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ARTIGOS ORIGINAIS

O Ensino de Medicina do Trabalho no Brasil

The teaching of occupational medicine in Brazil

Eliane de Medeiros Kawakami1; Leandro Müller de Arruda1; Felipe Campoi Borguetti2; Juliana Midori Hayashide1; Lígia Carvalho Albuquerque1; Mariana Queiroz Florindo Soeiro Souza2; Renata Suguimoto Vido1; Luiz Carlos Morrone3

RESUMO

CONTEXTO: As Convenções 155 e 161 da Conferência Internacional do Trabalho e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 justificam a necessidade do país investir na preparação de profissionais que atuem na área da saúde dos trabalhadores.
OBJETIVOS: Estudar a situação nacional do ensino de Medicina do Trabalho nos cursos de formação para médicos através das respostas às seguintes questões: proporção de escolas médicas que ministram a disciplina, características do corpo docente, como as aulas são ministradas, temas discutidos, referências utilizadas e principais dificuldades.
MÉTODOS: Em pesquisa no banco de dados do Ministério da Educação foram apontadas 176 escolas médicas autorizadas a matricularem alunos; foi possível comunicação com 159; destas, 39 ministraram a disciplina durante 2008. Estudos em outros países possibilitaram a obtenção de dados comparativos.
RESULTADOS: Predominam escolas médicas na região sudeste do país. A maioria dá caráter obrigatório à disciplina. Visitas a locais de trabalho e discussão de casos clínicos com pacientes são utilizados como método de ensino em grande parte delas. A relação número de alunos por docentes foi de 1 para mais de 40 em 15 escolas (38,5%). O número e o enfoque dado os temas citados como conteúdo das atividades teóricas são variados. Também são variadas as referências recomendadas aos alunos. Apenas em 26 escolas (66,6%), a disciplina foi avaliada como ótima ou boa pelos estudantes.
CONCLUSÃO: Embora a participação das escolas médicas neste levantamento tenha sido baixa (24,5%), foi considerada suficiente para se concluir que o ensino de Medicina do Trabalho nas escolas médicas brasileiras ainda é incipiente, demandando maior atenção das entidades governamentais.

Palavras-chave: Medicina do trabalho; instituições acadêmicas; Medicina; questionários.

ABSTRACT

BACKGROUND: The 155 and the 161 Conventions of International Labor Organization and the Brazilian Constitution of 1988 justify the necessity of the country in preparing professionals that actuate on the area of workers’ health.
OBJECTIVES: To study the national situation of the Occupational Medicine classes in the under graduated Medicine courses through the answers to these questions: proportion of schools that have included the discipline in their curricula, the teaching staff characteristics, how the lessons are explained; the matters discussed; the references utilized and the main difficulties.
Methods: The official register of the Education Ministry indicated 176 Medicine schools authorized in the country; it was possible to contact with 159 of them. Out of these, 39 included the discipline in 2008. Similar studies in other countries were evaluated for comparison.
RESULTS: The schools that teach occupational medicine are more frequent in the southeast region of the country. In the most part of them, the discipline has compulsory character. The visits to workplaces and the clinical cases discussion are used like learning method in many schools. The ratio of professors to students was 1 to 40 or more in 15 (38.5%) schools. The number and the subject learned were variable, as well as the references indicated for the students. The assessment of the discipline was excellent or good by students of only 26 (66.6%) schools.
CONCLUSION: Although the participation of the schools in this study has been small (24.5%), it was sufficient to conclude that the teaching of Occupational Medicine in Brazil is incipient and demands more attention of the educational authorities.

Keywords: Occupational Medicine; schools; Medicine; questionnaires.

INTRODUÇÃO

O cuidar da saúde e segurança no trabalho como prioridade nacional

A Conferência Internacional do Trabalho já tem aprovadas desde o ano 1919, 188 convenções internacionais. Dentre elas, há duas que, por terem sido ratificadas pelo Brasil, particularmente interessam à segurança e saúde de todos os trabalhadores brasileiros. Elas são as Convenções 1551, que trata da segurança e saúde dos trabalhadores e a 1612, que trata dos serviços de saúde no trabalho.

A Convenção 155 estabelece que o Brasil deve “formular e pôr em prática uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e meio ambiente de trabalho, para prevenção de acidentes e danos à saúde consequentes ao trabalho, que guardem relação com a atividade laboral ou sobrevenham durante o trabalho, reduzindo ao mínimo as causas dos riscos existentes no meio ambiente de trabalho”.

