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ARTIGO ORIGINAL

Avaliação dos efeitos genotóxicos da exposição ocupacional em frentistas atuantes em postos de gasolina no município de Santarém, Pará

Genotoxic effects of occupational exposure among gas station attendants in Santarem, Para, Brazil

Luan Aércio Maciel1; Samaroni Brelaz Feitosa2; Thais Sena Trolly1; Albino Luciano Sousa3

DOI: 10.5327/Z1679443520190382

RESUMO

INTRODUÇÃO: Profissionais frentistas encontram-se em situação de risco tóxico pela exposição constante aos vapores dos combustíveis. O benzeno, presente na gasolina, é considerado cancerígeno e prejudicial à saúde desses trabalhadores
OBJETIVO: Avaliar os efeitos genotóxicos decorrentes da exposição ocupacional em células esfoliativas da mucosa oral de frentistas do município de Santarém, Pará; e determinar a taxa de adesão ao uso de equipamentos de proteção individual por esses colaboradores.
MÉTODOS: Um total de 126 frentistas, distribuídos em 6 grupos contendo indivíduos expostos foram comparados ao grupo controle utilizando a técnica do ensaio de micronúcleos em células da mucosa oral coradas com as técnicas de Feulgen/Fast-green.
RESULTADOS: Os frentistas apresentaram maior frequência de micronúcleos em relação ao grupo não exposto ao benzeno (p<0,01). Frentistas com hábito etílico apresentaram aumento significativo de micronúcleos (p<0,01), quando comparados aos frentistas abstêmios. Verificou-se que 100% dos profissionais entrevistados não fazem uso dos equipamentos de proteção.
CONCLUSÃO: Constatou-se um aumento na presença de micronúcleos em células esfoliativas de frentistas em comparação ao grupo controle. Esse aumento é ainda maior quando o frentista ingere frequentemente bebidas alcoólicas.

Palavras-chave: riscos ocupacionais; genotoxicidade; micronúcleos com defeito cromossômico; instabilidade genômica; benzeno.

ABSTRACT

BACKGROUND: Gas station attendants are at high risk of poisoning due to continuous exposure to fuel fumes. Benzene, present in gasoline, is considered a carcinogen and harmful to the health of gas station attendants.
OBJECTIVE: To investigate genotoxic effects on exfoliated oral mucosa cells in association with occupational exposure among gas station attendants in Santarem, Para, Brazil, and to establish the rate of adherence to personal protective equipment (PPE).
METHODS: The results of the micronucleus test performed with oral mucosa cells stained by means of the Feulgen and Fast Green methods were compared between 126 exposed gas station attendants distributed across six groups and controls.
RESULTS: The frequency of micronuclei was higher among gas station attendants compared to the group not exposed to benzene (p<0.01). The frequency of micronuclei was significantly higher (p<0.01) among the gas station attendants who reported to drink alcohol compared to non-drinkers. None of the participants (0%) used PPE.
CONCLUSION: The frequency of micronuclei in exfoliated oral mucosa cells was higher among gas station attendants compared to controls; frequency was even higher for the gas station attendants who reported to consume alcohol often.

Keywords: occupational risks; genotoxicity; micronuclei, chromosome-defective; genomic instability; benzene.

INTRODUÇÃO

Observa-se o uso crescente de combustíveis fósseis derivados do petróleo, como a gasolina, que contém em sua composição uma mistura complexa e altamente tóxica de hidrocarbonetos parafínicos, naftalenos e fenóis. Esses contaminantes apresentam um alto risco laboral a diversos trabalhadores que são expostos cotidianamente através de ações como retirada, refino, transporte e distribuição dos combustíveis1.

Os frentistas estão expostos a diversos riscos ergonômicos, físicos e químicos, entre eles a intoxicação por vapores da gasolina que manipulam, com consequências pouco estudadas e remediadas no meio laboral desses profissionais. O vapor exalado da gasolina é composto principalmente de hidrocarbonetos alifáticos e aromáticos (HPA), moléculas pouco densas, instáveis e voláteis. Entre eles, benzeno, tolueno, etil-benzeno e xileno (BTEX) são os compostos mais tóxicos, estando inclusive relacionados à carcinogênese2.

O benzeno (C6H6) é um composto que se destaca por seu alto índice tóxico, não havendo concentração segura para a exposição humana. Apesar de sua reconhecida toxicidade, esse composto se encontra em uma variada gama de objetos cotidianos, de cigarros a plásticos. Em combustíveis fósseis como a gasolina e o óleo diesel, sua composição leve, instável e volátil o permite vaporizar rapidamente2.

