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ARTIGOS ORIGINAIS

Absenteísmo dos profissionais de enfermagem de um hospital universitário do estado de São Paulo, Brasil

Absenteeism of professional nursing in a public hospital in the state of São Paulo

Sergio Roberto de Lucca1; Marcelo Scapari Dutra Rodrigues2

RESUMO

CONTEXTO: Características próprias do processo de trabalho em saúde em um hospital público universitário, incluindo a dimensão interpessoal entre os profissionais e usuários, durante a prestação do cuidado e assistência, podem comprometer a saúde e a integridade dos trabalhadores. Os trabalhadores da saúde podem manifestar sinais de sofrimento e adoecimento. O absenteísmo por doença traz prejuízos para o profissional de saúde, para a instituição e compromete a qualidade do cuidado em saúde.
OBJETIVOS: Descrever as causas do absenteísmo entre os profissionais de enfermagem de um hospital público universitário de Campinas – São Paulo.
MÉTODOS: Trata-se de uma pesquisa descritiva de analise dos dados sociodemograficos de 1.028 profissionais de enfermagem que se afastaram do trabalho devido doença não relacionada com o trabalho entre 1º de setembro de 2012 a 31 de agosto de 2013.
RESULTADOS: Entre os profissionais da equipe de enfermagem de um hospital universitário do estado de São Paulo, os técnicos de enfermagem apresentaram maior número de afastamentos por doença. Os transtornos mentais e comportamentais com 24,80% e as doenças osteomusculares com 17,86% foram os principais grupos de causas de afastamento do trabalho, no período estudado.
CONCLUSÃO: Evidencia-se a necessidade de a instituição de saúde estabelecer programas e políticas direcionadas ao atendimento e a prevenção de doenças para a preservação da saúde dos profissionais de enfermagem.

Palavras-chave: assistência hospitalar; absenteísmo; enfermagem.

ABSTRACT

CONTEXT: Characteristics own work process in health care in a public hospital, including the relational dimension between professionals and users while providing care and assistance, may compromise the health and safety of workers. Due to specific conditions of the work process in health, workers tend to adopt defensive attitudes as a way to counteract their suffering and neutralize the installation of illnesses. The absenteeism due to sickness is hazardous to health professionals and the institution and also compromises the quality of health care.
OBJECTIVES: To study the causes of absenteeism among nurses in the public hospital.
METHODS: This study analyzed sociodemographic and Professional data of 1,028 workers from the nursing staff who have been absent from work due to illness in the period from September 1st, 2012 to August 31st, 2013.
RESULTS: The nursing technicians had a higher number of sick leaves. The disease groups characterized by mental/behavioral disorders with 24.80% and musculoskeletal deseases, with 17.86% were the main causes of absenteeism for these professionals, respectively.
DISCUSSION: This study highlights the need of health facilities to make program to preserving the health of these professionals without losses to the quality of care provided to patients and users of health services.

Keywords: hospital care; hospitals; absenteeism; nursing.

INTRODUÇÃO

O trabalho é fundamental na vida das pessoas não apenas como meio de sobrevivência, mas também como fator de realização pessoal e profissional. Ainda pode ser compreendido como organizador da vida social. Entretanto, características históricas e econômicas podem submeter os trabalhadores a situações de subordinação e alienação por ocasião da desarticulação entre o pensar e o agir, predominando tarefas prescritas e repetitivas1.

Segundo Dejours2, o trabalho é um elemento fundamental para a preservação da saúde e pode ser fonte de prazer, mas também pode causar sofrimento e desencadear doenças nos trabalhadores. Para o mesmo autor, diante do contexto de crise do emprego ou da falta deste, e da ameaça do desemprego, os indivíduos vivenciam o medo. Esse sentimento reforça condutas de obediência, de submissão, fragilização da ética, quebra de reciprocidade e de solidariedade nas relações humanas, incutindo um temor que individualiza o sofrimento dos que vivem a mesma condição3.

O trabalho realizado nas organizações hospitalares é essencialmente coletivo, cujo propósito é o desenvolvimento de atividades destinadas a atingir o produto final que é a assistência ao paciente. Por ser coletivo, o trabalho exige a comunicação entre os membros da equipe e também entre esses e os que recebem seus cuidados, estabelecendo uma rede de relações sociais que é produzida e reproduzida pelas várias estratégias adotadas pelos profissionais de saúde e pelos próprios pacientes4.

