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ARTIGO DE OPINIÃO

Enfermagem do trabalho na construção civil: contribuições à luz da teoria da adaptação de Roy

Occupational health nursing in civil construction: contributions based on Roy’s adaptation theory

Beatriz Maria dos Santos Santiago Ribeiro1; Júlia Trevisan Martins1; Vladimir Araújo da Silva2, Elen Ferraz Teston3; Aline Cristina da-Silva4; Eleine Aparecida Penha Martins1

DOI: 10.5327/Z1679443520190364

RESUMO

Refletir sobre a atuação da enfermagem em uma empresa da construção civil é de fundamental importância, visto que possibilitará aprimorar conhecimentos e revelar outros. Ainda, permitirá que os gestores em conjunto com os trabalhadores busquem estratégias para prevenção de doenças, promoção da saúde e prevenção de agravos. Dessa forma, esta pesquisa teve como objetivo descrever as contribuições da enfermagem em uma empresa da construção civil. Trata-se de um estudo de relato descritivo ancorado na Teoria da Adaptação de Callista Roy. Tal relato foi vivenciado no período de agosto de 2017 a março de 2018, o qual descreve atividades cotidianas desenvolvidas pela enfermagem com os trabalhadores e profissionais da área médica. Acredita-se que este estudo contribuirá para desvelar a importância das atividades desenvolvidas pela enfermagem do trabalho, especificamente na construção civil, bem como a relevância de apoiá-las em um referencial teórico científico; e, assim, aumentar a qualidade de vida no trabalho, buscando cada vez mais um ambiente laboral saudável para todos os envolvidos sem perder de vista a produção.

Palavras-chave: indústria da construção; saúde do trabalhador; enfermagem do trabalho.

ABSTRACT

Reflecting on the role of the nursing staff in civil construction has paramount importance, because it enables improving knowledge and making discoveries. Such reflection is further useful for managers and workers to jointly develop disease prevention and health promotion strategies. The aim of the present study is to describe a nurse’s contributions to a civil construction company. It consists of an experience report according to Callista Roy’s adaptation theory. The analyzed experience took place from August 2017 through March 2018. We describe the activities carried out by the nurse jointly with other healthcare workers. We believe that the present study evidences the significance of occupational health nursing actions, particularly within civil construction, as well as the relevance of providing theoretical scientific grounds to such actions to contribute to make working environments healthier for all the involved actors without neglecting the aspect of productivity.

Keywords: construction industry; occupational health; occupational health nursing.

INTRODUÇÃO

A construção civil conta com uma das piores condições de segurança e os maiores índices de acidentes de trabalho, contribuindo para um grande gasto aos cofres públicos em todo o mundo, com pagamentos de seguros e indenizações, além dos altos índices de invalidez e óbitos, gerando transtornos psicológicos para trabalhadores e familiares1. O investimento em prevenção, segurança e saúde do trabalho traz benefícios para a empresa, os trabalhadores, os profissionais e também para a sociedade. Nessa perspectiva, torna-seimprescindível o investimento em ações preventivas nos ambientes de trabalho, transformando-os em locais com menor risco possível para os laboriosos2.

O enfermeiro do trabalho atua utilizando métodos e técnicas para a prevenção contra riscos químicos, físicos, biológicos e psicossociais; para a manutenção da saúde do trabalhador; para o tratamento de lesões, doenças ocupacionais e não ocupacionais; e para a reabilitação, visando à saúde do trabalhador3. Além disso, opera de modo efetivo na vida dos trabalhadores, auxiliando-os em suas dificuldades e reabilitando-os quando necessário. Responsabiliza-se também em identificar os fatores de risco aos quais os trabalhadores estão expostos, por exemplo, ruídos, poeiras, ergonomia incorreta; e orientar e encaminhar aqueles que possuem problemas de cunho social, como drogas lícitas e ilícitas4.

