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ARTIGO ORIGINAL

Análise da satisfação de profissional e síndrome de Burnout em profissionais da saúde bucal no Sistema Único de Saúde de Sobral, Ceará

Job satisfaction and burnout among oral healthcare providers within the Unified Health System in Sobral, Ceará, Brazil

Raul Anderson Domingues Alves da Silva1; Ana Karine Macedo Teixeira1; Myrna Maria Arcanjo Frota1; Jacques Antonio Cavalcante Maciel1; Mariana Ramalho de Farias2

DOI: 10.5327/Z1679443520190352

RESUMO

INTRODUÇÃO: O trabalho em saúde bucal possui características específicas que podem influenciar os níveis de satisfação do profissional e o desenvolvimento da síndrome de Burnout, interferindo na qualidade de vida desses profissionais e nos serviços prestados por eles. O presente trabalho buscou analisar os níveis de satisfação dos profissionais de saúde bucal da rede pública de Sobral, Ceará, os fatores inerentes à ocupação e estimar a prevalência da síndrome de Burnout entre eles.
MÉTODOS: O estudo transversal foi realizado em 2017 com 95 profissionais inseridos nos níveis primário e secundário de atenção por meio dos questionários: Occupational Stress Indicator, Maslach Burnout Inventory-Human Services Survey e um sociodemográfico. Os dados foram analisados pelo teste do χ2 com o nível de significância p<0,05.
RESULTADOS: Os resultados mostraram que os aspectos de insatisfação se relacionaram às condições precárias de trabalho e à baixa valorização profissional, enquanto o nível de satisfação estava associado ao relacionamento interpessoal. A prevalência geral da síndrome foi baixa (1,05%), entretanto na análise das subescalas observou-se que 37,9% apresentaram baixa realização pessoal e 22,1% demonstraram alta exaustão emocional.
CONCLUSÃO: A insatisfação laboral e os níveis das subescalas de Burnout evidenciaram a necessidade de uma investigação mais aprofundada das condições de trabalho desses profissionais.

Palavras-chave: satisfação no trabalho; esgotamento profissional; saúde do trabalhador; odontologia; recursos humanos em odontologia.

ABSTRACT

BACKGROUND: The particular characteristics of oral health care might influence job satisfaction and occurrence of burnout among providers, with consequent impact on their quality of life and the quality of care delivery. In the present study, we analyzed job satisfaction among oral healthcare providers affiliated with the public health service in Sobral, Ceará, Brazil, work-related factors and prevalence of burnout.
METHODS: Cross-sectional study performed in 2017 with 95 oral healthcare providers allocated to primary and secondary care facilities. We administered a sociodemographic questionnaire, the Occupational Stress Indicator scale and theMaslach Burnout Inventory-Human Services Survey. The data were analyzed by means of the χ2 test; the significance level was set to p<0.05.
RESULTS: Job dissatisfaction was associated with precarious working conditions and lack of professional recognition; satisfaction was associated with interpersonal relationships. The overall prevalence of burnout was low (1.05%), however, on subscale analysis 37.9% of the participants exhibited low personal accomplishment and 22.1% high emotional exhaustion.
CONCLUSION: The results for job dissatisfaction and burnout subscales point to the need for more thorough investigation of the working conditions of oral healthcare providers.

Keywords: job satisfaction; burnout, professional; occupational health; dentistry; dental staff.

INTRODUÇÃO

O trabalho como processo de produção tem ocupado um lugar central na vida do homem, servindo de estímulo para reconhecimento, construção pessoal, qualidade de vida e processo de interação e intercâmbio material com a natureza. Dessa forma, o trabalhador passa a desenvolver ou não resistências às pressões físicas e psíquicas em seu trabalho, que podem repercutir em processos de adoecimento laboral1.

Profissionais da saúde apresentam grande vulnerabilidade aos riscos ocupacionais por lidarem com relações interpessoais através da prestação de serviços de cuidado2. A satisfação profissional, caracterizada por um estado emocional agradável, resultante da autoavaliação em relação à atividade laboral3 está diretamente ligada à qualidade dos serviços prestados por esses profissionais, pois associa-se ao desenvolvimento do bem-estar do profissional em seu trabalho e a outros fatores relacionados, como o envolvimento com o trabalho e o comprometimento organizacional2,4.