No hospital há uma nítida divisão técnica do trabalho: os profissionais que cuidam diretamente dos doentes e aqueles que prescrevem e dão sustentação ao processo de cuidar. Os profissionais de saúde atuam de forma complementar, porém nem sempre harmoniosamente; uma vez que o trabalho é compartimentalizado, cada grupo profissional se organiza e presta parte da assistência de saúde separado dos demais, muitas vezes duplicando esforços e até tomando atitudes contraditórias4.

O profissional de saúde no hospital está exposto a diferentes estressores ocupacionais que afetam diretamente a sua saúde, tais como: as longas jornadas de trabalho, o número insuficiente de pessoal, a falta de reconhecimento profissional, a exposição do profissional a riscos biológicos, químicos e ergonômicos. O desempenho desses profissionais envolve uma série de atividades que necessitam forçadamente um controle mental e emocional5. Particularmente, os trabalhadores da equipe da enfermagem se deparam com a falta de preparo para enfrentar suas demandas emocionais e a dos pacientes acometidos por diferentes problemas de saúde e suas famílias. Esses profissionais têm um grau de interação maior, mais direto e contínuo, com os pacientes. Geralmente, permanecem mais tempo na organização, confrontando-se diariamente com a dor e o sofrimento alheio e a morte, sem nenhum suporte, expostos a cargas psíquicas que, somadas às outras más condições de trabalho, podem proporcionar sofrimento mental importante, com sintomas de esgotamento físico e mental6.

No Brasil, 70% dos profissionais de enfermagem trabalham em hospitais, representando quantitativamente a maior força de trabalho nesse tipo de estabelecimento de saúde. A profissão da enfermagem tem sido alvo de estudos exaustivos por todo o mundo, tendo em conta as exigências físicas e emocionais durante o desenvolvimento de suas atividades laborais, e que contribuem para sentimentos de insatisfação, e podem manifestar-se na elevação do turnover, absenteísmo ou até trabalhar doente; neste caso, há relatos de síndrome de Burnout entre esses profissionais7.

Frente ao processo e organização do trabalho no hospital, Costa, Vieira e Sena8 discutem a necessidade dos trabalhadores de saúde de adotar estratégias de defesa para evitar o sofrimento, em virtude das condições desfavoráveis presentes no ambiente de trabalho. Os autores destacam as situações de distanciamento e indiferença com a equipe de trabalho e durante a prestação do próprio cuidado8.

Contraditoriamente, o profissional de saúde, quando precisa cuidar de sua própria saúde, não encontra nenhum suporte por parte da própria instituição de saúde. Muitos desses profissionais apresentam sinais de adoecimento, apesar de não se ausentarem do trabalho para tratamento, situação esta denominada de presenteísmo. Outros podem ausentar-se do trabalho por doença e justificarem as ausências através de atestados ou licenças médicas. A ausência no trabalho por motivo de doença é conhecida como absenteísmo-doença9.

O presenteismo e absenteísmo por doença afetam diretamente os próprios trabalhadores e compromete a prestação do cuidado aos pacientes e sobrecarregam os demais colegas da equipe de saúde que também podem adoecer9.

É importante ressaltar que as causas do absenteísmo não estão ligadas necessariamente às características individuais do profissional, mas na dimensão coletiva do processo de trabalho, hierarquizado e fragmentado, agravados por situações de insuficiência de recursos humanos e condições de trabalho insatisfatórias da instituição de saúde, tais como: repetitividade das atividades, excesso de trabalho, treinamento insuficiente, relações tensas na equipe, e integração precária entre os profissionais e a organização, com conseqüente impacto psicológico negativo para esses sujeitos9.

Além dos aspectos relacionados diretamente à saúde, diversos fatores podem influenciar as ausências no trabalho, como a cultura organizacional, a ausência de estratégias de valorização do trabalhador, estresse ocupacional, o ambiente psicossocial desfavorável, a insatisfação com o trabalho, a condição socioeconômica dos trabalhadores, a ausência de autonomia e controle sobre o trabalho e o baixo apoio social no trabalho10,11.

Características inerentes ao processo de trabalho em saúde, e em particular dos profissionais de enfermagem, tais como trabalho em turnos, extensão da jornada diária, realização de horas-extras, constante contato com o sofrimento e ao desenvolvimento das tarefas em ritmo acelerado12, podem contribuir para o adoecimento desta categoria profissional.

