0
Visualização
Acesso aberto Revisado por Pares
ARTIGO ORIGINAL

Perfil dos trabalhadores de saúde com registros de acidentes com material biológico no Brasil entre 2011 e 2015: aspectos para vigilância

Profile of healthcare workers involved in accidents with exposure to biological materials in Brazil from 2011 through 2015: surveillance aspects

Helen Paredes de Souza; Ubirani Barros Otero; Valéria dos Santos Pinto da Silva

DOI: 10.5327/Z1679443520190305

RESUMO

INTRODUÇÃO: os acidentes com material biológico decorrentes de processos de serviços e cuidados em saúde caracterizam relevante problema de saúde pública, pois aumentam o risco de aquisição de infecções virais consideradas fatores de risco para o desenvolvimento de câncer.
OBJETIVO: descrever o perfil dos acidentes com exposição a material biológico em profissionais da área da saúde durante o desenvolvimento do seu trabalho, fomentando a discussão sobre a importância dos determinantes desses acidentes para a vigilância em saúde do trabalhador.
MÉTODO: para traçar o perfil dos profissionais acidentados foram descritas variáveis sociodemográficas, ocupacionais e de saúde entre 2011 e 2015. as taxas de incidência específicas foram estratificadas em três níveis para classificação dos municípios segundo a magnitude da ocorrência do agravo.
RESULTADOS: os acidentes ocorrem, em sua maioria, entre mulheres, técnicas e auxiliares de enfermagem, durante procedimento cirúrgico e administração de medicação endovenosa, porém pode haver subnotificação.
CONCLUSÃO: os achados ressaltam a necessidade de implementação de planos preventivos que garantam a integridade física dos cuidadores em saúde, nos quais sua construção englobe processos contínuos de formação, discussão e colaboração de todas as partes envolvidas visando ao impacto positivo dessa realidade.

Palavras-chave: acidentes de trabalho; material biológico; vigilância em saúde do trabalhador.

ABSTRACT

BACKGROUND: accidents involving biological materials among healthcare providers represent a significant public health problem since they increase the risk of acquisition of viral infections considered to be risk factors for cancer.
OBJECTIVE: to describe the profile of workplace accidents involving biological materials for healthcare providers.
METHOD: the profile of accidents for the period from 2011 to 2015 was described based on several sociodemographic, occupational and health variables. specific incidence rates were stratified in three levels to categorize the brazilian municipalities as a function of the frequency of events.
RESULTS: victims were mainly female, nursing technicians and assistants, events mostly occurred during surgical procedures or intravenous medication administration, however, underreporting cannot be ruled out.
CONCLUSION: the results point to the need for preventive programs to ensure the physical integrity of healthcare professionals, including continuous training, discussion and participation of the involved parties to achieve a positive impact.

Keywords: accidents, occupational; biocompatible materials; surveillance of the workers health.

INTRODUÇÃO

Os acidentes de trabalho envolvendo material biológico são eventos de notificação compulsória no Brasil desde 2004, pois são considerados acidentes emergenciais para os quais se recomenda início imediato de profilaxias, quando necessário. Sua ocorrência também deve ser comunicada ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) por meio da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT)1. Em 2011, o Ministério do Trabalho incluiu o anexo III à Norma Regulamentadora 32 (NR 32), designando a obrigatoriedade do Plano de Prevenção de Riscos de Acidentes com Materiais Perfurocortantes (PPRAMP), cujo descumprimento submete as instituições a sanções legais2.

Os acidentes com material biológico decorrentes do processo de trabalho em ambientes que demandam serviços e cuidados em saúde caracterizam um problema relevante para a saúde pública. O contato direto com sangue e outros fluidos corporais de pacientes pode aumentar o risco de algumas categorias de profissionais de saúde de aquisição de infecções virais, especialmente o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), hepatites B (HBV) e C (HCV)3,4, além de outros 60 patógenos diferentes transmitidos por agulhas, objetos cortantes, vidros quebrados e outros objetos contaminados5.