Grande parte dos estudiosos da área da satisfação do trabalho fazem uso da teoria dos dois fatores de Herzberg, que afirma a existência de dois conjuntos de fatores de variação capazes de influenciar o estado de satisfação do trabalho. Os fatores motivacionais/intrínsecos se referem aos deveres e ações relacionados ao cargo do indivíduo, tais como reconhecimento, tarefas de trabalho e responsabilidades. Os fatores de higiene/extrínsecos referem-se às condições externas ao trabalhador, como segurança, condições de trabalho ou salário. Dessa forma, a presença de motivadores intrínsecos pode gerar satisfação profissional, enquanto a ausência de fatores de higiene/extrínsecos pode criar insatisfação4,5.

O processo de trabalho em saúde bucal apresenta particularidades que podem influenciar os níveis de satisfação profissional. Alguns autores, em estudos desenvolvidos com cirurgiões dentistas5,6, apontam a produtividade, o nível de estresse, o salário, a escassez de recursos, o tempo de trabalho e a percepção da qualidade da equipe como exemplos desses fatores. A equipe de saúde bucal, em especial cirurgiões dentistas, sofre de estresse ocupacional e tem um risco mais elevado de desenvolver síndrome de Burnout. Tanto esse estresse quanto a síndrome estão fortemente relacionados com a satisfação no trabalho5.

A síndrome de Burnout foi caracterizada pela primeira vez em 1974, por Freudenberger, como o resultado de esgotamento, decepção e perda de interesse pela atividade de trabalho, expressando-se mais comumente em profissões com contato direto com pessoas na prestação de serviço, como consequência dessa relação interpessoal2. Mais tarde, esse conceito foi atualizado por Maslach e Jackson e definido como uma síndrome multifatorial em que o sofrimento emocional é considerado o sintoma inicial, caracterizada pela exaustão física e mental, em que a pessoa se apresenta sem energia e vontade de trabalhar1,2,5.

Atualmente, a síndrome consiste em três dimensões que a definem: exaustão emocional (EE), caracterizada por uma tensão emocional que resulta em uma sensação de esgotamento; despersonalização (DE), que consiste no desenvolvimento de uma atitude negativa muitas vezes indiferente ou cínica em relação aos pacientes; e a baixa realização pessoal (RP) no trabalho, que afeta as habilidades interpessoais relacionadas com a prática profissional. Apesar do esgotamento físico também ser um sinal dessa condição, a sensação de estar emocionalmente esgotado é considerada o elemento central do Burnout6,7.

Os problemas de saúde relacionados ao estresse e à síndrome de Burnout em profissionais da odontologia são relatados há mais de meio século e tem-se evidenciado alto nível de insatisfação e prevalência intermediária de Burnout em diversas partes do mundo6-8. No Brasil, o estudo da sua prevalência em profissionais de saúde bucal ainda é pouco explorado. Além disso, estudos que avaliam a síndrome e a satisfação profissional de auxiliares e técnicos em saúde bucal, além de trabalhadores da atenção secundária, no setor público, ainda são escassos na literatura, o que torna relevante e necessário o enfoque em pesquisas do tipo.

Assim, é preciso que se conheça os níveis de satisfação e prevalência de Burnout dos profissionais de saúde bucal, de forma que seja possível melhorar a qualidade da atenção em saúde prestada por eles, uma vez que se encontrem satisfeitos com seu exercício profissional. A presente pesquisa objetivou analisar os níveis de satisfação profissional e a prevalência da síndrome de Burnout nos profissionais de saúde bucal da rede de atenção pública do município de Sobral, Ceará.

 

MÉTODOS

O presente estudo caracteriza-se como quantitativo, transversal e exploratório. A amostra consistiu de todos os cirurgiões dentistas (CD; n=42), técnicos e auxiliares em saúde bucal (TSB/ASB; n=46) da Estratégia Saúde da Família (ESF) no município de Sobral, Ceará. Assim como todos os CD (n=36) e TSB/ASB (n=24) incluídos na Atenção Secundária à Saúde (ASS) do mesmo município. Foram excluídos do estudo os CD da Residência Multiprofissional em Saúde da Família, profissionais em licença maternidade e em período de férias no momento da coleta dos dados.

A coleta foi realizada entre maio e junho de 2017. Para os profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS), a coleta aconteceu durante as reuniões mensais de educação permanente, na Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia, e nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) em que os profissionais atuavam. Já para os da ASS, a coleta ocorreu no Centro de Especialidades Odontológicas Municipal Sanitarista Sergio Arouca (CEO-M) e no Centro de Especialidades Odontológicas Regional Reitor Ícaro de Sousa Moreira (CEO-R).