A Convenção 161 estabelece que o Brasil deve “formular e aplicar política nacional coerente que estabeleça progressivamente serviços de saúde no trabalho para todos os trabalhadores, incluindo os do setor público”.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 2003, prevê que é competência do Sistema Único de Saúde a execução de ações de saúde do trabalhador e que também lhe cabe colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

Estas referências internacional e nacional têm peso suficiente para serem incluídas como preocupação das políticas de governos federal, estaduais e municipais, a necessidade de o país investir na preparação de profissionais que atuem nesta área.

O que isto tem a ver com a formação dos médicos?

Para que estas políticas possam ser implementadas, torna-se necessário que a formação profissional seja compatível.

Nos tópicos abaixo, Mendes4 relaciona as competências mínimas requeridas por todos os médicos, independentemente da especialidade em que atuam:

• Entender e valorizar a influência do meio-ambiente e do ambiente de trabalho sobre a saúde humana.

• Obter a história de exposição ambiental e a história ocupacional de todos os pacientes.

• Reconhecer os sinais, os sintomas, as doenças e as fontes de exposição relacionadas com os agentes ambientais e ocupacionais mais comuns.

• Demonstrar a compreensão dos fatores epidemiológicos, toxicológicos e de exposição mais relevantes, prover informação compreensível sobre as estratégias de redução do risco, e saber discutir os riscos ambientais e ocupacionais, de forma adequada e sensível às crenças e preocupações dos pacientes.

• Identificar fontes de informação, recursos clínicos, recursos laboratoriais e outros, úteis para o encaminhamento correto das preocupações e dos problemas relacionados com o meio-ambiente e com o trabalho, trazidos pelos pacientes e pela comunidade.

• Compreender e exercer as responsabilidades éticas e legais intrínsecas ao atendimento de pacientes com problemas ou preocupações ambientais ou ocupacionais.

Para que tal finalidade seja atingida, é essencial que os currículos das escolas médicas abordem metodologia de ensino que possibilite a preocupação com a sempre possível influência da profissão e das condições de trabalho sobre a saúde humana.

Estudos internacionais

Em artigo publicado por Felton5, em levantamento realizado em 96 escolas de Medicina nos Estados Unidos e no Canadá, 79 escolas responderam ao questionário e 70 delas (88,6%) informaram que a disciplina de Medicina do Trabalho era ministrada para alunos da graduação, sendo que em 62 (88,5%), a disciplina era obrigatória. Em relação à formação universitária dos docentes, além de médicos do trabalho, higienistas, fisiatras, dermatologistas, advogados e engenheiros também ministravam as aulas. Em 29 escolas (42%), o professor era um membro da faculdade em tempo integral. A carga horária média total ministrada era de 12,8 horas semanais. Trinta e três instituições (41,7%) utilizavam as visitas aos locais de trabalho como atividade prática e oito (10,1%) utilizavam discussão de casos clínicos.

Braeckman et al.6, em estudo realizado na Bélgica em 2009, declararam que o ensino de Medicina do Trabalho está em declínio na Bélgica. Justificaram como objetivo de seu estudo a procura por alternativas motivacionais que tornassem a disciplina de Medicina Ocupacional mais atraente para os estudantes. Descreveram de forma sucinta como é o método atual de ensino da disciplina na Universidade de Ghent. Nesse estudo, mostraram o resultado da aplicação de horas de aula em atividades práticas presenciais; estas atividades são realizadas com a presença de professores experientes e em grupos de 8 a 12 alunos. Os resultados desse estudo mostraram que as discussões de casos clínicos são bem aceitas pelos estudantes. Há controvérsia em relação à opinião dos estudantes sobre a validade de visitas a empresas e instituições.

Sanchez-Roman et al.7, no México, fizeram levantamento da situação do ensino de Medicina do Trabalho em 75 escolas e faculdades de Medicina de 29 estados e no Distrito Federal. Destas, 49 (65%) são públicas e 26 (35%) privadas. Das 73 escolas que responderam ao questionário, em 39 (52%) a disciplina é ministrada e obrigatória. Em relação à qualificação dos docentes que a ministram, em 15 universidades (20,5%), os docentes são especialistas. Em relação à carga horária, das 35 escolas que informaram, 21 delas (60%) ministram entre duas e três horas por semana durante um semestre. Em relação a aulas práticas ou visitas a empresas, 27 (69%) referiram contemplar como atividade complementar, mas não obrigatória. As conclusões a que chegaram são de que a disparidade nos aspectos básicos de ensino da Medicina Ocupacional nas escolas médicas explica o pequeno desenvolvimento e reconhecimento social e profissional da especialidade; também destacam os sérios problemas para a saúde pública que são derivados da falta de prevenção dos riscos dos ambientes de trabalho.