Nesse contexto, o planejamento e a execução de palestras e campanhas educativas, quando realizadas periodicamente, podem auxiliar na conscientização dos trabalhadores sobre os malefícios de várias doenças evitáveis, entre elas o alcoolismo, o tabagismo, a exposição excessiva aos raios solares, as infecções sexualmente transmissíveis, a hipertensão arterial, o diabetes, sobretudo em relação aos riscos inerentes à função ou ao cargo deles, prevenindo acidentes e doenças ocupacionais.

Enfatiza-se que a Enfermagem do Trabalho realiza a vigilância em saúde, sendo indispensável a manutenção da segurança no ambiente laboral, contribuindo para a educação em saúde, coletando dados estatísticos de morbimortalidade dos trabalhadores, executando e avaliando programas que visam à prevenção de acidentes, ao atendimento ambulatorial, à auditoria e à consultoria em saúde ocupacional, com o intuito de proporcionar segurança e proteção aos trabalhadores3.

Diante do exposto, evidencia-se a escassez de estudos relacionados a atividades desenvolvidas pela Enfermagem do Trabalho, no contexto da construção civil no Brasil. Assim, o presente estudo teve como objetivo descrever as contribuições da enfermagem em uma empresa de construção civil. Ressalta-se que este estudo se ancora nos pressupostos do Modelo de Adaptação de Callista Roy, visto que essa teoria se baseia no constante processo interativo do ser humano com outros seres humanos e com o ambiente, sobretudo no sistema adaptativo em resposta às situações emergentes5 no ambiente de trabalho.

 

METÓDO

Trata-se de um estudo de relato teórico-descritivo e reflexivo. Este relato foi vivenciado por sete meses e descreve as atividades cotidianas desenvolvidas pela enfermagem com os trabalhadores e profissionais da área da saúde. Compreendendo a enfermagem como uma arte e uma ciência, cuja complexidade do cuidado nesse lócus de trabalho requer conhecimentos que vão além das informações contidas nas Normas Reguladoras da Saúde (NRS), buscou-se como embasamento teórico a Teoria da Adaptação de Callista Roy, a qual pode auxiliar os profissionais da área da enfermagem. Ainda, buscou-se apoio na literatura sobre a temática para a realização das discussões. Por não envolver seres humanos, o estudo dispensa o parecer de um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

CONHECENDO O CENÁRIO DE ESTUDO

A experiência ocorreu no período de agosto de 2017 a março de 2018, em uma empresa situada em um município de médio porte na região norte do Paraná. A empresa conta com 700 trabalhadores — 688 homens e 12 mulheres — , dos quais dois eram profissionais da saúde (enfermeira e médico). As equipes eram divididas em 19 setores: terraplanagem; drenagem; Brita Graduada Tratada com Cimento (BGTC); pavimentação; reparo profundo; sinalização; usina; topografia; manutenção; lubrificação; laboratório; administração; recursos humanos; suprimentos; planejamento; controle; medição; saúde; e segurança, sendo organizadas em seis frentes de trabalho, que incluem tendas, banheiros e refeitórios.

A unidade de saúde ocupacional era alocada em dois containeres — um para arquivamento de prontuários e outro para atendimento médico ambulatorial, contendo banheiro e espaço para a realização de curativo e outros procedimentos simples. No que tange à enfermagem do trabalho, eram realizadas ações educativas diariamente, com base nos riscos ocupacionais. O intuito era agir preventivamente para evitar acidentes e doenças ocupacionais, melhorando a qualidade de vida laboral, pois qualquer agravo à saúde, quando identificado e tratado precocemente, poderia ter mais chances de ser controlado adequadamente e, assim, prevenir doenças e promover a saúde dos trabalhadores.

Nessa perspectiva, praticavam-se regularmente ações com enfoque na ergonomia, proporcionando segurança e conforto ao trabalhador; conscientização e monitoramento sobre os agentes nocivos potencialmente prejudiciais à saúde e suas consequências. Essas ações ocorriam por meio de cursos, palestras, Diálogo Diário de Segurança (DDS), Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), distribuição de fliers e preservativos, campanhas e vacinação, proporcionando aos trabalhadores maior conhecimento sobre os fatores de risco ambiental aos quais estão expostos.