Os profissionais foram convidados a participar da pesquisa e informados sobre seus objetivos. Foi aplicado um questionário para obtenção de informações sociodemográficas e dois questionários para mensurar a satisfação no trabalho e o nível de Burnout, respectivamente, Escala de Satisfação no Trabalho (Occupational Stress Indicator — OSI)3 e Maslach Burnout Inventory-Human Services Survey (MBI-HSS)9.

Com o OSI foi possível mensurar a satisfação profissional através de 22 aspectos psicossociais no trabalho, por meio de 22 questões. As respostas foram dadas através de uma escala Likert, na qual as pontuações variaram de um a seis. A partir da soma dessas medidas, as respostas foram classificadas dentro da Escala de Satisfação no Trabalho como: insatisfação (22 a 80 pontos), satisfação intermediária (81 a 100 pontos) e satisfação (101 a 132 pontos), organizando as frequências absolutas e relativas de acordo com cada categoria profissional analisada, nível de atenção e para a população geral do estudo. Na estimativa do nível de satisfação referente a cada aspecto psicossocial relacionado ao trabalho na escala, também foram atribuídos os percentuais de resposta para cada ponto da escala Likert, sendo 1 e 2 (insatisfação), 3 e 4 (satisfação intermediária) e 5 e 6 (satisfação), por categoria profissional e nível de atenção analisados.

O MBI-HSS, que foi utilizado para mensurar Burnout nos profissionais, é composto de 22 itens divididos nas 3 subescalas que representam a síndrome: EE, DE e RP. As questões do instrumento usaram uma escala do tipo Likert que variava de um a seis. A pontuação global foi obtida a partir do somatório das frequências das variáveis. Para EE, uma pontuação maior ou igual a 27 indica nível alto; de 17 a 26, moderado; e menor do que 16, baixo. Para DE, pontuações iguais ou maiores do que 13 indicam nível alto; de 7 a 12, moderado; e menores do que 6, baixo. Já RP vai em direção oposta às outras, uma vez que a pontuação de 0 a 31 indica nível alto; de 32 a 38, moderado; e maior ou igual a 39, baixo. Para caracterizar Burnout era preciso que o indivíduo apresentasse alterações nas três subescalas; altos níveis de EE e DE e baixos níveis de RP.

Após a geração de um banco eletrônico com as informações demográficas e psicométricas tabeladas e expostas em termos de valores absolutos e relativos, os dados foram analisados com o auxílio do software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS® versão 22.0, IBM, Estados Unidos). Para verificar a associação entre as variáveis das escalas de OSI (níveis de satisfação) e Burnout nas categorias profissionais CD e TSB/ASB foi utilizado o teste do χ2, considerando o intervalo de confiança de 95%, em que foram considerados estatisticamente significantes as diferenças com p<0,05.

Os autores declararam não apresentar conflitos de interesse nem ter ferido com a pesquisa os princípios éticos de pesquisas com seres humanos. Todos os sujeitos da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, obtendo aprovação sob o número de parecer 2.506.284.

 

RESULTADOS

PERFIL DA AMOSTRA

De um total de 148 profissionais consultados, obteve-se retorno de 64,2%, totalizando uma amostra de 95 indivíduos, dos quais 52,6% (n=50) eram profissionais da APS (CD: n=33; TSB/ASB: n=17) e 47,4% (n=45) da ASS (CD: n=29; TSB/ASB: n=16). A amostra foi constituída por participantes de ambos os sexos, tendo uma maior prevalência de mulheres (80%) e CD (65,3%). A grande maioria dos participantes detinha título de pós-graduação ou estava em andamento (85,4%). Ademais, esses indivíduos apresentavam de 6 a 10 anos de formados (38,7%) e de 1 a 5 anos de atuação no serviço público (43,1%), com carga horária semanal de 40 horas (83,1%) e sem funções de gestão ou chefia no serviço (97,8%) (Tabela 1).