Como vapor, o benzeno penetra facilmente nos organismos expostos por meio das mucosas por via oral e nasal, em que o tecido epitelial é mais fino e permite maior permeabilidade do tóxico e difusão para a corrente sanguínea, pela qual o contaminante se liga a proteínas no plasma e se acumula nos tecidos gordurosos e em órgãos como rins, pulmões (exposição por inalação) e em especial o fígado, onde é metabolizado3.

A exposição constante a doses consideráveis do benzeno em humanos causa uma série de complicações conhecidas como benzenismo, cuja sintomatologia está intimamente relacionada à carcinogênese, danos no sistema hematopoiético e neurológico, além de lesão no tecido medular2.

Os demais componentes do BTEX atuam de forma semelhante ao benzeno por conta das suas características moleculares, toxicocinéticas e toxicodinâmicas similares. Além de lesões em órgãos específicos, diversos estudos constataram, diante da exposição em longo prazo, a depressão do sistema nervoso central (SNC) e hipoplasia medular, que acarreta citopenias como leucopenia, trombocitopenia e eritropenia4-6.

Para os frentistas, a principal rota de exposição ocupacional ao BTEX é pelo contato direto com o líquido no momento da manipulação do combustível, causando irritação, urticária e queimações tópicas; e da inalação de vapores durante o abastecimento, que permite mais facilmente a absorção pelo organismo e, portanto, tem ações mais sistêmicas2,7.

Em nível celular, os danos da exposição ao BTEX estão relacionados à capacidade dos compostos tóxicos penetrarem facilmente por intermédio das membranas celular e nuclear e interagirem com as bases nitrogenadas do DNA, fragilizando as ligações entre elas, o que pode gerar mutações no genoma8,9.

Diante do referido, é necessário o monitoramento de populações expostas a esses contaminantes químicos. Para isso, emprega-se o uso de parâmetros biológicos, como em testes citogenéticos, para auxiliar na identificação de danos e na compreensão dos efeitos mutagênicos resultantes da exposição10.

O teste de micronúcleo tem sido utilizado para o monitoramento de danos genotóxicos e citotóxicos. O teste consiste em um ensaio para rastrear a genotoxicidade, avaliando a evidência de micronúcleos e outras anormalidades nucleares de células em intérfase3.

Anteriormente ao processo de carcinogênese, as células epiteliais exibem micronúcleos durante o ciclo celular mitótico. Esses são fragmentos de cromatina procedentes de mitoses aberrantes, que permanecem próximos ao núcleo celular, e sua frequência tem sido utilizada para avaliar o grau de injúria genotóxica ao qual células animais estão expostas11.

A avaliação da frequência de micronúcleos em células da mucosa oral tem possibilitado a identificação de grupos de risco para o desenvolvimento de câncer nas vias respiratórias em virtude da exposição a contaminantes potencialmente cancerígenos, como demonstrado em profissionais expostos a partículas de madeira, fumaça de soldagem, assim como em profissionais frentistas12-14.

O presente estudo objetivou avaliar os efeitos genotóxicos decorrentes da exposição ocupacional em células esfoliativas da mucosa oral de frentistas do município de Santarém, Pará, por conta da exposição ao benzeno presente nos vapores voláteis da gasolina; e determinar a taxa de adesão ao uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) por esses colaboradores.

 

MÉTODOS

TIPO DE ESTUDO

Trata-se de uma pesquisa explicativa e experimental de abordagem quantitativa, que visou identificar a frequência de micronúcleos em frentistas expostos aos vapores da gasolina através do teste de micronúcleo.

Utilizou-se o teste do micronúcleo, pois ele se destaca entre os ensaios biológicos em razão da sua especificidade e sensibilidade para o monitoramento de indivíduos sob risco carcinogênico. O teste aponta que, em células da mucosa oral, frequência elevada de micronúcleos é indicativa de altas taxas de mutação e tem sido relacionada ao desenvolvimento de carcinomas nesse tecido15.

PARTICIPANTES DA PESQUISA

O estudo compreendeu uma amostra de 147 voluntários, desses, 126 eram frentistas de 11 postos de combustíveis, sem distinção de bandeiras, da zona urbana do município de Santarém, Pará. O estudo ocorreu no período de julho de 2016.

Após a análise dos dados coletados em uma entrevista realizada por meio de um questionário, a amostra foi dividida em sete grupos, contendo 21 indivíduos cada: nos grupos G1 a G3 estão os frentistas com tempo de serviço de 0 a 5 anos; no G1, os frentistas abstêmios; no G2, os frentistas etilistas; e no G3, os frentistas usuários de antisséptico bucal. Nos grupos G4 a G6 estão os frentistas com tempo de serviço de 6 a 10 anos, com idade entre 18 e 36 anos; sendo no G4 os frentistas abstêmios; no G5, os frentistas etilistas; no G6, os frentistas usuários de antisséptico bucal. E no G7, o grupo controle não exposto.