Além disso, era realizado o acompanhamento de trabalhadores com doenças crônicas (diabetes, hipertensão arterial, obesidade), infectocontagiosas (tuberculose, hanseníase e infecções sexualmente transmissíveis — IST), neoplasias, entre outras, orientando sobre a importância da adesão ao tratamento, bem como a prevenção.

Em reuniões quinzenais com a equipe de segurança e o médico do trabalho, eram discutidos o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), visando à detecção precoce de riscos e condições impróprias no ambiente laboral, que podem afetar a saúde do trabalhador; o Programa de Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção (PCMAT), planejando ações de segurança e proteção para serem seguidas em cada fase do projeto construtivo; e o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), objetivando controle efetivo para a realização de exames admissionais, periódicos, retorno ao trabalho e demissionais dos trabalhadores.

Na empresa em questão, as atividades realizadas pelo enfermeiro seguiam uma programação mensal pré-determinada: na segunda-feira, no período matutino, há o DDS com as frentes de trabalho visando à orientação dos trabalhadores quanto à promoção da saúde, prevenção de doenças e acidentes; na terça-feira de manhã, ocorriam as reuniões gerencias para o conhecimento da demanda, do lucro, do trabalho, dos riscos e das metas a serem cumpridas pelos trabalhadores; na terça-feira à tarde, aconteciam as reuniões de torre, junto aos gestores, demostrando os índices de absenteísmo, rotatividade e acidentes de trabalho, sugerindo, assim, ações de promoção de saúde; na quarta-feira, auxiliava-se a fonoaudióloga durante as audiometrias, comunicando os colaboradores e fazendo busca ativa aos que não compareciam na data agendada para os exames semestrais ou periódicos. Além disso, a solicitação do trabalhador para os exames ocorria por meio de convocações pelo engenheiro responsável ou encarregado do setor, o que era informado com antecedência ao funcionário; na quinta-feira de manhã, visitavam-se as frentes de trabalho, realizando observações comportamentais e comunicando o trabalhador com conduta não adequada; na sexta-feira de manhã, realizavam-se campanhas executadas junto ao médico do trabalho, conforme PCMSO ou necessidade. Vale ressaltar a participação do enfermeiro na integração de trabalhadores recém-admitidos, instruindo-os em como evitar doenças e acidentes de trabalho.

Diariamente, eram solicitados exames (admissionais, periódicos, de mudança de função, retorno ao trabalho e demissionais) para uma empresa terceirizada, em virtude da grande rotatividade de trabalhadores, alimentação do programa padrão da empresa com exames realizados, consultas médicas, consultas de enfermagem, atendimentos para registro documental que precede o Atestado de Saúde Ocupacional (ASO), entrega de atestados e exames laboratoriais e distribuição de medicamentos conforme o prontuário médico. Além disso, ocorriam mensalmente treinamentos com a Brigada de Incêndio e a CIPA.

No início da obra (construção de duplicação de rodovias) eram efetuadas vistorias no restaurante terceirizado e nos refeitórios localizados nas frentes de trabalho, sendo solicitadas melhorias para evitar possíveis patologias nutricionais relacionadas às condições de higiene. Também era realizado o checklist do PCMSO de empresas terceirizadas (como o restaurante que fornece a alimentação para os laboriosos) para verificação de normalidade, de acordo com a Norma Regulamentadora (NR) 7, sendo devolvido para readequação quando necessário, além de solicitar as Fichas de Informações de Segurança de Produtos Químicos (FISPQ) para, em casos de acidentes, estarem preparados para os primeiros socorros.

Destaca-se que havia um grande desafio a ser enfrentado pelo enfermeiro, haja vista que a empresa determinava o cumprimento de metas, exigindo, muitas vezes, grande esforço do trabalhador. Enfrentavam-se, ainda, dificuldades em logística, pois não havia ambulância no canteiro de obras, nem carro disponível para atender os trabalhadores, sendo necessário o empréstimo de carros de outros setores. Também, era preciso conhecer as referências em saúde local para otimizar o atendimento aos trabalhadores, ter conhecimento técnico-científico para explicar aos responsáveis a importância das pausas durante o turno e incentivar os trabalhadores a fazerem uso da ergonomia com segurança e conforto.