No Brasil, a prevalência de HBV e HCV foi, respectivamente, de 7,4 e 1,4%, segundo inquérito populacional disponibilizado em 2010 e realizado no período de 2005 a 20096. Em relação ao HIV, entre 2005 e 2015, esse número foi de 12,5 e 5,8 por 100 mil habitantes, entre homens e mulheres, respectivamente7. Dados do Ministério da Saúde mostram que a prevalência do HIV na população brasileira é de 0,4%, sendo 0,3% entre mulheres e 0,5% entre homens8. Estudos estimam que o risco de transmissão do HIV após exposição percutânea ao sangue infectado é de 0,3%, e após exposição à mucosa, de 0,09%. O risco de HBV varia de 6 a 30%, e de HCV, de 3 a 10%. Essas infecções têm graves consequências, incluindo doenças crônicas, deficiências e morte4.

Além disso, estima-se que as infecções são responsáveis por 15% dos casos de câncer no mundo e 20% em países em desenvolvimento, e que cerca de 7,7 e 26,3% dos cânceres associados a doenças infecciosas seriam preveníveis nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, respectivamente9. No Brasil, os agentes infecciosos incluídos em estudo sobre a fração atribuível a fatores de risco modificáveis prospectados para 2020 ficarão atrás apenas do tabagismo em ordem de importância para o câncer10. Um estudo realizado sobre frações atribuíveis ao HBV e ao HCV para câncer de fígado primário em todo o mundo estimou que 78% do hepatocarcinoma celular foi atribuível ao HBV (53%) ou ao HCV (25%)11.

Acredita-se que a subnotificação dos acidentes com material biológico é um problema relevante para todos os profissionais envolvidos, pois dificulta o conhecimento da situação epidemiológica deles, prejudicando o debate sobre acidentes de trabalho e seus desdobramentos e, em última análise, a tomada de decisão pelas partes envolvidas. As infecções adquiridas trazem consigo importantes implicações sociais, por estarem ainda associadas a estigmas e passíveis de discriminação, resultando em possíveis consequências desfavoráveis, sejam ocupacionais ou econômicas, tornando estudos dessa natureza importantes ferramentas para implementação de estratégias de vigilância e prevenção12,13.

O objetivo deste estudo é descrever o perfil dos acidentes com exposição a material biológico em profissionais da área da saúde durante o desenvolvimento do seu trabalho, fomentando a discussão sobre a importância dos determinantes desses acidentes para a vigilância em saúde do trabalhador.

 

MÉTODO

Foi realizado um estudo transversal com base em informações de todos os municípios brasileiros referentes a acidentes de trabalho entre profissionais de saúde envolvendo material biológico.

De acordo com o Ministério da Saúde, os casos devem ser notificados quando ocorrem “acidentes envolvendo sangue e outros fluidos orgânicos ocorridos com os profissionais da área da saúde durante o desenvolvimento do seu trabalho, onde os mesmos estão expostos a materiais biológicos potencialmente contaminados”8,14. Neste estudo, foram selecionados apenas os profissionais de saúde, segundo família ocupacional da Classificação Brasileira de Ocupações 2002 (CBO 2002), disponibilizada no sítio do Ministério do Trabalho15.

Foram utilizados dados secundários de saúde obtidos por meio do Sistema de Informação de Agravos Notificáveis (SINAN) entre 2011 e 2015, por meio do acesso às bases de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), disponibilizadas na página do Programa Integrado em Saúde Ambiental e do Trabalhador (PISAT) do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA)16. Foram considerados os casos classificados como contato com exposição à doença transmissível não especificada, de acordo com a 10ª Classificação Internacional de Doenças (CID-10), Capítulo XXI, código Z20.9).

O desfecho investigado é acidente com material biológico. Para traçar o perfil sociodemográfico dos profissionais acidentados foram incluídas as seguintes variáveis que correspondem às características sociodemográficas e ocupacionais da população de estudo: faixa etária, escolaridade, raça/cor, tipo de vínculo empregatício, ocupações, tempo de trabalho na ocupação e utilização de equipamento de proteção individual (EPI).

Para descrever as características em que ocorreram os acidentes de trabalho foram incluídas as seguintes variáveis: circunstância do acidentado, agente, tipo de exposição, material orgânico, situação vacinal do acidentado em relação à hepatite B, testes sorológicos positivos (data zero), paciente-fonte conhecida, testes sorológicos positivos paciente-fonte, conduta no momento do acidente, evolução do caso, emissão de CAT.