Considerando-se as situações próprias do cuidado em saúde, tais como necessidade de prestação continua da assistência e imprevisibilidade e consequente dificuldade na reposição dos profissionais para as situações de faltas no trabalho, o absenteísmo na equipe de enfermagem torna-se um problema pertinente. Dentro desta ótica, é objetivo deste estudo analisar o perfil desses trabalhadores. Tal análise poderá viabilizar uma reflexão sobre a magnitude do problema dentro do Hospital Universitário e a discussão de estratégias e políticas direcionadas ao acolhimento e cuidado desses trabalhadores para a preservação da saúde dos profissionais de enfermagem.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo e transversal cuja base de informações foi obtida através de um banco de dados do Serviço de Saúde Ocupacional (SSO) do Departamento de Recursos Humanos da Universidade Estadual de Campinas. No banco de dados, estavam registrados todos os afastamentos dos servidores da Universidade, incluindo os profissionais de enfermagem que trabalhavam no complexo hospitalar da Instituição de ensino.

Foram analisados todos os afastamentos do trabalho igual ou superiores a um dia de trabalho, registrados no período entre 1º de setembro de 2012 e 31 de agosto de 2013, por motivo de doença não relacionada ao trabalho.

A Universidade possuía 7.833 servidores não docentes ativos no período analisado; dos quais 2.800 estavam lotados no complexo do Hospital de Clinicas (HC). Destes, 1.627 profissionais de enfermagem que trabalhavam no HC e encontravam-se distribuídos em 3 categorias profissionais: 517 enfermeiros, 1.041 técnicos de enfermagem e 69 auxiliares de enfermagem.

Foram analisados os diagnósticos dos afastamentos conforme a Classificação Internacional de Doenças (CID), o número de dias de ausência, o número de afastamentos por profissional, além dos dados sociodemográficos dos profissionais de enfermagem. A análise dos dados foi realizada por meio do Microsoft Excel para Windows XP e SPSS 16 para Windows XP.

 

RESULTADOS

Foram registrados no SSO da Universidade, entre 1º de setembro de 2012 a 31 de agosto de 2013, 11.090 atestados médicos. Os registros incluíram afastamentos igual ou superiores a um dia de afastamentos por motivo de doença. O arquivo não incluía os acidentes e doenças do trabalho e licença maternidade. Cada afastamento foi considerado como uma ocorrência, independentemente do número de dias de ausência. Deste total, 4.049 ocorrências foram de profissionais de enfermagem, com uma média de 2,49 afastamentos por servidor, enquanto que as demais 7.041 ocorrências corresponderam aos afastamentos das demais categorias profissionais dos servidores, com uma média de 1,13 ocorrências por servidor.

A Tabela 1 demonstra que o número de ocorrências apresentadas pelos trabalhadores de enfermagem foi 2,2 vezes maior quando comparado aos demais servidores da Universidade.

 

 

Os dados da Tabela 2 mostram o número de trabalhadores afastados em relação ao total de profissionais de enfermagem por cargo. Há uma proporção maior de afastamentos entre os técnicos e auxiliares de enfermagem, em relação aos enfermeiros:

 

 

A Tabela 3 descreve a distribuição dos 4.049 afastamentos da equipe de enfermagem distribuídos entre os respectivos cargos. Quando corrigido estatisticamente pelo número de trabalhadores em cada categoria, verifica-se que há um número maior de ausências os auxiliares de enfermagem quando comparados com os técnicos de enfermagem; e desses também superiores se comparados com os enfermeiros.

 

 

De acordo com os dados da Tabela 4, observa-se que o principal grupo que originou o afastamento foi o M (doenças do sistema osteomuscular e conjuntivo), com 20,97% dos registros, seguido do grupo J (doenças do aparelho respiratório), com 11,70% das ocorrências.

 

 

Na Tabela 5 estão descritos os afastamentos segundo o número de dias de trabalho perdidos dos trabalhadores de enfermagem, agrupadas por doença, segundo a CID-10. O grupo F (Transtornos mentais e comportamentais), com 360 registros, apresentou o maior número de dias perdidos (4.586 dias) seguido do grupo M (Doenças do Sistema Osteomuscular e tecido conjuntivo), com 3.302 dias perdidos no período analisado.

 

 

DISCUSSÃO

Dos 4.049 atestados e licenças médicas apresentados pelos profissionais de enfermagem, foi observado que o número de ausências no trabalho foi 2,2 vezes maior quando comparado aos demais servidores da Universidade. Características inerentes ao processo de trabalho em saúde, tais como relação intensa com pacientes e seus familiares, o convívio com a doença, sofrimento e morte, podem tornar os profissionais de enfermagem mais vulneráveis a uma maior carga emocional e psíquica. Avellar et al.13, em seus estudos, descrevem os sentimentos fortes e contraditórios vivenciados pelos profissionais de enfermagem diante dessa realidade de trabalho: piedade, compaixão e amor; culpa e ansiedade, ódio e ressentimento contra os pacientes.