Ressalta-se que as ações educativas direcionadas a esse público-alvo deveriam ser realizadas em dias chuvosos, quando as atividades eram paralisadas, contudo a ausência de períodos chuvosos impedia a implementação de algumas estratégias programadas, impossibilitando de fazê-las no tempo predeterminado pelo gestor. A inexistência de um consultório de enfermagem dificulta os atendimentos, concomitantemente com as consultas médicas e a construção e o fortalecimento da educação em saúde, pois os pacientes precisam ser acolhidos em salas sobrecarregadas de arquivos. Diante de tais restrições, era necessário repensar as estratégias de cuidado para evitar maiores prejuízos. Alguns trabalhadores encontravam-se com o esquema básico de imunização incompleto, cuja atualização deveria ter sido solicitada no início da contratação.

Em relação ao perfil dos trabalhadores, muitos haviam deixado suas famílias em outros estados em busca de trabalho, lamentavam não poder trabalhar mais próximos de suas residências; alguns referiam ser “do mundo”, sem família, sem ninguém, afirmavam gostar de trabalhar nesse ramo por vivenciar novas experiências, aventuras e conhecer pessoas com quem possam compartilhar momentos felizes. Outros trabalhadores, ao serem ouvidos, mencionaram o uso de drogas, sentiam dificuldades em se adaptar àquele estilo de vida e ao salário, que não atendem às necessidades deles. Denota-se que os trabalhadores relatam estar extremamente felizes pela atenção recebida, e asseguravam sentir a falta de um profissional para ouvi-los.

Destarte, a acessibilidade aos serviços de saúde era garantida por meio de visitas em campo, mas nem sempre eram percebidos sinais corporais que caracterizavam fatores de risco à saúde do trabalhador. Em contrapartida, reforçava-se o uso correto dos equipamentos de proteção individual (EPI) fornecidos gratuitamente pela construtora, com boa resistência e conforto, assegurando-lhes a integridade física. É importante registrar que os prontuários são organizados por matrícula e a enfermeira criou um mapa de identificação da obra para proporcionar agilidade no percurso em casos de acidentes e intercorrências.

Observou-se que a mulher inserida no ramo da construção civil favorece o absenteísmo — provavelmente pelas horas extras excessivas, mudanças de turno, cansaço físico e emocional, esgotamento, assédio moral, desconforto no ambiente de trabalho, ansiedade, estresse e tensão. O absenteísmo, a rotatividade e a qualidade de vida no trabalho podem interferir no cotidiano dos trabalhadores, bem como nas atividades de promoção à saúde.

Com efeito, as condições desfavoráveis no ambiente de trabalho podem induzir os trabalhadores a buscar meios de compensar suas insatisfações, assumindo posturas resistentes e defensivas, indiferentes ao processo laboral, optando, porém, pelo absenteísmo no trabalho, resultando em desestruturação da organização e repercutindo na qualidade do serviço prestado.

Considerando o contexto da construção civil, o qual tem grandes índices de acidente de trabalho em virtude das péssimas condições de trabalho, acredita-se que as ações e as orientações realizadas pela enfermagem do trabalho impactaram positivamente os resultados da empresa, haja vista que o encerramento da obra, que teve duração de aproximadamente um ano, não registrou acidente de trabalho com afastamento/auxílio-doença acidentário (B-91) — registrou-se apenas acidente de trabalho sem afastamento e nenhum óbito relacionado ao trabalho.

Salienta-se que as atividades de promoção à saúde, prevenção de doenças e dos riscos ocupacionais seguiram os pressupostos da Teoria de Callista Roy, ao considerar que o ambiente laboral é um complexo que abarca desde o inter-relacionamento pessoal e sua relação com o processo laboral, no que diz respeito às condições de um ambiente saudável e livre de riscos de saúde para todos os envolvidos.