Os frentistas foram avaliados com relação à sua ocupação e separados em diferentes tempos de exposição aos vapores da gasolina, influência do consumo de álcool e uso de antisséptico bucal, com o intuito de verificar se o tempo de exposição aos BTEX, exposição ao etilismo e antisséptico bucal são determinantes no aumento da quantidade de micronúcleos entre frentistas com maior tempo de profissão quando comparados aos frentistas com menor tempo de profissão.

A quantidade de micronúcleos encontrados nos grupos de frentistas foi comparada ao grupo controle. Os frentistas foram investigados também quanto ao uso de EPIs durante suas atividades laborais.

A separação dos voluntários em cada categoria ocorreu por meio do preenchimento de uma entrevista estruturada, aplicada pelos próprios autores, na qual foram coletadas informações acerca da idade, gênero, profissão e tempo de serviço como frentista, exposição a agentes mutagênicos como fumo, álcool, raio X, uso de aparelho ortodôntico, antisséptico bucal e medicamentos.

Foram incluídos neste estudo os indivíduos que se enquadraram em apenas uma das variáveis estudadas, frentistas com no mínimo um mês de serviços prestados aos postos de combustíveis e no máximo 10 anos, frentistas etilistas com consumo médio de 14 doses semanais de bebidas alcóolicas e frentistas que fazem uso de antisséptico bucal de forma diária.

Na constituição do grupo controle foram selecionados indivíduos considerando-se a situação ocupacional. Fizeram parte desse grupo os alunos de uma universidade sem vínculo empregatício, professores universitários e profissionais da saúde que não tinham contato com possíveis agentes de ação genotóxica estabelecida, reduzindo-se assim os fatores de conflito.

Todos os voluntários assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme preconiza a Resolução nº 466/2012, do Ministério da Saúde. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual do Pará (UEPA), sob o Parecer nº 1.827.532.

AVALIAÇÃO DE MICRONÚCLEOS: COLETA DO MATERIAL, PREPARO DA LÂMINA E ANÁLISE

O teste do micronúcleo em células da mucosa bucal foi executado conforme a metodologia usada por Souto et al.16.

As coletas foram realizadas após os voluntários da pesquisa responderem a uma entrevista estruturada contendo dez perguntas. A coleta das células epiteliais da mucosa oral dos participantes foi realizada com auxílio de uma escova citológica do tipo citobrush e as células raspadas foram espalhadas sobre lâminas previamente limpas com álcool 99,5º GL. Os esfregaços foramrealizados à temperatura ambiente, sendoposteriormente fixados com fixador citológico spray. Não houve bloqueio da citocinese nas células investigadas no presente estudo.

As lâminas sofreram hidrólise ácida do DNA com solução de ácido clorídrico (HCl) a 10% por 2 minutos à temperatura ambiente, e deixadas por 6 minutos no banho-maria a 60ºC, sendo levadas em seguida de volta à temperatura ambiente.

As lâminas foram coradas com solução de fucsina básica por 12 minutos ao abrigo da luz e, logo depois, enxaguadas levemente com água para retirar o excesso de corante. Posteriormente, as lâminas foram contracoradas com a solução de Fast Green por 1 minuto e, passado esse tempo, foram enxaguadas em álcool a 70%. Para a quantificação de micronúcleos foram analisadas 2 mil células por indivíduo, em teste cego, objetivando manter a imparcialidade do pesquisador sobre os resultados. Utilizou-se, na análise microscópica, objetiva de imersão com lente de aumento 100X para análise em microscópio óptico. Os parâmetros adotados para a contagem de micronúcleos foram: tamanho menor do que um terço do núcleo; padrão da estrutura e coloração da cromatina idênticos ao do núcleo; e nenhuma ligação com o núcleo (Figura 1).

 


Figura 1. Fotomicrografia de uma célula do epitélio oral contendo micronúcleo, Santarém, PA, 2016.

 

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Os dados da análise da frequência de micronúcleos foram apresentados mostrando-se os valores da mediana e a diferença encontrada entre a média e o desvio padrão da média (DP). A comparação entre grupos foi realizada através do teste ANOVA e teste de Tukey, os quais utilizam a diferença entre as médias obtidas na frequência de micronúcleos entre os grupos investigados, sendo que as diferenças foram consideradas significativas quando p<0,05. Os dados foram analisados utilizando o software Bioestat versão 5.3.