As análises foram realizadas para o quinquênio de 2011 a 2015. Inicialmente, foi realizada estatística descritiva das variáveis sociodemográficas e ocupacionais, bem como aquelas atinentes à circunstância em que ocorreram os acidentes. Para a análise estatística dos dados, utilizou-se o teste χ2, sendo considerado como nível de significância o valor de 0,05 ou 5%, para comparação entre os grupos.

Para cálculo das taxas específicas de incidência de acidentes de trabalho envolvendo material biológico foi utilizado, no numerador, o número absoluto de registros por município de notificação, e no denominador, o número de trabalhadores da saúde com vínculo no ano de 2013, segundo a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) — Ministério do Trabalho. Essas taxas foram estratificadas em três níveis de classificação dos municípios segundo a magnitude da ocorrência de acidente com material biológico. As classes foram construídas por meio da técnica de quebras naturais do conjunto dos valores dos coeficientes calculados para todos os municípios brasileiros e foram utilizadas para a construção do mapa temático.

A malha cartográfica utilizada neste estudo foi obtida do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)17, referente ao ano de 2015. O mapa e as taxas foram construídos no programa Quantum Gis versão 2.12.3.

Todos os dados utilizados neste estudo são de domínio público e acesso livre. O acesso público a dados considerados não pessoais e/ou não sensíveis está previsto na Lei de Acesso à Informação nº 9.527/11, regulamentada pelo Decreto nº 7.724/12.

 

RESULTADOS

Entre 2011 e 2015, foram notificados 245.191 casos de acidente de trabalho envolvendo material biológico nos municípios brasileiros. Para esta investigação, foram excluídos 66.760 (27,2%) casos, em razão de inconsistências ou por se tratar de profissionais de outras áreas distintas da saúde, perfazendo um total de 178.431 registros e uma incidência de 17,93/100 mil habitantes.

CARACTERÍSTICAS SOCIODEMOGRÁFICAS

Os resultados cujos valores de p para diferença estatisticamente significante entre as categorias mostram que a maioria dos trabalhadores era branca (59,7%) e do sexo feminino, correspondendo a 82,3% dos casos. De acordo com a Tabela 1, acidentes de trabalho com material biológico são mais frequentes, em ambos os sexos, entre trabalhadores de 30 a 49 anos de idade (54,4%), com ensino médio completo ou superior incompleto (50%), autodeclarados brancos (53,2%) e empregados com carteira assinada (51,2%). Os acidentes são também mais comuns entre trabalhadores que possuem menos que 5 anos na ocupação (76,5%) e naqueles que usam EPI incompletos (78,7%). As ocupações mais afetadas são as de técnico de enfermagem e auxiliar de enfermagem (63,5%) e enfermeiro (10,8%), porém sem significância estatística.

 

 

CARACTERÍSTICAS DO ACIDENTE

Em relação às circunstâncias nas quais ocorreram os acidentes (Tabela 2), a maioria foi durante procedimento cirúrgico e administração de medicação endovenosa, correspondendo a 10,5 e 10%, respectivamente. Em mais da metade dos casos o agente foi agulha com lúmen (57,5%), com exposição percutânea (74,3%) e contato com sangue (78,8%).

 

 

Os testes sorológicos realizados na data-zero apresentaram baixos percentuais positivos para Anti-HIV, HbsAg e anti-HCV. Elevado percentual de acidentados também apresentava adequada situação vacinal relacionada à hepatite B (87,3%) e 32,3% deles apresentavam anticorpos circulantes contra o vírus. Em 0,8% dos casos, as altas foram notificadas como sendo com conversão sorológica, podendo este resultado ser em decorrência de vacinação. Para a grande maioria dos acidentados não houve indicação de quimioprofilaxia (62,8%). Pouco mais da metade dos casos notificados gerou emissão de CAT, correspondendo a 51% das ocorrências.

Em 77,5% dos casos o paciente-fonte era conhecido, sendo que 5,4% deles apresentaram testes sorológicos anti-HIV positivo, e 29,2%, antiHbs negativo.

LOCAL DE NOTIFICAÇÃO DO ACIDENTE

De acordo com a Figura 1, as regiões que apresentaram maior número de municípios cujas incidências específicas de acidente com material biológico são mais elevadas foram as regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, enquanto as regiões Norte e Nordeste apresentaram mais municípios com taxas menores, segundo a estratificação realizada para este estudo.