Wynn et al.8 realizaram estudo em 24 escolas de Medicina do Reino Unido no período de 1999 a 2000. Dezenove escolas responderam ao questionário (79%) e 13 informaram ter o ensino de Medicina Ocupacional. Dentre os temas abordados estão incluídos, em pelo menos doze escolas, os seguintes: Doenças respiratórias ocupacionais, Riscos à saúde dos médicos em ambiente hospitalar, Infecções adquiridas ocupacionalmente, Estresse ocupacional e Doenças musculoesqueléticas ocupacionais. Concluíram que não há uma forma uniforme de ensino de Medicina Ocupacional. Também, que é uma área não vista como um assunto importante e que é possível que a falta de conhecimento clínico reduza o impacto do ensino de saúde ocupacional. Recomendaram que fosse desenvolvido um programa de base para o ensino de Medicina Ocupacional para graduação.

Shanahan et al.9, da Universidade do Sul da Austrália apresentaram o resultado de estudo realizado no ano de 1998, do ensino de Medicina do Trabalho em dez escolas de Medicina da Austrália e duas da Nova Zelândia. Um questionário foi enviado para as 12 instituições e todas responderam. O questionário era composto por perguntas sobre detalhes do currículo, formato e avaliação, pessoal envolvido e direções futuras do curso; continha uma lista de tópicos relacionados à Medicina Ocupacional e pedia que fossem apontados os tópicos presentes no currículo, com a possibilidade de incluir novos tópicos à lista. Os tópicos eram específicos: anamnese, doenças respiratórias, desordens musculoesqueléticas, câncer, desordens neurológicas e reprodutivas, doenças dermatológicas,  epidemiologia, higiene, avaliação do local de trabalho, comunicação do local de trabalho, leis, compensação dos trabalhadores, reabilitação, toxicologia, vigilância em saúde, ergonomia, ética, fontes de informação e agências governamentais. O número de horas destinado à disciplina foi, em média, de 12,8 horas. A disciplina foi ministrada somente por meio de aulas teóricas e em maior o número de horas foi ministrada por especialista. É grande a variação de temas quando comparadas as várias escolas. Em quatro escolas, o modelo de ensino é o problem-based learning (PBL). Em outras quatro escolas, os temas informados não permitiram que fosse caracterizada uma disciplina de Medicina do Trabalho. Em nenhuma das instituições, a disciplina foi avaliada de forma isolada.

Estudo nacional

Um dos estudos mais antigos registrados na literatura brasileira foi o realizado por Higa et al.10 no ano de 1990. Naquela ocasião, dos 80 questionários enviados a escolas médicas brasileiras, 42 foram respondidos e 26 das escolas (61,9%) informaram ter ministrado a disciplina no ano de 1990. A maior parte dos docentes possuía curso de especialização em Medicina do Trabalho (73,1%), 34,6 % mestrado e 15,4% doutorado. Em 61,5% das escolas, os professores eram contratados em tempo integral. Quanto à metodologia de ensino utilizada, foi verificado que, em média, 49,0% da carga horária era dedicada a aulas teóricas e 13% para visitas técnicas. Quanto aos métodos de avaliação, a prova dissertativa individual foi a que predominou, sendo que 73% das escolas associavam dois métodos de avaliação que incluíam também o trabalho em grupo. Na ocasião, dentre as dificuldades apresentadas se destacavam: a falta de um ambulatório de doenças ocupacionais, de bibliografia e material didático e também, docência em número insuficiente e desatualizada.

Atualmente, estão autorizadas a oferecer vagas, 176 instituições de ensino médico, portanto, é tempo de se reavaliar como está sendo oferecida a disciplina de Medicina do Trabalho.