A profissão de enfermagem tem sido alvo de estudos exaustivos por todo o mundo, tendo em conta as exigências emocionais da mesma, que contribuem para sentimentos de insatisfação, tais como a síndrome de Burnout, os elevados turnover e absenteísmo7.

O trabalho da equipe de enfermagem é dividido, seja através da prestação de cuidados integrais das necessidades dos pacientes e de cuidados funcionais, que são desenvolvidos por tarefas de acordo com os níveis de complexidade e de competência profissional4. Às enfermeiras, que são as profissionais cuja formação é de nível superior e detém controle do processo de trabalho da enfermagem, cabe o papel de executores de tarefas delegadas; os técnicos de enfermagem, que possuem formação técnica após completar o ensino médio e devem cumprir ao protocolo das prescrições e condutas estabelecidas e os auxiliares de enfermagem são aqueles que fazem o curso específico ao concluírem o ensino fundamental e devem lidar diretamente com os cuidados cotidianos dos pacientes como banho e demais necessidades básicas4.

Estudo realizado sobre o absenteísmo entre os profissionais de enfermagem demonstrou que o contingente de faltas entre os auxiliares e técnicos de enfermagem pode ser até três vezes maior do que o dos enfermeiros1. Outras pesquisas sobre o mesmo tema também verificaram que a maioria das ausências (65%) ocorria entre os auxiliares de enfermagem9,14.

Os técnicos e principalmente os auxiliares de enfermagem são trabalhadores da equipe de enfermagem sujeitos a tarefas que exigem maior esforço físico, contato muito próximo com o sofrimento e atividades monótonas e repetitivas15. Estudos demonstram que os auxiliares de enfermagem exercem uma função com maior demanda física e psicológica e menor autonomia em relação aos seus colegas (técnicos de enfermagem e enfermeiros) e, consequentemente, falta de autonomia ou controle com elevadas exigências de trabalho podem contribuir para o seu adoecimento e afastamento do trabalho13.

A menor frequência de afastamentos de enfermeiros no trabalho pode ser atribuída às características do cargo. Os enfermeiros têm a responsabilidade de responder pela equipe de enfermagem, o que pode determinar uma presença mais constante. Os dados também demonstraram que os afastamentos ocorridos são mais facilmente resolvidos por arranjos internos entre trabalhadores hierarquicamente superiores, o que pode ocasionar um menor índice de afastamentos por adoecimento nessa categoria16.

Uma das características do setor de saúde é a absorção de mão de obra feminina, sendo que os profissionais de enfermagem respondem por aproximadamente 75% dos profissionais empregados nos estabelecimentos de saúde. No hospital estudado, 84,2% dos profissionais de enfermagem são do sexo feminino. No presente estudo, 80,9% dos afastamentos foram de trabalhadoras de enfermagem o que configura uma discussão de gênero.

Estudo sobre absenteísmo por doença entre os profissionais da enfermagem, realizado em um hospital de médio porte, evidenciou que o gênero feminino foi responsável por 81,4% dos afastamentos do trabalho15. Outra pesquisa verificou que 80,1% das licenças foram concedidas para as mulheres, após investigar a concessão de licenças médicas aos trabalhadores de um hospital-escola17. Resultados semelhantes também foram relatados em um hospital universitário, onde os autores identificaram a frequência de 89,9% de afastamentos entre as mulheres9.

Quanto ao fato do absenteísmo ser predominantemente feminino, por um lado está relacionado ao fato de que a grande maioria dos profissionais de enfermagem são mulheres; entretanto, como na maioria das vezes cabe às mulheres a responsabilidade pelos cuidados dos filhos e afazeres domésticos, a dimensão psicossocial da duplicidade de papéis pode contribuir para a incidência destas ocorrências9,18.

Outro aspecto relevante que marca o predomínio do gênero feminino na enfermagem tem raízes históricas. O cuidado a doentes, crianças e idosos foi imposto à mulher, desde os princípios da divisão social do trabalho. O hospital era considerado um espaço distinto para a profissionalização do trabalho do lar; desta forma, as mulheres foram gradualmente assumindo este campo, principalmente as profissionais de enfermagem. Assim, o trabalho doméstico teve que incorporar-se ao trabalho em saúde. As características de subordinação e de mão de obra barata com caráter servil mantiveram-se até os dias de hoje, o que se traduz nos salários consideravelmente mais baixos, particularmente aos auxiliares e técnicos de enfermagem, e impõe duplas ou triplas jornadas19.