 


Figura 1. Taxa de incidência de acidente com material biológico entre trabalhadores em saúde, Brasil, 2011 a 2015 (n=178.431).

 

É importante salientar que o preenchimento da variável referente ao local de notificação do acidente de trabalho com material biológico foi de 62%, e que não havia informação sobre notificação desses agravos em 38% dos municípios brasileiros. Destaque para a Região Nordeste, com notificação de casos em 45% dos seus municípios. Já o Sudeste é a região que melhor apresenta essa informação, com preenchimento em 77% dos casos (Tabela 3).

 

 

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo foram concordantes com a maioria dos achados encontrados na literatura12,18-24, mostrando que a maior parte dos acidentes ocorre entre mulheres, auxiliares ou técnicas de enfermagem, com pouco tempo na ocupação, cujo nível de escolaridade varia de mediano a elevado e uso incompleto de EPI preconizado. Os testes sorológicos também apresentam, no geral, resultados desejáveis.

A situação vacinal dos acidentados também desperta interesse, pois a maior parte das investigações encontrou percentuais menores comparados aos deste estudo, apontando para a necessidade de campanhas de vacinação e orientação em serviço19,22. A adequada situação vacinal pode estar relacionada também à qualidade dos exames admissionais e periódicos oferecidos para esses profissionais.

A quantidade de pacientes-fonte passíveis de transmitir o vírus da hepatite B e C e HIV também despertam particular interesse, considerando a importância epidemiológica deste achado. Sabe-se que, além de quadros de hepatites aguda e crônica, esses vírus são os principais fatores de risco para o desenvolvimento de formas graves de doenças hepáticas, tais como o carcinoma hepatocelular25. Este tipo de câncer corresponde a até 85% das neoplasias hepáticas primárias e é caracterizado por sua alta agressividade e mortalidade, apontado pela World Health Organization (WHO) como a segunda causa de óbito por câncer em humanos no mundo26.

Em relação à emissão de CAT, os percentuais são igualmente baixos comparados aos apresentados em outras investigações, contabilizando-se todos os trabalhadores em saúde, entretanto deve-se levar em consideração que a CAT apenas é gerada para funcionários cujo regime trabalhista é regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não se aplicando a trabalhadores sob regime estatutário.

Aspectos como falta de importância dada aos pequenos acidentes, conhecimento sobre a sorologia do paciente-fonte e excesso de burocracia e outros entraves que envolvem a emissão da CAT, ou apenas uma queixa ou um relato verbal do acidente, sem formalização27, favorecem a subnotificação11. Podem-se citar ainda outros fatores contributivos, como o temor em perder o emprego, o temor a críticas como resultado de práticas inadequadas e falta de capacitação do profissional21,28.

Entretanto, é preciso frisar que essa informação é de fundamental importância, pois o fortalecimento da vigilância desses agravos depende de informações de qualidade que permitam identificar grupos mais expostos, inclusive espacialmente, com o objetivo de desenvolvimento de estratégias que promovam efetiva segurança desses profissionais12-14,29. Lembrando que este registro pode ser realizado, além do próprio empregado acidentado, por seus dependentes, entidade sindical, médico ou autoridades públicas, a qualquer tempo, na Previdência Social, sem excluir a possibilidade da aplicação de multa à empresa ou instituição30.

Outro ponto para o qual se deve chamar atenção é o município de notificação do acidente, com aproximadamente 60% de preenchimento. Por essa razão, o mapa construído deve ser visto com cautela, em função da subnotificação de eventos dessa natureza10,20, o que pode ser sugerido também pelo pequeno número de acidentes notificados em um período de cinco anos em todo o território nacional.

Identificar grupos mais expostos à ocorrência de acidentes envolvendo material biológico e às circunstâncias nas quais eles ocorrem é de fundamental importância tanto sob o ponto de vista epidemiológico como da prevenção. Entretanto, faz-se necessário maior aprofundamento sobre seus determinantes, sobretudo sob o ponto de vista de fortalecimento da vigilância da saúde do trabalhador.