O FAZER DO PROFISSIONAL DE ENFERMAGEM DO TRABALHO

O enfermeiro do trabalho possui competências para realizar atividades de promoção à saúde, prevenção contra acidentes e doenças ocupacionais, além de preparar os trabalhadores para situações de emergência, melhorando a produtividade do trabalhador e reduzindo o índice de absenteísmo por doença3. Vale destacar que a inserção de enfermeiros do trabalho no Brasil teve início sob a direção da enfermeira norte-americana Ethel Parsons, em 1921, subsidiada pela Fundação Rockefeller6.

Os enfermeiros do trabalho norte-americanos executam atividades relativas à segurança, averiguam o histórico de saúde e o estado de saúde do trabalhador, prestam assistência em acidentes de trabalho, realizam preenchimento de sistemas de registros de informações e gerência do serviço de saúde ambiental e ocupacional. Atuam na promoção e na proteção à saúde, avaliam limitações do trabalho, bem como desenvolvem orientações sobre a readaptação do trabalhador, verificam habilidade de executar a atividade profissional e documentam todos os registros de saúde dos trabalhadores6.

Ressaltam-se as similaridades entre enfermeiros brasileiros e norte-americanos atuantes em saúde ocupacional observadas em um estudo: ambos compõem atividades administrativas, educativas e de promoção à saúde, realizando procedimentos de competência da enfermagem; e, algumas vezes, operam com função de coordenação dos serviços de saúde ocupacional. Outro dado apontado são as tarefas de maior significância na saúde ocupacional, das quais se destacam: instruir trabalhadores de modo singular, coletando o histórico de saúde ocupacional deles; ofertar tratamento em casos de acidentes no trabalho; participar da elaboração de planos de benefícios, comitês interdisciplinares, profissionais e comunitários em prol do trabalhador; avaliar objetivos de programas de educação; planejar programas e intervenções; recrutar pessoal de saúde do trabalhador; assegurar o cumprimento de manuais e relatórios gerenciais, dados semelhantes aos apontados neste estudo6.

As diferenças entre esses profissionais, por sua vez, estão relacionadas ao campo demográfico: nos Estados Unidos, a concentração de enfermeiros nas regiões é proporcional; já no Brasil, a maioria dos enfermeiros está localizada na Região Sudeste. Além disso, no Brasil, a maior parte dos enfermeiros trabalha em empresas com mais de 3.501 funcionários, diferentemente dos Estados Unidos, em que esses profissionais atuam em empresas com mil a dois mil trabalhadores. No Brasil, os enfermeiros operam mais com atividades educativas, ao contrário dos EUA, em que lidam mais com atividades de coordenação6.

O enfermeiro do trabalho impacta sobre os riscos ou problemas potenciais e promove mudanças no ambiente laboral durante uma condição de trabalho, além de possuir capacidade no Controle Ambiental e de segurança do trabalhador. Na Espanha, observa-se a atuação desse profissional visando a um vínculo proximal com trabalhadores de forma holística. Esse profissional identifica e protege os trabalhadores; fornece informações sobre medidas preventivas e organizacionais, promovendo a prevenção de riscos ocupacionais, incluindo técnicas de enfermagem específicas para analisar a saúde do trabalhador; desenvolve planos de emergência; transmite informações aos gestores do trabalho referentes a acidentes graves quanto aos profissionais; instrui órgãos executivos para a gestão adequada do trabalhador; e faz protocolos para providências de violência no trabalho7.

Um estudo de abordagem qualitativa exploratória, totalizando 34 profissionais das áreas de saúde e segurança do trabalho, dos quais oito são enfermeiros do trabalho, observou que eles possuem boa relação com os demais profissionais, realizam momentos marcados por conversa, respeito, parceria e colaboração, porém enfermeiros têm dificuldade em receber apoio, suporte e liderança na equipe, em razão da distância física entre profissionais da saúde e segurança e por atuarem em ambientes distintos de trabalho, além de conflitos com médicos em momentos de imposição de hierarquia — enfermeiros relataram que médicos delegam preenchimento de tarefas administrativas, que são de responsabilidade médica. A enfermagem participa da elaboração de documentos legais, como o PCMSO; em contrapartida, não foram constatadas participações do profissional de enfermagem na elaboração do PPRA. Esses profissionais participam de DDS, palestras, campanhas, treinamento e elaboração de cartazes e fôlderes8.