 

RESULTADOS

Dos frentistas investigados, 119 (95%) eram do gênero masculino. Houve a investigação sobre o uso de EPIs nesses profissionais e notou-se que, no momento da atividade laboral, nenhum dos 126 frentistas entrevistados, ou seja, 100% da amostra, utilizou esses equipamentos em suas práticas cotidianas nos postos de combustíveis no município de Santarém, Pará.

Em relação à quantificação de micronúcleos, verificou-se, nos grupos expostos, o aumento do número de micronúcleos nos grupos de frentistas com hábito etílico, usuários de antisséptico bucal e ocupação como profissional frentista em relação ao grupo controle, indicando que as substâncias genotóxicas presentes na gasolina, como os BTEX, e as demais variáveis estudadas estão contribuindo para o aumento de micronúcleo nos frentistas investigados no presente estudo (Gráfico 1).

 


Gráfico 1. Quantificação de micronúcleos por grupo, de acordo com o teste de micronúcleos, Santarém, PA, 2016 (n=147).

 

A comparação da frequência de micronúcleos entre os grupos mostrou aumento significativo entre os voluntários dos grupos formados por frentistas expostos aos vapores da gasolina, ao etilismo e ao uso de antisséptico bucal, sendo a frequência de micronúcleos nos grupos expostos significativamente maior (p<0,01), quando comparados ao grupo controle. Observou-se ainda que, no grupo de frentistas com hábito etílico, houve aumento significativo (p<0,01) quando comparado ao grupo de indivíduos somente frentistas sem variáveis, indicando que, nesse grupo de profissionais, o hábito de consumir bebidas alcoólicas possivelmente contribuiu com o aumento de micronúcleos. Porém, não houve diferença significativa entre os grupos frentistas etilistas comparados aos frentistas usuários de antisséptico bucal (Tabela 1).

 

 

DISCUSSÃO

No presente estudo, quando comparada a frequência de micronúcleos encontrados nos grupos de frentistas com o grupo controle, observou-se maior genotoxicidade em frentistas. Esse efeito está relacionado à exposição desses profissionais aos vapores voláteis da gasolina no momento do abastecimento de veículos.

Um estudo prévio realizado no Brasil mostrou que profissionais frentistas apresentam risco mutagênico devido aos efeitos sinérgicos do metanol e demais contaminantes presentes nos combustíveis, evidenciado por aumento da frequência de micronúcleos nesses profissionais expostos em três períodos distintos de exposição17.

Outro estudo, que investigou micronúcleos e anormalidades nucleares em células esfoliativas da mucosa oral em frentistas de um município do sul do país, mostrou maiores quantidades de micronúcleos e anormalidades celulares do tipo células binucleadas e brotos nucleares (broken egg) em frentistas, quando comparados ao grupo sem exposição14.

Um estudo realizado na Índia, que investigou genotoxicidade em profissionais atuantes em postos de revenda de combustíveis, apontou o teste de micronúcleo como um importante biomarcador para avaliar danos em profissionais expostos a substâncias carcinogênicas. Esse método mostrou risco citotóxico aumentado em frentistas18.

Um estudo egípcio demonstrou, em frentistas expostos ao benzeno, maiores taxas de danos relacionados à fragmentação do DNA, aumento da frequência de micronúcleos e maiores taxas de mortalidade em leucócitos de sangue periférico nos profissionais investigados3.

As células da mucosa oral respondem aos efeitos genotóxicos do álcool; e de forma isolada esse agente também provoca aumento na frequência de micronúcleos em células esfoliadas. Maiores danos são evidenciados em indivíduos etilistas do que em não etilistas19,20.

No presente estudo, quando comparado o grupo de frentistas etilistas com o grupo de frentistas abstêmios, pôde-se observar mais ocorrência de mutagenicidade no grupo de frentistas etilistas, indicando que o hábito de consumir bebidas alcoólicas frequentemente contribuiu para o aumento de micronúcleos nesse grupo.

Em um estudo realizado por Faria e Braga, foi avaliado o potencial genotóxico em epitélio oral de estudantes universitários; e o grupo etilista apresentou significativamente maior frequência de micronúcleos quando comparado ao controle21.

Verificou-se que a frequência de micronúcleos relacionada ao tempo de exposição aos vapores da gasolina nos grupos de frentistas com tempo de serviço de 6 a 10 anos não foi significativamente maior do que no grupo de 0 a 5 anos, porém, em ambos os grupos a frequência foi maior do que a encontrada no grupo não exposto.