De acordo com Jackson Filho et al.31, as análises sobre acidente de trabalho no Brasil são, em sua imensa maioria, apoiadas no conceito de “ato inseguro” ou “erro humano”, nos quais se reitera os métodos hegemônicos tradicionalmente utilizados na sua aferição, por meio dos quais é possível a judicialização do problema nos mesmos moldes em que foram aferidos, impactando negativamente a vida do profissional acidentado.

Segundo Vilela et al.29, a manutenção do modelo, imposto a priori, por relações de trabalho autoritárias advoga em função da proteção de empresas e instituições empregadoras, ressaltada também quando da contratação dos profissionais de segurança pelos empregadores, sem qualquer autonomia para influenciar nos processos de adoção de medidas de proteção aos trabalhadores29. Ainda de acordo com os mesmos autores29, esse modelo vigente é suficiente para a “desculpabilização” do empregador, contribuindo para a impunidade em relação aos acidentes de trabalho, sob o amparo da lei.

Neste contexto é que o Sistema Único de Saúde (SUS), representado pela vigilância da saúde do trabalhador, deve sedimentar o seu papel enquanto articulador de diferentes setores para vigiar e intervir em processos de saúde e ambientes de trabalho, com fins de prevenção de fatores determinantes de agravos à saúde da população trabalhadora. O fortalecimento da vigilância da saúde do trabalhador é ação essencial para o rompimento do ciclo de adoecimento e morte no ambiente de trabalho. Muito além do papel de coletar e sistematizar informações, a vigilância da saúde do trabalhador deve ser entendida enquanto espaço de articulação de saberes e práticas relativo a problemas de saúde advindos de processos, ambientes e condições nas quais o trabalho é realizado, e suas ações necessariamente devem resultar em ações de intervenção de caráter transformador32 .

Por essa razão, faz-se importante a participação dos trabalhadores na construção de mapas de risco e planos de prevenção de acidentes e promoção à saúde no trabalho. Flor e Kirchhof33 afirmam que é fundamental a construção de instrumentos de proteção à saúde do trabalhador a partir de uma abordagem detalhada de todo o processo, agregando não apenas os saberes técnico-científicos dos especialistas, mas também os saberes e as experiências dos trabalhadores, passando estes de reclamantes passivos a atuantes capazes de interferência efetiva nos ambientes de trabalho34.

 

CONCLUSÃO

Por meio deste estudo, foi possível identificar grupos de trabalhadores mais expostos ao risco de acidente com material biológico, bem como caracterizar tais eventos. Ao que se refere à qualidade dos dados, nota-se o mau preenchimento de variáveis importantes, como local de notificação do evento, circunstâncias nas quais se deu o acidente, evolução dos casos e emissão de CAT. Esses aspectos resultam em falha na vigilância, que tem, entre as suas atribuições, o cuidado com a informação, desde a coleta até a disseminação. Dados de má qualidade implicam em informação incompleta ou viesada, resultando, em última análise, em tomada de decisão equivocada e adoção de medidas inadequadas a diferentes realidades.

No que diz respeito aos determinantes da ocorrência dos acidentes, há a necessidade de compreensão da sua origem entendida em sua forma sistêmica, baseado na compreensão das características funcionais do sistema, ao invés do olhar específico para causa-efeito35,36.

Os achados deste estudo ressaltam a necessidade do reconhecimento institucional da importância da vigilância de acidentes com material biológico, visando subsidiar efetivas modificações nos modos de trabalho, implementando intervenções formativas36. Idealizar e implementar planos preventivos que garantam a integridade física dos cuidadores em saúde, além de obrigatório, é premente, e sua construção efetiva deve passar por processos contínuos de formação, discussão e colaboração de todas as partes envolvidas a fim de impactar positivamente essa realidade.

 

REFERÊNCIAS

1. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 777, de 28 de abril de 2004. Diário Oficial da União [Internet]. 2004 [acessado em 19 ago. 2017]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2004/prt0777_28_04_2004.html

2. Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. Gabinete do Ministro. Portaria nº 485, de 11 de novembro de 2005. Regulamenta a NR32. Diário Oficial da União [Internet]. 2005 [acessado em 19 ago. 2017]; Seção 1:6. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C812D36A280000138812EAFCE19E1/NR-32%20 (atualizada%202011).pdf

3. Ferreira MD, Pimenta FR, Facchin LT, Gir E, Canini SRMS. Subnotificação de acidentes biológicos pela enfermagem de um hospital universitário. Cienc Enfermeria. 2015;21(2):21-9.