 

OBJETIVOS

Levantamento da situação nacional em relação ao ensino de Medicina do Trabalho nos cursos de formação para médicos, que contemple resposta às seguintes questões: proporção de escolas médicas que ministram a disciplina nos cursos de graduação para médicos, as características do corpo docente responsável, como as aulas são ministradas, temas discutidos, referências utilizadas e principais dificuldades.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Por meio do banco de dados de escolas médicas do Brasil11, de responsabilidade de Antônio Carlos Nassif, membro da Comissão de Especialidades do Ministério da Educação (MEC), foi possível levantar que em fevereiro de 2010, estavam autorizadas 176 escolas médicas no Brasil. Este banco de dados continha facilmente acessíveis as seguintes informações: data da criação da escola, nome do curso, instituição mantenedora, sigla, número de vagas oferecidas no primeiro ano e tipo de administração (se federal, estadual ou privada). Ligados ao nome da instituição estão registrados no banco de dados o nome do dirigente, seu endereço, telefone e e-mail, dentre outras informações.

Contando com a ajuda dos cinco médicos residentes de Medicina do Trabalho da ISCMSP e de dois médicos residentes do HSPE-FMO, os dados levantados sobre as instituições foram divididos em sete grupos; contatos telefônicos foram feitos com a finalidade de se conhecer quem poderia efetivamente dar informações sobre o tema saúde do trabalhador e/ou saúde ocupacional e/ou Medicina do Trabalho, fosse como disciplina autônoma ou como assunto inserido em outra disciplina. A seguir, conhecido o nome do responsável e seu e-mail, foi enviado o formulário preparado com base na experiência de ensino desta disciplina na FCMSCSP no curso de graduação para médicos (Anexo 1).

Após o primeiro contato por telefone e/ou e-mail, foram recebidos questionários respondidos por parte das escolas. Para as escolas que não responderam, foi realizado um segundo contato por telefone e/ou e-mail. Constatou-se no primeiro contato que uma proporção expressiva das escolas, 37 delas (20,4%), foi autorizada a realizar concursos para o primeiro ano durante o período de 2005 a 2010, e por este motivo algumas delas ainda não tiveram condições de estruturar a disciplina de Medicina do Trabalho. Por isso, decidiu-se adotar como critério de exclusão as escolas que ofereceram vagas até o ano de 2008, já que uma das escolas com turmas iniciadas neste ano já havia oferecido a disciplina.

Os dados referentes às 176 escolas médicas foram tabulados da seguinte forma:

• Distribuição das escolas médicas registradas por regiões geográficas do Brasil até 2008.

• Número de vagas registradas no MEC até 2008, distribuídas por regiões geográficas do Brasil.

• Número de escolas, dentre as criadas até 2008, em que foi possível o contato pelo menos por telefone, distribuídas por regiões geográficas do Brasil.

• Número de escolas, dentre as criadas ate 2008, em que foi possível o contato pelo menos por telefone, distribuídas por tipo de resposta.

• Número de escolas que preencheram o questionário, distribuídas por regiões geográficas do Brasil.

As respostas das questões referentes aos assuntos ministrados e referências bibliográficas, foram analisadas de forma descritiva.

 

RESULTADOS

Universo de escolas médicas autorizadas no Brasil até dezembro de 2008

As 176 escolas médicas registradas no Brasil estão distribuídas geograficamente de forma desigual. Assim, a Tabela 1 descreve que 76 (43,2%) estão localizadas na região sudeste, seguido pela região nordeste com 37 (21,0%); o número de vagas oferecidas está distribuído aproximadamente da mesma forma. Das 176 escolas médicas registradas, foi possível contato, pelo menos por telefone, com 159 (90,3%). As dificuldades que se apresentaram para o contato inicial com 17 escolas foram: o número de telefone não existia, ou as ligações não foram atendidas, ou ainda, os recados deixados em secretárias eletrônicas não foram respondidos. Em outros casos, também mensagens enviadas por e-mail não formalizaram um contato inicial.

 

 

Escolas médicas que ministraram a disciplina de Medicina do Trabalho durante o ano de 2009

A Tabela 2 mostra que, das 159 escolas contatadas, houve algum tipo de resposta por telefone e/ou por e-mail de 111 escolas (69,8%). Todavia, somente 48 (30,2%) submeteram uma resposta formal ao questionário enviado. Observa-se nesta tabela que dois entrevistadores, indicados como E e F, receberam um maior número de respostas ;uma mudança de metodologia por estes entrevistadores, não prevista no que fora inicialmente definido, aumentou o número de respostas. Um número inferior à média de respostas recebidas pelos entrevistadores foi identificado em relação ao entrevistador A; neste caso, o número baixo de respostas pode ser explicado pelo maior número de contatos com escolas médicas criadas nos anos mais recentes.