Ainda no caso das mulheres, o trabalho em turnos traz consequências marcantes para sua qualidade de vida. Para os profissionais de enfermagem que cumprem dupla jornada de trabalho, o repouso após os turnos de trabalho é prejudicado, porque precisam ainda assumir o cuidado com os filhos e os encargos domésticos. Adoecem, portanto, com mais frequência e faltam mais ao trabalho1,19.

Estudos que investigaram os profissionais de saúde com mais de um vínculo empregatício e sua relação com o absenteísmo demonstram que há uma maior ocorrência de faltas ao trabalho neste grupo de profissionais9,18. Estudo realizado por Nascimento17 em uma unidade básica do município de Ribeirão Preto (SP) constatou que 56% dos trabalhadores que mantinham duplo vínculo empregatício faltavam mais ao trabalho por motivo de doença. Estudo realizado por Ferreira20 sobre a prevalência de Síndrome de Burnout com os técnicos de enfermagem no mesmo Hospital de Clinicas do nosso estudo contatou que 25% dos técnicos de enfermagem possuíam mais de um emprego e houve associação significativa de número de emprego com baixa realização profissional.

O grupo de doenças osteomusculares foi a principal causa de afastamento do trabalho dos profissionais de enfermagem do hospital estudado, responsável por cerca de um quinto do absenteísmo-doença e 18% do total de dias perdidos. Estes dados revelam sobrecarga física e condições ergonômicas insatisfatórias na realização do trabalho. Auxiliares e técnicos de enfermagem, durante as atividades de trabalho, auxiliam o deslocamento do paciente no leito e fora dele. À medida que colegas de trabalho se afastam, há sobrecarga para os demais em uma situação de demanda contínua. Além disso, a incidência de queixas incide em maior proporção no sexo feminino, em razão não apenas das características biológicas da mulher, mas à desigual divisão sexual do trabalho na atualidade15.

Pesquisa que analisou os problemas de saúde relacionados ao sistema osteomuscular entre 6.070 atendimentos realizados demonstrou que 11,83% apresentavam diagnósticos ao sistema osteomuscular envolvendo a coluna vertebral e membros superiores e inferiores, sendo que 35% destas foram consideradas Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (DORT)16.

Por outro lado, o grupo de transtornos mentais e comportamentais relacionados ao trabalho foi o responsável por um quarto do total de dias perdidos do período analisado. Questões relacionadas com os fatores psicossociais e organizacionais poderiam contribuir para o absenteísmo relacionado com os transtornos mentais. Estudo realizado com profissionais de enfermagem da Unidade Neonatal de um hospital geral, acerca de sua saúde física e mental, concluiu que o estresse no trabalho decorre da falta de autonomia para a tomada de decisões, da ausência de reconhecimento da enfermagem como atividade essencial e do estresse no trabalho decorrente do excesso de responsabilidades, além do constante contato com o sofrimento e a monotonia gerada por um trabalho muitas vezes enfadonho e repetitivo21.

 

CONCLUSÕES

Os transtornos mentais e as doenças osteomusculares foram as principais causas de afastamento do trabalho dos profissionais de enfermagem do hospital estudado, correspondendo a 29,87% das ocorrências e 42,6% dos dias perdidos por estas causas.

A análise dos dados sobre o absenteísmo e a frequência de distribuição das doenças sugere que as condições específicas do processo de trabalho dos profissionais de enfermagem podem contribuir para o desenvolvimento ou desencadeamento de doenças decorrentes da sobrecarga física e mental.

Além disso, o número de afastamentos por doença dos trabalhadores de enfermagem foi mais de duas vezes maior quando comparado aos demais trabalhadores da Universidade. Ao contrário dos demais setores, o complexo hospitalar da Universidade funciona ininterruptamente. Neste sentido, uma eventual ausência de um profissional de enfermagem pode sobrecarregar os demais, uma vez que a instituição de saúde não prevê substituição do profissional nestas situações de imprevisibilidade.

Os resultados desta investigação possibilitaram conhecer a situação dos afastamentos do trabalho por doença nos profissionais de enfermagem do hospital escola estudado e confirmar a necessidade da administração desse estabelecimento de saúde discutir com os profissionais de saúde, sujeitos e agentes desse processo, a definição de programas específicos de acolhimento e preservação da saúde dos profissionais de enfermagem que assegure a qualidade de vida e as condições de trabalho satisfatórias desses trabalhadores sem prejuízo para a qualidade dos cuidados prestados aos pacientes e usuários dos serviços de saúde.

 

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Recebido em 6 de Março de 2014.
Aceito em 9 de Outubro de 2014.

Trabalho realizado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) – Campinas (SP), Brasil.

Fonte de financiamento: nenhuma


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