Salienta-se que, no Brasil, os enfermeiros utilizam, mesmo que inconscientemente, um ciclo permanente de ensinar e aprender, concretizando os princípios e as diretrizes estabelecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e traduzidos como direito à saúde9. A atuação do enfermeiro de trabalho deve estar pautada na diminuição da exposição dos trabalhadores a fatores de risco, com a finalidade de prevenir a ocorrência de doenças e agravos, isto é, deve primar pela promoção da saúde, prevenção de doenças e agravos, bem como ações de educação para incentivar o comportamento e os hábitos saudáveis, já que há exigências de produtividade10. Assim, podem-se atender às necessidades das empresas que precisam produzir, mas sem deixar de lado a segurança, o bem-estar físico e psíquico de seus trabalhadores.

No desenvolvimento das atividades da enfermagem na construção civil do presente estudo, identificou-se a necessidade de ações educativas aos trabalhadores com hipertensão arterial e diabetes. Por falta de orientações — envolvendo mudanças de hábitos alimentares e a importância de se praticar exercícios físicos, com o intuito de melhorar a qualidade de vida — , a maioria deles não aderia ao tratamento e, em contato com suas atividades, agravava as próprias condições de saúde, revelando respostas ineficientes de adaptação.

O desenvolvimento de ações e medidas de segurança, a detecção e a minimização de riscos ocupacionais e as orientações fornecidas pelo profissional da Enfermagem do Trabalho não se limitam apenas à infraestrutura da instituição, pois os trabalhadores se tornam multiplicadores do conhecimento aprendido em suas famílias e em seu convívio social11. O momento da avaliação dos riscos é uma das principais ações de prevenção, tornando-se uma ferramenta essencial para a prevenção dos riscos ocupacionais e, consequentemente, auxilia na redução de acidentes de trabalho e de doenças profissionais. Em estudo internacional, identificam-se dois fatores de risco mais frequentes na atividade da construção civil, sendo o mais repetido o correspondente ao trabalho com máquinas ou ferramentas manuais, e o segundo acontece com a elevação ou a movimentação de pessoas ou cargas pesadas12.

Os trabalhadores da construção civil geralmente têm déficit de conhecimento sobre as condições de trabalho e as medidas de proteção, sendo evidenciada a importância da atuação da Enfermagem do Trabalho. Sendo assim, o enfermeiro do trabalho promove a melhoria do estilo de vida dos trabalhadores e de futuras complicações de saúde. Desse modo, há a necessidade de maiores investimentos com trabalhadores da saúde inseridos nas empresas do ramo de construção civil, pois o enfermeiro propicia melhores condições de trabalho, mantendo o equilíbrio da saúde do trabalhador13.

TEORIA DA ADAPTAÇÃO DE ROY: POSSIBILIDADES DE RESPALDO CIENTÍFICO PARA A ENFERMAGEM DO TRABALHO

Os trabalhadores da construção civil estão sujeitos a desenvolver doenças ocupacionais, como lesão por esforço repetitivo (LER); distúrbio osteomuscular relacionado ao trabalho (DORT); dermatites; perda auditiva induzida por ruídos (PAIR); intoxicações por chumbo; pneumoconiose, entre outras. Os riscos ocupacionais que determinam a incidência desses problemas de saúde são: a utilização de veículos automotores; as posturas antiergonômicas, por exemplo, a elevação de objetos pesados; a exposição a agentes biológicos, químicos ou físicos; a inalação de poeira de materiais como linha, borracha, sílica e asbestos; o estresse relacionado à transitoriedade e à alta rotatividade; o trabalho em grandes alturas; a manobra de máquinas, equipamentos e ferramentas perfurocortantes; e as instalações elétricas14.