 

 

Não foi claramente explicitado, embora tenha ocorrido mais de um contato com a maioria das escolas, os motivos para a falta de resposta do questionário por 89 delas (56,0%). É presumível que a grande maioria destas instituições não respondeu ao questionário por não sentir-se à vontade para assumir que a disciplina de Medicina do Trabalho não era ministrada na graduação. Mesmo informalmente, várias explicações foram dadas por escolas que não ministraram a disciplina no ano de 2009. Por exemplo, a disciplina existiu no passado, mas os docentes se aposentaram e não tinham sido substituídos. Uma outra explicação foi que o curso estava planejado, mas ainda não tinha sido ministrado, pois a escola era nova.

A Tabela 3 mostra que, das 48 escolas que responderam ao questionário, 39 informaram que a disciplina de Medicina do Trabalho fora efetivamente ministrada durante o ano de 2009. Assim, estes dados passaram a ser o núcleo central de nossa pesquisa. Observando-se os dados sobre a frequência de escolas médicas que ministraram a disciplina de Medicina do Trabalho em 2009 distribuídas por região geográfica do país, a maior proporção ficou localizada na região sudeste.

 

 

A forma de ministrar a disciplina inclui atividades práticas em grande parte das instituições

Como pode ser observado na Tabela 4, na maioria das escolas que respondeu ao questionário, a disciplina é obrigatória, a avaliação é explicitada no histórico escolar, há um docente responsável com qualificação no mínimo de especialista na área, e com vínculo administrativo contratado formal.

 

 

A Tabela 5 mostra a média de carga horária que em que a disciplina é ministrada. Em média, são ministradas aos alunos aproximadamente 60 horas-aula; uma terça parte destas horas é ministrada em aulas práticas. As visitas aos locais de trabalho são valorizadas como atividade prática por 76,9% das instituições; o uso de casos clínicos representou uma proporção um pouco menor. Em geral, estas atividades representam um grande atrativo para os alunos.

 

 

Outras formas de se realizar atividades práticas

Ambulatório de Medicina do Trabalho, seminários de relatórios de visitas, visitas ao Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), estudos dirigidos, problematização, seminários, trabalhos científicos em epidemiologia ocupacional, identificar os tipos de atividades laborais da área na Unidade Saúde da Família (USF). Realizar levantamento junto ao banco de dados, prontuários da USF, acerca da população economicamente ativa (PEA) atendida e condições sanitárias e ambientais da área.

A Tabela 6 mostra que as atividades teóricas são ministradas, em geral, para grupos de mais de 40 alunos – turma considerada grande que pode possibilitar uma grande dispersão. Em relação às atividades práticas, mais difíceis de serem programadas, são organizadas para grupos menores, o que as tornam mais produtivas.

 

 

Conteúdo teórico discutido

As 30 escolas que preencheram este item mencionaram 66 títulos de assuntos ministrados como conteúdos teóricos. Segue abaixo a relação de temas mencionados por pelo menos 10 escolas em ordem decrescente de número de citações:

• Doenças causadas por agentes físicos (ruído, calor e etc.).

• Doenças causadas por agentes químicos (chumbo, benzeno e etc.).

• Doenças causadas pela inalação de poeiras (pneumoconioses).

• Doenças da pele (dermatoses ocupacionais).

• Epidemiologia dos acidentes de trabalho.

• Epidemiologia das doenças profissionais.

• Atividades dos Serviços de Medicina do Trabalho das empresas.

• Legislação de Segurança e Saúde do Trabalhador.

• Doenças causadas por agentes ergonômicos – LER/DORT.

• Intoxicações por pesticidas.

• Câncer ocupacional.

Método de avaliação dos alunos

A Tabela 7 mostra que a prova individual é o meio de avaliação mais frequente; o trabalho em grupo também é utilizado.

 

 

Referências utilizadas

A Tabela 8 mostra que em relação às referências utilizadas predominam o livro texto e o uso da internet.

 

 

As 30 escolas que preencheram o item referências apresentadas como Bibliografia Básica, mencionaram 52 títulos recomendados aos alunos. Abaixo apresentamos, em ordem decrescente, as cinco referências mais citadas.

