapacitado ou morrer precocemente) são, certamente, mais saudáveis, produtivos e, possivelmente, mais felizes. Ressalta-se também o esforço que deve ser aplicado para a adequação dos locais de trabalho às necessidades dos indivíduos, reduzindo os gastos públicos oriundos dos processos patológicos diretamente relacionados a disfunções laborais.

 

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Recebido em 1 de Agosto de 2018.
Aceito em 9 de Janeiro de 2019.

Fonte de financiamento: nenhuma


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