 

 

NÍVEIS DE SATISFAÇÃO PROFISSIONAL

Em relação à satisfação, identificou-se que os profissionais apresentaram maiores níveis de satisfação nos seguintes aspectos do trabalho: relacionamento com outras pessoas no trabalho (83%), conteúdo do trabalho que é realizado (77%), comunicação e forma de fluxo de informação entre a empresa e o profissional (61%) e grau de motivação pelo trabalho (52%). Contudo, os menores índices de satisfação foram: o salário em relação à sua experiência e à responsabilidade (15%), oportunidades oferecidas para atingir aspirações e ambições (22%), forma como mudanças e inovações são implementadas (25%) e o grau de segurança no emprego (27%).

As comparações dos níveis de satisfação entre as categorias profissionais (CD e TSB/ASB) permitiram observar a presença de uma diferença estatisticamente significante entre os níveis de satisfação dessas duas categorias (p<0,001), de modo que enquanto 34% dos CD apresentaram-se insatisfeitos com o processo de trabalho, apenas 6% dos TSB/ASB referiram insatisfação. Porém, a comparação entre os níveis de atenção (APS e ASS) não demonstrou diferença significativa (p<0,246) entre os níveis de satisfação dos profissionais (Tabela 2).

 

 

Na análise da distribuição dos níveis de satisfação segundo cada aspecto psicossocial do trabalho na escala OSI com relação à categoria profissional (grupos CD e TSB/ASB), foi possível identificar diferença estatisticamente significante nos seguintes pontos: mudança (p<0,001), salário (p<0,002), aspirações (p<0,004), supervisão (p<0,005), crescimento (p<0,006), comunicação (p<0,009), decisões (p<0,018) e imagem (p<0,036). Entretanto, os dados absolutos e percentuais foram evidentes em mostrar que ambas as categorias profissionais apresentavam mais insatisfação na variável salário (p<0,002) e mais satisfação em relação à comunicação (p<0,009). Enquanto o nível de satisfação intermediária para os CD foi maior na categoria mudança (p<0,001), os TSB/ASB se mostraram com uma maior satisfação intermediária no que tange ao crescimento (p<0,006) (Tabela 3). Já a comparação dos níveis de satisfação entre APS e ASS mostrou diferença significante apenas para a variável imagem (p<0,006), em que os profissionais da APS mostraram maiores níveis de satisfação intermediária, enquanto os da ASS obtiveram maiores níveis de satisfação (Tabela 4).

 

 

 

 

AVALIAÇÃO DA SÍNDROME DE BURNOUT

A amostra estudada apresentou prevalência total baixa (1,05%) de síndrome de Burnout, tendo sido detectado apenas um caso no grupo TSB/ASB da APS. Analisando cada subescala, observou-se que as frequências dentre as subescalas que indicam o Burnout foram: baixa RP (37,9%), alta EE (22,1%) e alta DE (9,5%). A relação de profissionais com pelo menos 1 (53,6%) ou 2 (6,3%) das 3 subescalas com alta propensão para a síndrome também foi observada. Enquanto a comparação intergrupo da distribuição de frequências mostrou uma diferença significativa entre CD e TSB/ASB apenas na subescala de EE (p<0,010); a comparação por nível de atenção (APS e ASS) demonstrou uma diferença estatística significante (p<0,042) apenas para a subescala de RP (Tabela 5).

 

 

DISCUSSÃO

A diferença nos níveis de satisfação observada entre as duas categorias profissionais (CD e TSB/ASB) analisadas no estudo é pertinente às características específicas e pessoais de cada indivíduo, já que determinar a satisfação no trabalho e seus impactos na vida do trabalhador é complexo, pois alguns fatores podem atuar tanto como determinantes quanto como consequências da satisfação. Ainda assim, os níveis de satisfação relacionam-se com os valores pessoais, considerando as diferenças individuais resultantes das variáveis inatas em interação com as experiências vividas de cada um desses indivíduos10.

A análise dos níveis de satisfação das duas categorias profissionais quanto aos aspectos do processo de trabalho permitiu identificar o grau de satisfação referente aos fatores: decisões, comunicação, supervisão, mudanças, crescimento, aspirações e salário. A categoria de TSB/ASB demonstrou maior nível de satisfação do que os CD em todos eles. A necessidade de uma melhor compreensão desses aspectos torna-se ainda mais relevante, principalmente devido à relação existente entre a transmissão de exaustão relativa aos aspectos laborais entre os CD e a categoria de ASB/TSB7.