• Mendes R org.. Patologia do trabalho – atualizada e ampliada. 2.ed. São Paulo: Atheneu, 2003. Volumes 1 e 2.

• Dias, EC org. Doenças relacionadas ao trabalho – manual de procedimentos para os serviços de saúde/Ministério da Saúde do Brasil, Representação no Brasil da OPAS/OMS. Brasília: Ministério da Saúde do Brasil, 2001.

• Manuais de legislação ATLAS: segurança e Medicina do Trabalho/Equipe Atlas. 47.ed. São Paulo: Atlas, 2000.

• Encyclopaedia of Occupational Health and Safety. 4.ed. Geneve: International Labour Office, 1998. 4V.

• Junior, MF. Saúde no trabalho: temas básicos para o profissional que cuida da saúde dos trabalhadores. São Paulo: Roca, 2000.

Avaliação da disciplina pelos alunos

Os dados apresentados na Tabela 9 demonstram que as escolas que não responderam à questão, provavelmente porque os alunos não avaliam a disciplina ministrada. Esta proporção somada às que foram avaliadas como regular ou péssima, totalizam 33,4%, o que é preocupante.

 

 

DISCUSSÃO

O Quadro 1 apresenta um resumo dos dados apurados nesta avaliação com estudo semelhante feito no Brasil e outros feitos em outros países.

 

 

Comparando-se os achados deste estudo com outros semelhantes, vale a pena destacar:

Frequência de respostas obtidas

A frequência de respostas (30,2%) foi muito baixa. Ficou claro no desenvolvimento deste trabalho que sem o envolvimento de instituições governamentais, que deveriam demonstrar estímulo e/ou obrigatoriedade de resposta, foi muito difícil obter proporções de participação semelhantes às dos estudos realizados em outros países e mesmo no Brasil em outras épocas.

Como as escolas ministraram a disciplina

Nestes mesmos estudos, com relação à proporção de escolas que ministraram a disciplina de Medicina do Trabalho, diferentemente de outros estudos, apenas 30,2% das instituições contatadas enviaram resposta.

Obrigatoriedade da disciplina

Neste estudo, a obrigatoriedade da disciplina nas escolas médicas que ministraram a disciplina foi grande, porém, apenas em parte delas, a disciplina consta no histórico escolar como disciplina autônoma.

Atividades práticas

Neste estudo, um número expressivo de escolas incluiu como atividades práticas visitas aos locais de trabalho e discussão de casos clínicos, práticas que aumentam a motivação dos alunos pela disciplina.

 

CONCLUSÕES

A distribuição de escolas médicas por região do país mostrou que há predomínio delas na região sudeste, o que também significa que a disciplina de Medicina do Trabalho é lecionada em maior proporção de escolas desta região. O fator mais significativo para adesão reduzida das escolas médicas à pesquisa realizada pode ser a falta de estímulos e/ou obrigatoriedade na resposta ao questionário.

A grande maioria das escolas brasileiras leciona a disciplina em caráter obrigatório. Todavia, apenas em parte delas, a avaliação da disciplina consta no histórico escolar como disciplina autônoma. Há docentes responsáveis específicos, para a disciplina em quase todas as escolas, e em 26 delas (66,6%), os docentes são pelo menos especialistas. O tipo de contrato de trabalho dos docentes é, em 79,5% das escolas, celetistas ou estatutários. Foi considerado preocupante que em 8 escolas (20,5%), os docentes responsáveis não têm um contrato de trabalho formal.

As visitas aos locais de trabalho e a discussão de casos clínicos são utilizadas como método de ensino prático em grande parte das escolas brasileiras, o que é positivo.

A relação número de alunos por docentes foi considerada muito elevada nas atividades teóricas, a proporção foi de 1 docente para mais de 40 alunos em pelo menos 15 escolas (38,5%). Todavia, para as atividades práticas em 10 escolas, identificou-se a proporção de 1 docente para cada 10 alunos (28,2%), o que é considerado um número razoável de alunos por docente para as atividades práticas.

É muito grande e variado o número de temas citados como conteúdo das atividades teóricas. Predominam os temas associados à descrição de doenças ocupacionais, de epidemiologia de acidentes e doenças do trabalho, assim como de legislação de higiene e segurança do trabalho. Da mesma maneira, o número de referências recomendadas aos alunos é muito grande e variado.