Assim como no presente estudo, Salem et al. notaram que o aumento do tempo de exposição ao benzeno não alterou de forma significativa os parâmetros genotóxicos em frentistas, indicando que, apesar da citotoxicidade induzida pelo benzeno, a taxa de danos permanece constante, mesmo em períodos diferentes de exposição3.

Neste estudo, notou-se que a associação das variáveis álcool e antisséptico bucal com a exposição constante ao benzeno aumenta consideravelmente a frequência de micronúcleos nos profissionais frentistas, e o hábito etílico não mostrou aumento significativo em comparação ao grupo usuário de antisséptico bucal.

Foram encontrados micronúcleos em maiores quantidades nas amostras dos frentistas dos grupos expostos às substâncias genotóxicas, mostrando que o teste de micronúcleo é bastante eficaz e sensível para mensurar alterações genéticas em indivíduos expostos a carcinógenos.

Os frentistas estão expostos diretamente aos contaminantes presentes nos combustíveis, seja por meio dos vapores que podem ser inalados ou mesmo pelo contato direto com o líquido. Além disso, existe um agravante: no caso da gasolina, que é o benzeno, uma substância química altamente perigosa e causadora de câncer22.

O benzeno torna-se tóxico ao organismo por causa da ação de seus produtos derivados da biotransformação. Primeiramente o benzeno epóxido, uma substância altamente reativa e instável, e a 1,4-benzoquinona, provável responsável pela mielotoxicidade do benzeno23.

Esse hidrocarboneto aromático possui a habilidade de se ligar ao DNA formando aductos, causando mutação pela troca de um nucleotídeo, que ocasiona mudança na fase de leitura ou pequenas deleções ou inserções, entretanto a existência de muitos aductos pode causar a quebra da molécula de DNA, gerando perda de material genético24.

A exposição ocupacional ao benzeno está associada a um risco aumentado de dano genotóxico entre indivíduos expostos à gasolina25.

Os dados encontrados nesta pesquisa demonstram a baixa utilização de EPIs entre trabalhadores frentistas investigados no município de Santarém, tornando esses profissionais mais suscetíveis às ações genotóxicas das substâncias constituintes dos combustíveis.

Durante a entrevista, os profissionais apontaram como um possível obstáculo para o uso desses equipamentos de proteção o desconforto que os mesmos causam durante a realização de suas tarefas nos postos. Em âmbito nacional, verifica-se a baixa aderência ao uso de tais equipamentos por parte dessa classe de profissionais26.

Em um estudo que investigou a exposição ocupacional à gasolina em 20 frentistas de um município do nordeste brasileiro, observou-se que 100% dos profissionais investigados não utilizavam o EPI, concordando com os dados da presente pesquisa10.

Uma investigação realizada por Portela et al.27 com 32 frentistas do município de Santarém, constatou que o uso de luvas, óculos e máscaras não ocorre de forma rotineira; esses equipamentos somente são empregados em situações específicas no trabalho, como o descarregamento para os reservatórios internos de combustíveis. As botas e uniformes são os únicos EPIs que esses funcionários mais utilizam.

Os principais motivos mencionados pelos frentistas para o não uso do EPI são a indisponibilidade dos equipamentos ou o não fornecimento pela empresa, o fato de serem incômodos/desconfortáveis e o não uso por falta de experiência no manejo desses dispositivos5.

A baixa aderência ao uso de EPIs nos frentistas possibilita o aumento da exposição desses profissionais aos agentes carcinogênicos presentes na gasolina, contribuindo com o número elevado de alterações genotóxicas encontradas nos grupos expostos do presente estudo.

 

CONCLUSÃO

Neste estudo, observou-se que frentistas expostos aos vapores voláteis da gasolina, etilismo e uso de antisséptico bucal tiveram aumento significativo de danos genotóxicos nas células epiteliais da mucosa oral em comparação ao grupo controle. Esses danos permaneceram constantes entre os frentistas abstêmios, mesmo em distintos tempos de exposição. Frentistas etilistas apresentaram maior quantidade de danos genotóxicos, porém esses danos não foram significativos quando comparados aos frentistas usuários de antisséptico bucal. Além disso, observou-se que os profissionais frentistas entrevistados nesta pesquisa não usavam frequentemente os EPIs.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Fundação Esperança, o financiamento do projeto e custeio de bolsas de estudo. Agradecemos também a todas as empresas e aos voluntários que gentilmente se dispuseram a participar da pesquisa.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 23 de Janeiro de 2019.
Aceito em 20 de Maio de 2019.

Fonte de financiamento: Fundação Esperança e Instituto Esperança de Ensino Superior


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