4. Prüss-Üstün A, Rapiti E, Hutin Y. Estimation of the Global Burden of Disease Attributable to Contaminated Sharps Injuries Among Health-Care Workers. Am J Ind Med. 2005;48(6):482-90. https://doi.org/10.1002/ajim.20230

5. Rapparini C, Reinhardt EL. Manual de implementação: programa de prevenção de acidentes com materiais perfurocortantes em serviços de saúde. São Paulo: Fundacentro; 2010.

6. Brasil. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico AIDS [Internet]. [acessado em 07 mar. 2019];2(1). Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/node/92

7. Dartora WJ, Ânflor AP, Silveira LRP. Prevalência do HIV no Brasil 2005- 2015: dados do Sistema Único de Saúde. Rev Cuid. 2017;8(3):1919- 28. http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.v8i3.462

8. Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo Clínico Diretrizes Terapêuticas para Profilaxia Pós-Exposição (PEP) de Risco à Infecção pelo HIV, IST e HV [Internet]. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2018 [acessado em 22 nov. 2018]. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-paraprofilaxia-pos-exposicao-pep-de-risco

9. Morales-Sánchez A, Fuentes-Panamá E. Human Viruses and Cancer. Viruses. 2014;6(10):4047-79. https://dx.doi.org/10.3390%2Fv6104047

10. Azevedo e Silva G, Moura L, Curado MP, Gomes FS, Otero U, Rezende LFM, et al. The fraction of cancer attributable to ways of life, infections, occupation, and environmental agents in Brazil in 2020. PLoS One. 2016;11(2):e0148761. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0148761

11. Perz JF, Armstrong GL, Farrington LA, Hutin YJ, Bell BP. The contributions of hepatitis B virus and hepatitis C virus infections to cirrhosis and primary liver cancer worldwide. J Hepatol. 2006;45(4):529-38. https://doi.org/10.1016/j.jhep.2006.05.013

12. Alves AP, Ferreira MD, Prearo MF, Gir E, da Silva Canini SRM. Subnotificação de acidentes ocupacionais com material biológico pela enfermagem no bloco cirúrgico. Rev Eletr Enferm. 2013;15(2):375- 81. https://doi.org/10.5216/ree.v15i2.18554

13. Castiel JF, Chaín GM. Gestión del riesgo de exposición ocupacional a material biológico. Del conocimiento a la acción. Med Clín. 2004;122(20):761-808. https://doi.org/10.1016/S0025-7753(04)74384-5

14. Brasil. Ministério da Saúde. Exposição a materiais biológicos - Protocolos de Complexidade Diferenciada. Série A. Normas e Manuais Técnicos [Internet]. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2011 [acessado em 22 ago. 2017]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolo_expos_mat_biologicos.pdf

15. Brasil. Ministério do Trabalho. Classificação brasileira de ocupações [Internet]. Brasília: Ministério do Trabalho; 2002 [acessado em 22 nov. 2018]. Disponível em: http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/home.jsf

16. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. DATASUS. Informações de Saúde. Epidemiológicas e morbidade [Internet]. [acessado em 1º ago. 2017]. Disponível em: http://ccvisat.wixsite.com/pisat/sobre-1

17. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Geociências [Internet]. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2016 [acessado em 1º ago. 2017]. Disponível em: https://downloads.ibge.gov.br/downloads_geociencias.htm

18. Tibães HBB, Takeshita IM, Rocha ADM. Accidents at Work from Exposure to Biological Material Contamination of Viral Hepatitis “B” and “C” in a Brazilian Capital. Occup Dis Environ Med. 2014;2(2):39- 47. http://dx.doi.org/10.4236/odem.2014.22005

19. Julio RS, Filardi MBS, Marziale MHP. Acidentes de trabalho com material biológico ocorridos em municípios de Minas Gerais. Rev Bras Enferm. 2014;67(1):119-26. http://dx.doi.org/10.5935/0034-7167.20140016

20. Paiva MHRS, Oliveira AC. Fatores determinantes e condutas pós-acidente com material biológico entre profissionais do atendimento pré-hospitalar. Rev Bras Enferm. 2011;64(2). http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672011000200008

21. Silva JAD, Paula VSD, Almeida AJD, Villar LM. Investigação de acidentes biológicos entre profissionais de saúde. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2009;13(3):508-16.