A implementação de mudanças e inovações, a participação em tomada de decisões, a comunicação e o fluxo de informações no local de trabalho e a forma como é realizada a supervisão foram alguns dos principais aspectos apontados como divergentes quanto à satisfação dos profissionais analisados. Esses aspectos podem estar relacionados com a forma como as ações no serviço de saúde são implantadas, comumente de maneira vertical e sem a participação dos profissionais na tomada de decisão. A falta de apoio, organização e comunicação com a gestão pode propiciar o surgimento de problemas devido a questões administrativas, sujeitando os profissionais aos desmandos políticos11.

Os TSB/ASB apresentaram-se mais satisfeitos em relação à expectativa de atingir suas ambições do que os CD. Esse resultado se deve à identificação positiva da categoria de TSB/ASB quanto à imagem de seu trabalho que, apesar das condições precárias, não é percebido por elas como adoecedor, mas como uma função de cuidado ao próximo e passível de desenvolvimento do altruísmo. Dessa forma, esse papel social é compreendido como uma ação que ameniza as condições precárias enfrentadas para a realização do trabalho da referida categoria11.

O salário também é apontado como um dos pontos principais para a insatisfação profissional6,12, com resultado maior do que os 54% apontados em um estudo realizado em Piracicaba, São Paulo13. O alto índice de insatisfação salarial mostra-se como um ponto crítico na literatura1, que demonstra a estreita relação entre salário e satisfação no trabalho. Pode-se afirmar que há bons níveis de satisfação no trabalho quando há a presença de concessão de bons salários e benefícios10. Porém, ainda há descontentamento entre os trabalhadores devido aos baixos salários pagos aos profissionais de saúde, que apontam seu setor como de baixo retorno financeiro11.

Outras condições de trabalho como o trabalho repetitivo, especializado e com sobrecarga são apontadas como causadoras de sofrimento na profissão do CD1. Além disso, os profissionais que trabalham em instituições públicas podem apresentar esgotamento mental pela necessidade de atender uma alta demanda de pacientes e muitas vezes pela dupla jornada de emprego14, que pode estar associada à perda de direitos trabalhistas e à falta de lazer desses trabalhadores, na medida em que seu tempo livre é dedicado a outro emprego ou à realização de capacitação para que possam se manter no mercado de trabalho11.

Já o baixo nível de satisfação de TSB/ASB em relação às possibilidades de crescimento na carreira corroboram um estudo realizado na Bahia, no qual se observou que auxiliares do setor público se encontravam insatisfeitas quanto às suas garantias e oportunidades de ascensão no emprego, além disso, o estudo também destacou o fato de grande parte dos profissionais de saúde da rede pública do município não possuíarem vínculo empregatício ou plano de cargos e carreira como a principal causa da insegurança no emprego da categoria15.

Apesar da precariedade das condições de trabalho e dos inúmeros problemas relatados, alguns profissionais apontam aspectos positivos do trabalho que realizam11, existindo uma associação direta entre os níveis de satisfação e o desenvolvimento de um bom relacionamento interpessoal4. Além disso, a produção do cuidado, a motivação do profissional por meio da valorização pessoal e o livre fluxo de comunicação e informações também são influenciadores nos níveis de satisfação do trabalhador11. Dessa forma, nossos resultados corroboram tais achados, evidenciando a importância de seu estímulo no ambiente de trabalho, de forma que reflitam na satisfação e, consequentemente, na qualidade de vida desses profissionais.

Um aspecto interessante observado na pesquisa foi em relação à satisfação dos profissionais quanto à identificação com a imagem externa ou realizações da empresa. O fato dos profissionais da ASS estarem mais satisfeitos com sua imagem pode ser explicado pelo nível de especialização necessário em sua prática profissional. Quando a assistência é executada como uma atividade técnica que incorpora alta tecnologia e especialização, é tida com grande significado e importância na satisfação relatada pelo profissional da saúde bucal1. Sendo assim, valoriza-se cada vez mais o aprimoramento profissional, aumentando sua satisfação e a sensação de estar mais bem preparado.

Já a prevalência da síndrome de Burnout encontrada nos profissionais da saúde bucal de Sobral, Ceará, foi de 1,05%, bem abaixo da média global (acometimento de 10 a 21% para CD)16, divergente dos estudos em populações brasileiras, que exibiram maiores frequências (Ceará: 32%8; São Paulo: 1717 e 48%2), e estudos em outros países (Reino Unido: 8%18; Irlanda do Norte: 16%6; e Holanda: 11 a 16%9). A baixa prevalência encontrada assemelhou-se apenas a um estudo holandês (2,5%)19, semelhança que também é percebida quanto à maior expressão na subescala RP em detrimento das outras no mesmo estudo, apresentando um nível de 30,8% quanto à RP.