Foi considerada pequena a proporção do número de escolas em que os alunos avaliaram a disciplina como ótima ou boa – 26 (66,6%), fato considerado preocupante em relação à manutenção da disciplina com os objetivos que dela se espera.

Embora a participação das escolas médicas neste levantamento tenha sido menor do que se pretendia, foi suficiente para se concluir que o ensino de Medicina do Trabalho nas escolas médicas brasileiras ainda é insipiente e demanda maior atenção das entidades governamentais.

Recomendações

Este tipo de levantamento deve ser repetido com periodicidade pelo menos trienal, a fim de que seja possível acompanhar a evolução da disciplina de Medicina do Trabalho no país. Também, deve-se procurar o envolvimento do MEC na realização deste levantamento, a fim de se obter uma participação maior das escolas médicas brasileiras.

Esforços por parte da ANAMT, no sentido de fomentar junto ao Ministério de Educação, uma reunião com os docentes que participaram desta pesquisa, e outros docentes interessados, a fim de se buscar maior homogeneidade nas estruturas das disciplinas oferecidas nas várias regiões do país.

Cópias deste trabalho sejam enviadas às 176 escolas médicas brasileiras, com o objetivo de ajudá-las a promover, atualizar e aprimorar seus programas de ensino em Medicina do Trabalho nos cursos de graduação de Medicina.

 

AGRADECIMENTOS

Aos pesquisadores e às 61 instituições de ensino médico que tornaram possível a realização deste estudo citadas no Anexo 1.

 

REFERÊNCIAS

1. Organização Internacional do Trabalho. Conferência Internacional do Trabalho. Convenção 155. [homepage on the internet]. Brasília, DF: Ministério do Trabalho e Emprego; [cited 2011 Jun 07]. Available from: http://www.mte.gov.br/legislacao/convencoes/cv_155.asp.

2. Organização Internacional do Trabalho. Conferência Internacional do Trabalho. Convenção 161. [homepage on the internet]. Brasília, DF: Ministério do Trabalho e Emprego; [cited 2011 Jun 07]. Available from: http://www.mte.gov.br/legislacao/convencoes/cv_161.asp.

3. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil [homepage on the internet]. [cited 2011 Jun 07]. Available from: http://200.217.71.99/data/site/uploads/arquivos/constituicao%20federal.pdf.

4. Mendes R. Requisitos para a competência no exercício das profissões que cuidam da saúde dos trabalhadores. In: Ferreira Jr M. Saúde no trabalho: temas básicos para o profissional que cuida da saúde dos trabalhadores. São Paulo: Roca; 2000. p 29-51.

5. Felton JS. The teaching of occupational medicine in United States and Canada, 1960. J Occup Med. 1960;2:315-20.

6. Braeckman L, Bekaert M, Cobbaut L, De Ridder M, Glazemakers J, Kiss P. Workplace visits versus case studies in undergraduate occupational medicine teaching. J Occup Environ Med. 2009;51(12):1455-9.

7. Sánchez-Román FR, Medina-Figueroa AM, Rangel-Zertuche RA, Sánchez-Ramos A. The teaching of occupational medicine in Mexican medical schools. Salud Publica Mex. 2009;51(2):97-103.

8. Wynn PA, Aw TC, Williams NR, Harrington M. Teaching of occupational medicine to undergraduates in UK schools of medicine. Med Educ. 2002;36(8):697-701.

9. Shanahan EM, Murray AM, Lillington T, Farmer EA. The teaching of occupational and environmental medicine to medical students in Australia and New Zealand. Occup Med (Lond). 2000;50(4):246-50.

10. Higa C, Freitas JBP, Buschinelli JTP, Morrone LC. O ensino de Medicina do Trabalho no curso de graduação nas escolas brasileiras. Rev Bras Saúde Ocup. 1991;19(74):75-9.

11. Escolas médicas do Brasil. [homepage on the internet]. Antonio Carlos Nassif. [cited 2011 Jun 07]. Available from: http://www.escolasmedicas.com.br/escolas.php

 

Trabalho realizado pela Disciplina de Medicina do Trabalho do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) – São Paulo (SP), Brasil.

 

 

 

Recebido em 6 de Abril de 2011.
Aceito em 13 de Maio de 2011.

Fonte de financiamento: Programas de Residência em Medicina do Trabalho da ISCMSP e do HSPE-FMO.


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