22. Spagnuolo RS, Baldo RCS, Guerrini IA. Análise epidemiológica dos acidentes com material biológico registrados no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador-Londrina-PR. Rev Bras Epidemiol. 2008;11(2):315-23. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2008000200013

23. Pinho DLM, Rodrigues CM, Gomes GP. Profile of work accidents in the hospital Universitário of Brasília. Rev Bras Enferm. 2007;60(3):291-4. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672007000300008

24. Rapparini C, Saraceni V, Lauria LM, Barroso PF, Vellozo V, Cruz M, et al. Occupational exposures to blood bornepathogens among healthcare workers in Rio de Janeiro, Brazil. J Hosp Infect. 2007;65(2):131-7. https://doi.org/10.1016/j.jhin.2006.09.027

25. Carvalho JRD, Portugal FB, Flor LS, Campos MR, Schramm JMDA. Método para estimação de prevalência de hepatites B e C crônicas e cirrose hepática-Brasil, 2008. Epidemiologia e Serviços de Saúde. 2014;23(4):691-700. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000400011

26. World Health Organization. International Agency for Research on Cancer. GLOBOCAN 2012: Estimated Cancer Incidence, Mortality and Prevalence Worldwide in 2012 [Internet]. World Health Organization; 2012 [acessado em 23 ago. 2017]. Disponível em: http://globocan.iarc.fr/Pages/fact_sheets_cancer.aspx

27. Machado MRM, Machado FA. Acidentes com material biológico em trabalhadores de enfermagem do Hospital Geral de Palmas (TO). Rev Bras Saúde Ocup. 2011;36(124):274-81. http://dx.doi.org/10.1590/S0303-76572011000200011

28. Rubio MO, Ávila GA, Gómez BA. Actitudes de estudiantes de enfermería mexicanos al manejar residuos peligrosos biológico infecciosos. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008;12(3):479-84. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-81452008000300013

29. Vilela RAG, Iguti AM, Almeida IM. Culpa da vítima: um modelo para perpetuar a impunidade nos acidentes do trabalho. Cad Saúde Pública. 2004;20(2):570-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2004000200026

30. Brasil. Previdência Social. Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) [Internet]. Brasil: Instituto Nacional do Seguro Social; 2018 [acessado em 9 jan. 2018]. Disponível em: https://www.inss.gov.br/servicos-do-inss/comunicacao-de-acidente-de-trabalho-cat/

31. Jackson Filho JM, Vilela RAG, Garcia EG, Almeida IM. Sobre a “aceitabilidade social” dos acidentes e o inaceitável conceito de ato inseguro. Rev Bras Saúde Ocup. 2013;38(127):6-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0303-76572013000100001

32. Vasconcellos LCF, Gomez CM, Machado JMH. Entre o definido e o por fazer na Vigilância em Saúde do Trabalhador. Ciênc Saúde Coletiva. 2014;19(12):4617-26. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320141912.13602014

33. Flor RC, Kirchhof ALC. Uma prática educativa de sensibilização quanto à exposição à radiação ionizante com profissionais de saúde. Rev Bras Enferm. 2006;59(3):274-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672006000300005

34. Hökerberg YHM, Santos MAB, Passos SRL, Rozemberg B, Cotias PMT, Alves L, et al. O processo de construção de mapas de risco em um hospital público. Ciênc Saúde Coletiva. 2006;11(2):503-13. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232006000200027

35. Donatelli S, Vilela RAG, de Almeida IM, Lopes R. Acidente com material biológico: uma abordagem a partir da análise das atividades de trabalho. Saúde Soc. 2015;24(4):1257-72. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902015136790

36. Hollnagel E. Modelos de acidentes e análises de acidentes. In: Brasil. Ministério do Trabalho e Emprego. Caminhos da análise de acidentes do trabalho [Internet]. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego; 2003 [acessado em: 17 ago. 2017]. p. 99-105. Disponível em: http://www.segurancaetrabalho.com.br/download/caminhosanalise-acidentes.pdf

Recebido em 7 de Agosto de 2018.
Aceito em 14 de Janeiro de 2019.

Fonte de financiamento: nenhuma


© 2024 Todos os Direitos Reservados