Em alguns estudos semelhantes, os profissionais expressaram menos sensação de RP, como refletido pela maior porcentagem de baixa RP (Hong Kong: 39,0%20; Coreia do Sul: 31,5%21; e Reino Unido: 31,9%18). Isso sugere que esses profissionais, assim como os da presente pesquisa, tiveram menor satisfação no trabalho. Portanto, apesar da baixa prevalência da síndrome, é preciso levar em consideração também a natureza e a potencialidade da insatisfação profissional em nossos achados, assim como sua influência no desenvolvimento da síndrome. Dessa forma, os resultados da pesquisa são consistentes com estudos que revelam uma relação negativa entre Burnout e satisfação no trabalho; e denotam vários fatores causadores de estresse em dentistas, tais como ambiente circundante22, pressão no tempo de trabalho e preocupações financeiras20. Ainda assim, a grande expressão das subescalas da síndrome na nossa amostra indica uma grande propensão ao desenvolvimento da doença por essa população, mesmo que em menor grau. Além disso, os primeiros sinais de exaustão emocional, bem como os sentimentos de redução da realização pessoal, devem ser considerados alertas precoces para o risco de desenvolvimento da síndrome de Burnout23.

Apesar de EE ter sido a subescala menos expressiva na amostra estudada, Maslach salienta que é o sintoma mais reportado pelos indivíduos, podendo desencadear Burnout caso não sejam tomadas medidas preventivas24. Além do mais, um estudo finlandês evidenciou que a EE pode ser transmitida entre a equipe (CD e TSB) por meio das relações interpessoais positivas e frequentes quando o membro que está mais alto na hierarquia (CD) apresentar altos níveis de exaustão7. Isso ratifica a necessidade da análise individual das subescalas da síndrome, para que seja possível realizar a identificação de seus fatores causais e sua influência sobre os níveis de satisfação laboral, possibilitando o desenvolvimento de medidas preventivas mais eficazes para suplantá-la.

A respeito da perspectiva sociodemográfica, um trabalho realizado com CD no Iêmen25 afirma que o grau de insatisfação com os aspectos psicossociais do trabalho pode ter relação diretamente proporcional com a idade menor do que 30 anos (71,4%) e experiência na profissão menor do que 5 anos (73,1%). Já para a prevalência de Burnout em relação à sua ocorrência quanto ao gênero, a literatura parece discordar se ela é maior entre os homens2,6,26 ou mulheres8,27, como foi encontrado no presente estudo. Ainda assim, acredita-se que os níveis das dimensões da síndrome podem variar em relação ao gênero8.

A baixa prevalência de Burnout encontrada pode ser explicada também em função do número de profissionais com boa qualificação profissional na amostra. Aqueles profissionais com qualificações de pós-graduação podem ter melhores conhecimentos, técnicas e habilidades de comunicação, e acabam sabendo lidar melhor com pacientes, o que pode acabar contribuindo na redução dos efeitos da síndrome20. Além disso, a falta de perspectivas de carreira em dentistas menos qualificados pode ser crucial no desenvolvimento do Burnout28. Um estudo desenvolvido na Índia encontrou resultados significativos para a RP ser maior entre os dentistas com maior qualificação23.

Uma pequena proporção de profissionais (1,05%) da amostra demonstrou associação significativa nas três subescalas da síndrome. Apesar disso, outra parcela (6,3%) possuía associação a dois domínios centrais do Burnout, enquanto outro grupo (53,6%) possuía escores associados em pelo menos uma das subescalas. De acordo com os critérios de categorização em grupo de risco usado por Te Brake et al.29, 69,9% dos profissionais da amostra possuem risco para o desenvolvimento de Burnout, tornando-se um grupo para o qual há "considerável motivo de preocupação". Dessa forma, o risco de desenvolvimento do Burnout, mesmo quando expressado em sua menor forma, como quando associado a uma ou duas das subescalas, deve ser tratado com atenção por meio do desenvolvimento de medidas preventivas a fim de reduzir seu impacto negativo sobre esses profissionais29.