Na concepção de Roy, o ambiente abrange as condições, as circunstâncias e as influências que afetam, positiva ou negativamente, o comportamento e o desenvolvimento da pessoa15. A pessoa, por sua vez, é concebida como um sistema adaptativo, constituído pelo input, que contempla os estímulos internos e externos — focais (confrontados diretamente pela pessoa; causa imediata e visível do problema); contextuais (que indiretamente influenciam, positiva ou negativamente, a situação vivenciada; envolve fatores causais); e residuais (intrínsecos ou não à pessoa, com influências incertas nas respostas adaptativas; envolvem experiências passadas do cliente aos agravos de saúde, além das experiências influenciarem a sua condição atual) — , determinando os níveis de adaptação da pessoa às condições ambientais; o output,que envolve respostas, controles e estratégias de enfrentamento; e o feedback, responsável pela retroalimentação do sistema, o qual se encontra atrelado aos subsistemas reguladores e cognoscentes16,17.

O subsistema regulador abrange os estímulos internos e suscita respostas automáticas e inconscientes, por meio de reações químicas, neuronais e endócrinas; e o subsistema cognoscente decodifica estímulos internos e externos, originando respostas conscientes e deliberadas, atreladas à cognição e ao intelecto16.

Na teoria de Callista Roy, a saúde é tida como resultado de um processo de adaptação aos diversos estímulos — estresse, doença e infelicidade7 — que subsidia a integridade e a capacidade de sobrevivência, crescimento, reprodução e controle da pessoa. Nessa perspectiva, cabe à enfermagem manipular os estímulos focais e contextuais, com o intuito de incitar respostas adaptativas inerentes aos modos adaptativos fisiológico, autoconceito, função do papel e interdependência16.

O modo fisiológico está relacionado ao subsistema regulador, que contempla as respostas físicas aos estímulos ambientais, articulando as necessidades básicas de oxigenação, nutrição, eliminação, atividade e repouso, proteção; às funções neurológicas e endócrinas; aos sentidos e aos equilíbrios hidroeletrolíticos e ácido-base. O modo autoconceito está atrelado à integridade física e aos aspectos psicológicos e espirituais, envolvendo os valores e as expectativas de cada pessoa, como a imagem corporal, a autoconsciência, o auto ideal, a ética, a moral e a espiritualidade. O modo função do papel envolve a dimensão social e os aspectos relacionados ao desempenho e à interação com outras pessoas16. O modo da interdependência, por sua vez, abrange as relações interpessoais, os sistemas de apoio e a satisfação das necessidades afetivas — amor, respeito e afirmação16,18,19.

Com efeito, os modos adaptativos expressam comportamentos humanos que revelam respostas adaptativas ou ineficientes diante das situações de saúde e doença, caracterizando uma tipologia adaptativa, ou seja, indicadores de adaptação positiva ou dificuldades de adaptação. Portanto, estar adaptado significa estar em equilíbrio consigo mesmo e com os outros, e recuperar o bem-estar físico, psíquico social16 .

No que diz respeito à assistência de Enfermagem do Trabalho, com ênfase no Modelo de Adaptação de Roy, permite-se uma análise detalhada das condições ambientais e de saúde dos trabalhadores; a elaboração de estratégias para o cuidado; a produção de subsídios para planejar e executar intervenções; e avaliar a sua efetividade e a promoção de respostas adaptativas nos trabalhadores, contribuindo para melhor qualidade de vida no trabalho, facilitando o processo adaptativo, melhorando os resultados e eliminando situações negativas no ambiente de trabalho15.

Durante o período de experiência supracitado, como exposto, não houve registros de acidente laboral com afastamento/auxílio- -doença acidentário (B-91), no entanto ocorreram oito acidentes de trabalho com poucos danos à saúde: três ficaram em plano de trabalho restrito, conforme recomendações do médico da empresa, e os outros voltaram para suas atividades normalmente, por não apresentarem maior gravidade. Dessa forma, pode-se inferir que as ações desenvolvidas pela enfermagem, em conjunto com outros profissionais, foram contributivas para esses dados.