Apesar desse contexto, a síndrome de Burnout, seu diagnóstico, tratamento e consequências para a vida dos profissionais ainda são pouco explorados. O desgaste causado pelo estresse laboral nos profissionais pode acabar gerando diversos transtornos psíquicos, tais como: dificuldade de relacionamento e concentração; distúrbios do sono; falta de tempo para relaxar; dificuldade em suportar as tensões; falta de energia2; e crises de ansiedade que podem chegar a ser três vezes superiores às de outros profissionais da saúde30. Além de sintomas físicos, tais como: aumento ou perda de peso; debilidade do sistema imunológico; potencialização dos problemas digestivos e cardiovasculares; dores de cabeça; artrites; irregularidades hormonais2; sinais de fadiga musculoesquelética e nervosa25,30.

As expressivas taxas de suicídio entre CD16,30, a escassez de tratamento para os principais fatores causadores de estresse nesses profissionais24 e a ausência de medidas preventivas ao desgaste laboral16 são capazes de aumentar esse risco de insatisfação profissional e, consequentemente, podem acabar facilitando o desenvolvimento do estado de Burnout. Achados como esses evidenciam a importância da qualidade de vida dos profissionais da saúde no setor público e sua saúde laboral, de forma que seja possível minimizar os efeitos da síndrome sobre o trabalhador2.

Dentre as principais limitações, o desenho transversal utilizado neste trabalho não permite uma identificação direta de fatores causais aos níveis de satisfação profissional ou estados de Burnout. Ainda assim, conhecer a satisfação profissional e a prevalência da síndrome de Burnout em uma população e associá-la com suas variáveis sociodemográficas serve para um melhor entendimento dessas condições e para o desenvolvimento de novos estudos com delineamentos mais complexos. Além disso, outra limitação foi quanto à participação dos profissionais na pesquisa. Algumas coletas foram realizadas no próprio serviço, o que fez com que houvesse recusa de alguns profissionais que alegaram não estarem disponíveis para participar. Outros, principalmente TSB/ASB, se recusaram por medo de represália da gestão devido aos possíveis descontentamentos relatados em algumas perguntas. Por fim, houve também recusa por desinteresse em participar da pesquisa.

Além disso, há a possibilidade do baixo índice de prevalência de Burnout encontrado ser resultado da forma como essa variável foi tratada em nossa análise, o que pode ter acabado se transformando em um fator de confusão. Entretanto, a alta expressão das três dimensões que representam a síndrome demonstra dimensões que representam a síndrome demonstra uma propensão para o seu desenvolvimento. Dessa forma, mesmo com vários pontos em comum, ainda é preciso entender melhor como se estabelece a relação entre satisfação no trabalho e esgotamento profissional. Além do mais, para se entender o sofrimento alheio é preciso passar pelo que lhe é dito e considerar que a autenticidade sobre esse sofrimento pode ser marcada por distorções devido ao interesse pessoal e às estratégias defensivas1, resultando na criação de vieses e, em alguns casos, mascarando a síndrome de Burnout8, o que pode ter sido refletido em nossos resultados. Entretanto, essas formas veladas do sofrimento e estratégias defensivas ainda são de interesse para o presente estudo e servem de aprendizado e reflexão para os futuros estudos na área.

 

CONCLUSÃO

O estudo encontrou distintos aspectos de insatisfação laboral entre a equipe de saúde bucal e as categorias profissionais (CD e TSB/ASB), principalmente relacionados ao trabalho precário e à baixa valorização profissional (salário, oportunidade de atingir ambições e aspirações, segurança e estrutura organizacional), ainda assim, alguns aspectos demonstraram altos níveis de satisfação, principalmente os pertinentes ao relacionamento interpessoal (relacionamento com outras pessoas, conteúdo do trabalho produzido, comunicação e fluxo de informações, imagem e grau de motivação). Maiores reflexões a respeito das condições laborais em que os profissionais de saúde bucal estão inseridos ainda são necessárias, tendo em vista um maior enfrentamento das condições causadoras e o aperfeiçoamento das condições para reduzir os níveis de insatisfação profissional, de forma que seja possível adotar estratégias organizacionais e individuais preventivas capazes de melhorar essas condições, possibilitando a minimização dos efeitos da síndrome de Burnout sobre esses trabalhadores e a melhoria da qualidade dos serviços prestados por eles.

 

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Recebido em 8 de Dezembro de 2018.
Aceito em 13 de Julho de 2019.

Fonte de financiamento: nenhuma


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