As ações educativas em saúde compreendem espaços de produção e aplicação de saberes, destinadas ao desenvolvimento humano, além de estimularem a aquisição contínua de conhecimentos pelos profissionais de saúde17. Nesse sentido, a Teoria da Adaptação de Roy favorece as respostas adaptativas dos profissionais, pois as ações educativas constituem estímulos contextuais que influenciam o seu processo adaptativo às demandas da enfermagem do trabalho.

Outro conceito importante na teoria de Roy é o processo coping, ou seja, o processo de enfrentamento que envolve os mecanismos de interação com o ambiente em transformação, resultando em adaptação. O coping pode ser inato (uma característica genética do ser humano; um mecanismo instintivo que favorece a interação e a adaptação ao ambiente em transformação) ou adquirido (uma habilidade desenvolvida a partir das experiências vivenciadas, capaz de influenciar desde respostas adaptativas a estímulos específicos)19.

Vale destacar que, por meio de planejamentos e implantações de ações orientadas pela teoria de Adaptação de Roy, foi possível identificar os reais problemas dos trabalhadores, suas causas, bem como as formas de intervenção que foram realizadas pela enfermeira em conjunto com a equipe multiprofissional. Salienta-se, ainda, que a enfermagem precisa contribuir de forma significativa para a manutenção da saúde do operário/trabalhador de maneira que esse possa desenvolver suas atividades laborais com liberdade, prazer e o máximo de segurança, ou seja, maximizando a qualidade de vida no trabalho e, por sua vez, na vida privada20.

Estudos desenvolvidos na África Ocidental mostram a complexidade da temática na construção civil, principalmente quando abordam a gestão da segurança e saúde no trabalho21. Sendo assim, acredita-se que o presente estudo é de fundamental importância para incentivar o uso das teorias como balizadoras das práticas do enfermeiro inserido na saúde ocupacional.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sobremaneira, o presente estudo mostrou o cotidiano da Enfermagem do Trabalho e reafirmou a importância da prevenção, da proteção e da promoção da saúde dos trabalhadores, no contexto da construção civil, no período em que a enfermeira desenvolveu suas atividades em conjunto com outros profissionais. Não houve registros de acidente laboral com afastamento/auxílio-doença acidentário. Aconteceram apenas oito acidentes de trabalho que impactaram minimamente na saúde dos trabalhadores, pois dois ficaram em plano de trabalho restrito, conforme recomendações do médico da empresa, e os outros voltaram para suas atividades normalmente, por não apresentarem maior gravidade e serem capazes de desenvolver suas funções sem prejuízos para eles próprios.

A utilização da Teoria de Adaptação de Roy atribui respaldo científico às ações da enfermagem ao refletir sobre os estímulos contextuais caracterizados como riscos ocupacionais, transformando o ambiente laboral, prevenindo acidentes e doenças ocupacionais e agravos à saúde, favorecendo respostas adaptativas, buscando melhora na qualidade de vida, estimulando o relacionamento interpessoal e reduzindo os índices de absenteísmo.

Pode-se afirmar que o estudo de relato de experiência contribuiu para revelar e reafirmar a importância das atividades da enfermagem em empresas da construção civil, atividades essas que foram balizadas por um referencial teórico, fornecendo embasamentos cientificamente nas atividades executadas, ou seja, o uso da teoria teve papel importante no que diz respeito à aproximação da realidade dos trabalhadores e à adequação de suas ações.

Por fim, considera-se que este estudo atendeu aos objetivos propostos, porém teve limitações, já que foi apresentado apenas o relato do trabalho de uma enfermeira e de uma única empresa de construção civil. Portanto, sugere-se que outros estudos sejam desenvolvidos acerca dessa temática, utilizando teorias para embasar o planejamento de todas as ações. Além disso, reconhece-se a necessidade de futuros estudos, uma vez que a escuta qualificada e a gestão social são discussões que requisitam maiores subsídios teóricos para seus desdobramentos e implementação no processo de cuidar.

 

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Recebido em 27 de Dezembro de 2018.
Aceito em 6 de Maio de 2019.

Fonte de financiamento: nenhuma


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